sábado, 25 de agosto de 2018

Produtos filatélicos vendidos antes de tempo...

No início da década de 1910 a polémica em torno da venda de produtos postais emitidos propositadamente para Macau mas que eram postos a circular mesmo antes de chegar ao território, causou uma acesa discussão entre o responsável dos Correios de Macau e a Repartição das Colónias em Portugal.
A 20 de Março de 1912 o Director dos Correios de Macau remete o ofício n.º 135/12 para a 3.ª Repartição da Direcção Geral das Colónias enviando 4 sobrescritos franquiados com selos de Macau sem a sobrecarga “Republica” da Casa da Moeda criada por Decreto de 20 de Abril de 1911. No ofício explica que na vizinha colónia inglesa de Hong Kong estavam a ser comercializados a preços bastante elevados aquele tipo de selos não sabendo ele onde foram adquiridos, visto que ainda não tinham sido postos em circulação em Macau e nem tão pouco chegado, aquele tipo de selos, à Repartição de Fazenda de Macau. Mais informa que da Rússia, Hungria e outros países, têm-lhe sido enviadas cartas pré-franquiadas com esses selos, com a solicitação que fossem carimbadas e feitas circular de Macau para esses destinos. Conclui informando que não satisfez os pedidos presumindo que fossem falsificações.
A 23 de Março de 1912 por ofício n.º 143/12 dirigida à mesma 3.ª Repartição o mesmo Director volta a reclamar sobre a situação...
Exm.º Snr. Engenheiro Chefe da 3.ª Repartição da Direcção Geral das Colonias
Em aditamento ao meu offício n.º 135/12 de 20 do corrente cumpre-me enviar a V. Ex.ª um novo pedido feito por carta dirigida pelo Sr. A. Berdoz residente em Modu-Suissa, afim de serem aqui consideradas e devolvidas as formulas de franquia que remette. Devo dizer a V. Ex.ª que, á excepção do selo de 2 avos affixado n’um dos bilhetes postaes, todas as outras formulas de franquia estão sendo consideradas por esta Direcção como sendo falsificadas visto que aqui ainda não foram postas à venda ao publico, nem existem na caixa do thesouro d’esta provinciao. Os objectos contendo estes sellos e os cartões postais e bilhetes com a sobrecarga “Republica” recebidos ou encontrados nos receptáculos postaes d’esta província estão sendo expedidos multados em virtude de ainda não terem sido postas á venda estas formulas de franquia e se suppor que as estejam falsificando, sendo consideradas como já innutilizadas.
"
A 3.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar responde pelo ofício n.º 300/5857912 de 22 de Abril de 1912, informando que a Direcção dos Correios de Macau não pode deixar de aceitar esses selos, nem multar as cartas e inteiros postais, pois eles foram emitidos segundo um decreto governamental que o director não poderia desconhecer. O director acata as ordens mas não deixa de contestar e faz um novo Ofício n.º 237/12 de 16 de Maio. 
“Sobre o assunto do officio n.º 300/585/912 datado da 2.ª Secção de 22 d’Abril findo, permitta-me V. Ex.ª que exponha o seguinte:
Devo primeiro logar dizer a V. Ex.ª que a partir desta data determinei que fossem cumpridas as ordens a que allude o referido offício, não sendo de futuro multadas as correspondências que trouxerem sellos com a sobrecarga “Republica” ou ainda outras fórmulas de franquia com a mesma sobrecarga, muito embora nunca tivessem existido à venda nos correios de Macau para onde exclusivamente ellas se destinam.
Passando a expor o assumpto, devo dizer a V. Ex.ª que se torna maxima conveniência que sejam adoptadas providencias afim de todas as formulas de franquia que puzerem à venda na Casa da Moeda em Lisboa, e que sejam para circulação n’esta província, não sejam alli vendidas antes de serem mandadas para esta província.
Porvindo o valor e existência das formulas de franquia da sua applicação na transmissão da correspondência nas Administrações Postaes a que dizem respeito, ellas nenhum valor teem, pelo menos, se não chegarem a circular nas referidas Administrações postaes, o que se pode dar se se esgotarem as suas emissões e se tenham de fazer outras de emissões diversas, caso que parece susceptível de se dar no actual momento pela circulação de novos sellos do regime republicano.
Alguns colleccionadores teem-se admirado de na Casa da Moeda venderem sellos e mais fórmulas de franquia, adeantando-se alguns a dizerem que os compradores teem sido enganados pelo Governo Portuguez, porque as formulas de franquia que lhes venderam são falsas visto que não existem nas respectivas Administrações postaes.
É grave e urge providencias immediatas, quando demais se me affigura não haver necessidade de estas formulas de franquia deixarem de ser enviadas para esta província.
Devo ainda dizer que não ignorava que na Casa da Moeda em Lisboa se vendessem formulas de franquia privativas das Colónias, mas o que nunca suppuz foi que ellas fossem vendidas ali antes de serem enviadas para as respectivas Colónias, motivo porque determinei que fossem multadas as correspondências nestas condições."
A troca de argumentos continua e este ofício será respondido pela Direcção Geral das Colónias com o ofício n.º 445/585/912 de 8 de Junho de 1912 onde informa que os elementos essenciais para que as repartições de correio coloniais passassem a conhecer a validade ou não das fórmulas de franquia, independentemente de as já terem ou não à venda nas estações postais, eram os diplomas que autorizam as emissões ou sobrecargas, assim como os espécimes que a Direcção Geral das Colónias distribuía juntamente com as circulares da Secretaria Internacional de Berna. Diz ainda que com estes documentos as Repartições dos Correios estavam habilitadas a esclarecer o público sobre a validade das fórmulas de franquia que aparecessem afixadas nas correspondências, ainda que tais fórmulas não tivessem sido postas à venda nas colónias, embora já se tivesse iniciado a sua venda na Casa da Moeda.
Curiosamente não se faz qualquer referência à publicação das normas nos Boletins Oficiais das Colónias. No caso de Macau só em finais de Setembro de 1912 é que chegaram os selos sobrecarregados com “Republica” pela Casa da Moeda (imagem acima, à esq.).
Nota: texto elaborado a partir de um trabalho de investigação de Elder Correia, autor do blog A Mala Posta.

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