Com a entrada da tempestade tropical num semicírculo de 800 quilómetros em volta de Macau, começam a ser hasteados os sinais de alerta que aumentam consoante a intensidade dos ventos e a aproximação da tempestade, numa escala de cinco níveis que integra os números um, três, oito, nove e dez. Com ventos até 62 km/h chama-se depressão tropical; de 62 até 88 km/h ciclone tropical; de 89 km a 117 km/h ciclone tropical severo; quanto os ventos sopram acima de 118 km/h designa-se tufão.
O termo português é tufão e em inglês Typhoon, fruto da pronúncia da palavra chinesa 大风, Tai Fung, que significa “grande vento”.
Estes são os termos actuais de um fenómeno que se faz sentir anualmente entre os meses de Maio e Outubro e cujos primeiros registos remontam ao final do século 16.
“No ano de 1599, aos 28 do mês de Julho quando eu estava na cidade de Macau, vi mais de 10 ou 12 casas arruinadas pela água e pela força do tufão que nas ilhas Filipinas é chamado pelos castelhados «huracán». As casas são feitas de terra misturada com cal viva; são fortificações de tantas a tantas braças com tabiques de pedra murados a cal, sendo as paredes estucadas com cal por dentro e por fora, e cobertas de telhas em tudo ao modo da Espanha. Depois de ter soprado com tanta fúria, que não se podia andar pelas ruas nem sequer mostrar lá a cara, o vento parou, tendo passado por todos os rumos da rosa dos ventos, e continuou durante dois dias. Além de muitos danos, e naus que fez desviar por toda a costa e portos de China, fez também perder no porto de Amacao uma nau que tinha vindo do Reino do Sião, carregada de lenha chamada comummente pau brasil”. As palavras são do mercador florentino Francisco Carletti (1573-1636) – nos “Arrazoamentos da minha viagem à volta do mundo” – que esteve em Macau de 15 de Março de 1598 a 28 de Julho de 1599, vindo do Japão.
Antes de funcionarem no monte da Guia, era na fortaleza do Monte que eram içados os sinais de aviso de aproximação de tufão, sendo que por vezes também eram emitidos sinais sonoros.
No século XVIII registou-se um grande tufão. Foi a 5 de Setembro de 1738. Relatos da época referem que “nesse dia e até à manhã do dia seguinte, sofreu esta cidade e porto um horroroso tufão que pela grandeza dos estragos e desastres que dele constar, deve ser considerado talvez o maior que nestas paragens se viu”. Mais de um século depois, este “título” seria destronado.
Foi a 22 e 23 de Setembro de 1874. Para além do rasto de destruição, estima-se que entre 4 a 5 mil pessoas tenham morrido. Pedro Gastão Mesnier, secretário do Governador, registou no Boletim Oficial as suas impressões: “Encapelando-se em montes sobrepostos, o mar levantou-se numa vaga medonha, e sopesando-se num instante, precipitou-se de cofre sobre toda a parte oriental da cidade, desde o forte de S. Francisco até à Barra. As portas das casas da Praia Grande foram arrancadas, peças de artilharia de muitas toneladas foram desmontadas e transportadas a grande distância”.
Há ainda um registo de um Padre de nome Alves a este propósito: “Um pavoroso tufão desabou sobre esta cidade, reduzindo grande parte dela a um montão de escombros. A casita, que a Madre Ferrario alugara na Rua de S. Paulo, desabou também, não havendo, felizmente desastres pessoais (…)Por essa ocasião havia em Macau um padre de Goa, Francisco Rosário dÁlmeida, que tudo o que tinha, e até o próprio tempo de que dispunha, o empregava em fazer bem à pobreza. A sua casa era um asylo de creancinhas e pobres abandonados, onde todos tinham esteira e arroz para viver. Quando este Padre viu as religiosas reduzidas à miséria e ao abandono com o desabamento da casa (…) foi procurar-lhes uma casa na rua de Sancto António, onde pagavam de renda 10 patacas mensaes”.
Em 1875 um outro tufão arrastou mais de 140 embarcações e danificou quase 20 edifícios, incluindo o Palácio do Governo.
No final do século XIX, a 29 de Julho de 1896, os tufões voltariam a provocar estragos assinaláveis e a provocar mortos. De acordo com o testemunho de Abreu Nunes, director das obras públicas, no “palácio do governo sofreram os estuques, a pintura das salas e a caiação e pintura exterior que ficaram imundas pela lama arremessada pelo vento. No edifício da Liceu abateu uma pequena casa separada do corpo principal que servia antigamente de cozinha e o muro contíguo”.
Já no século XX, em 1923, um ciclone tropical destruiu cerca de 200 prédios, afundou dezenas de embarcações e provocou a morte a 400 pessoas. Um barco foi mesmo projectado para perto da catedral de Macau e outras embarcações foram arrastadas para a zona do antigo “bazar”. Registaram-se ainda diversos incêndios e ataques de piratas. É por esta altura que são introduzidas melhorias nas previsões dos Serviços Meteorológicos e no sistema de alerta.
A 20 de Agosto de 1927 um outro tufão assola Macau, o terceiro mais violento a atingir o território até então. No testemunho do capitão do porto, Almeida Pinheiro, fica-se a saber, por exemplo, que a amarra que segurava o cruzador “República” à bóia se partiu. O navio chegou a adornar e esteve em risco de afundar. No jornal “A Pátria” (23 de Agosto) pode ler-se que o “República” galgou o molhe do Porto Exterior e foi parar em frente a Santa Sancha a uns escassos 100 metros de distância da terra.
Ao longo do século XX ainda ficaram para a história, pelas piores razões, o “Glória” (1957), “Ruby” (1964), “Rose” (1971), “Hope” (1979), “Ellen” (1983), “Becky” (1991) e “York” (1999).
António Cambeta recorda-se do “Rose” em Agosto de 1971. “No dia 16, na companhia da minha mulher fomos no navio Fat Shan para Hong Kong onde ao chegar nessa manhã ficámos a saber que tinha sido içado o sinal 1 de tempestades tropicais, pelo que regressámos a Macau no primeiro navio. No caso, o navio “Macau”. O navio Lee Heng, um antigo barco de carreira entre Hong-Kong e Macau, afundou-se, numa zona entre Sham Shui Po e Lai Chi Kok, tendo perecido dois dos seus nove tripulantes, o mesmo não se poderá dizer do navio Fat Shan, que após ter sofrido dois abalroamentos, afundou-se ao largo da Ilha de Lantau. Da sua tripulação de 92 pessoas, só quatro sobreviveram. O navio Macau também sofreu alguns rombos, mas felizmente não causou mortes.”
A tragédia repetir-se-ia na madrugada de 9 de Setembro de 1983 com o “Ellen” a causar mais de uma dezena de mortos, resultantes sobretudo do afundamento de juncos nas águas do Porto Interior. Nos últimos anos do século passado, apenas o “Becky” e o “York” justificaram o içar do sinal nº 10.
Depois da 2ª Guerra Mundial os tufões “ganharam” nome. Até 1979 tinham nomes de mulheres. Depois desta data passaram a incluir nomes de homens. Em 2000 o sistema de designação de tempestades tropicais mudou. Agora há uma lista feita previamente, de seis em seis anos, e o baptismo é feito de forma rotativa. Em 2007 Macau contribuiu com uma lista de cinco nomes: Bebinca (pudim da gastronomia macaense), Peipah (peixe de estimação), Lin Fa (flor de lótus), Malou (pedra preciosa – em português Ágata) e Sanvu (coral). Em termos estatísticos Macau é atingido por cerca de uma dezena de tufões todos os anos, sendo que um em cada dez atinge o nível oito.
PS: No Arquivo Histórico de Macau está patente até ao dia 7 de Dezembro uma exposição intitulada “Em tempo de Tufões – Exposição dos Documentos Históricos de Macau”.
Artigo da autoria de João Botas publicado no JTM de 18.09.2014
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