A propósito de mais um Dia do Buda, recordo um artigo de Leonel Barros sobre templos e pagodes chineses de Macau, muitos deles budistas.
A China é um país conhecido pela multiplicidade de templos e pagodes. Contudo, o primeiro pagode que apareceu na China foi trazido da Índia, durante a dinastia Han (206 a.C.- 220 d.C.), para servir de santuário nos mosteiros onde a imagem do Buda e algumas das suas preciosas relíquias (um bocado do seu vestuário, uma unha, um pouco do seu cabelo ou ainda um bocado do seu osso, etc.), eram encaixadas em valiosos relicários.
O pouco conhecido pagode de Ieok San na rua Almirante Costa Cabral |
Porém, dos pagodes que encontramos por toda a China, não existe sequer um, em Macau. Os que são encontrados no interior de alguns templos chineses e que vêm servindo para a queima de papeis sagrados, possuem feitios e tamanhos diferentes, em nada se igualando ao primitivo pagode trazido da Índia, que era quase todo de bronze e de formato quadrangular. À medida que a fé se ia prolongando através do povo, os chineses procuravam, sempre que possível, enterrar relíquias dos seus mais acreditados ídolos, construindo pagodes por cima . Segundo os cálculos mais recentes, em toda a China hoje existirão mais de 2.500 pagodes. Esse número não é nada exagerado pois em Macau, com uma área tão reduzida comparada com a imensa China, existem cerca de 39 templos a que os chineses deram o nome de miu e t’ap. Talvez pouca gente em Macau conheça a verdadeira origem de alguns dos templos (as imagens não são sobre os templos referidos) do território associados à medicina chinesa que se pratica hoje.
Templo de Kun Iam Tong |
Antigamente era costume, anualmente, no 18º dia, da quinta lua, os residentes do Bairro do Baixo-Monte organizarem uma festa dedicada ao ídolo Ná-Chá, fazendo uma pequena procissão por algumas ruas de Macau, transportando uma redoma com o respectivo ídolo, acompanhada de música, queima de panchões e com a dança do leão acordado. Era nesse dia, que o público podia apreciar as cerimónias do bate-cabeças ou outras mesuras do género, no pequeno pátio deste templo. Recorde-se que, quando Macau nos anos 30 foi assolado por uma epidemia de cólera, meningite e peste bubónica, as tais procissões eram muito mais frequentes e a intenção era pedir a Ná-Chá, a protecção da cidade para tais calamidades.
Conta a lenda que havia uma mulher que se chamava Ian-Si, casada com um general chamado Li-Cheong. Um dia enquanto Ian-Si dormia, um taoista, com cuidado, colocou sobre o seu ventre um objecto em forma de uma esfera. Ian-Si ao acordar, sem saber o que se passava, deixou cair do seu ventre a tal esfera que ao rodar pelo sobrado, se separou em duas metades, saindo do seu interior Ná-chá. Tendo conhecimento do caso e julgando tratar-se de um qualquer acto sobrenatural envolvendo demónios, toda a família de Ná-Chá foi levada à presença do Imperador Jade (Yôk-Vóng) a fim de ser ouvida para, caso se provasse o carácter sobrenatural, seriam castigados segundo a norma, todos os membros da família, com a sentença de morte. Ao saber que os seus pais e irmãos iriam ser condenados à morte, Ná-Chá ofereceu-se para ser degolada, com a condição do Imperador poupar a vida dos seus familiares. O seu pedido foi aceite, tendo-lhe sido entregue uma afiada espada com que Ná-chá se suicidou, abrindo o seu próprio ventre. O seu corpo foi seguidamente enterrado numa gruta em Tai Ut Chan Ian, onde posteriormente os habitantes deste local mandaram erguer um modesto pagode (t’ap) em sua honra. Sabe-se, no entanto, que Ná-Chá durante a vida curou muitos doentes, servindo-se de ervas medicinais que diariamente colhia nas serras, ficando também conhecida por rainha da medicina chinesa.
Secagem de pivetes |
Sobre esse templo escreve Jaime do Inso o seguinte: O pequeno Pagode de Ná-chá-Ku-Miu, como que aberto no meio da rua em interessantíssima disposição, num dos recantos mais típicos da velha Macau, onde se venera o terceiro filho do primeiro Imperador da China, tido como muito milagroso, serve especialmente para desfazer os maus intentos como pedir curas, obtendo-se remédios numa espécie de loja, sacristia ou habitação contínua que, com uma pequena imagem, uma virgem, parece iluminada no seu altar, com amuletos, pivetes e papeis pintados.
Este templozinho só tem uma parede e a cobertura está suspensa por três colunas de pedra, cada uma delas com tabuletas com caracteres chineses de bom agouro. Foi este pequeno templo recuperado, pelo que se sabe três vezes, sendo a primeira em 1876, a segunda e, 1882 e a última há mais de 50 anos, tendo sido as despesas pagas pelos moradores do bairro do Baixo-Monte. A botica que servia de farmácia chinesa, ainda hoje se encontra junto a este templo, mas em estado de degradação.
Texto de Leonel Barros publicado no Jornal Tribuna de Macau em 2008.
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