segunda-feira, 30 de julho de 2012

Igreja e Seminário de S. José

Foi a egreja de S. José edificada pelos meados do seculo dezoito, e não podendo nós determinar com precisão o anno em que começaram as obras, sabemos ao certo que já em 1758 estava concluída. Tem a porta principal voltada contra o poente. Sobe-se para ella por uns quarenta degraus de granito muito largos, até chegar ao adro, que é espaçoso e bem arborizado: depois ainda se torna necessario subir mais doze para ganhar a entrada da porta; o que perfaz cincoenta e dois degraus vindo a formar uma mui formosa escadaria vista da porta do portão e da rua que lhe corre adeante.
Queixam-se os devotos, sobre tudo se são já entrados em edade, e desculpam-se de ir menos vezes á egreja do Seminário de S. José, pela difficuldade de vencer sem grande cansaço tantos degraus. É certo que não é pequeno sacrificio este, e mais se é sobre tarde, quando o sol inclinado ao occaso, dardeja, em cheio, seus raios sobre quem se dirige escadaria acima. Mas lembrem-se, se isto lhes pode servir de estimulo para visitarem mais vezes a egreja, que aos moradores do Collegio, que fica ao lado, acontece-lhes subir e descer estes mesmos degraus muitas vezes nas horas mais calmosas, em que são chamados para levar a almas afflictas a consolação, que aos pés de JESUS sacramentado alli vão procurar.
A fachada da egreja sem ser obra de muito estylo, é elegante e primorosa. O interior tem mais architectura e arte, e apparece de qualquer parte que se olhe, tanta proporção em tudo, que enleia a vista. Mede de comprimento desde a porta principal até ao altar mor, vinte e dois metros. A largura tomada sobre os braços da cruz, que em cruz é toda a egreja, anda por uns treze metros, pouco mais da metade do comprimento. Do fecho do majestoso zimborio que se eleva ao centro da egreja, ha cerca de dezanove metros até ao pavimento.
Dizem os que viram S. Pedro de Roma, que em muitas coisas traz esta nossa egrejinha á lembrança aquelle majestoso templo, pasmo de quantos vão visitar a cidade dos Papas. Tem, alem do altar-mór, um em cada braço da cruz. Ao lado do Evangelho fica o altar de Nossa Senhora. É de teca muito bem polida e envernizada. Em um formoso e elegante throno, em estylo gothico, vê-se a estatua de Immaculada Conceição que fica descripta no capítulo precedente. É obra de um dos melhores esculptores do Porto.
Ao lado da Senhora, mas um pouco mais abaixo, em peanhas, no mesmo estylo do altar, elevam-se os dois lirios de pureza Sancto Estanislau Kostka e S. Luiz Gonzaga, aos quaes servem como que de umbella dois docéis, que sobem até meio do throno da Senhora.
Dão graça ao altar quatro columnas, duas de cada lado, cujas bases, depois dos melhoramentos que em 1903 se fizeram na egreja se ornaram com varios symbolos e emblemas: tudo doirado, em campo azul
Da parte esquerda do altar está um confessionario, obra de arte, executado em Macau sob as vistas de um dos melhores artistas: da direita, tres metros acima do pavimento, um pulpito de camphora, para o qual se sobe por uma escada em caracol, da mesma madeira.
Tanto o pulpito como o docel ou porta-voz estão guarnecidos de vistoscs adornos.
Faz frente ao altar de Nossa Senhora outro dedicado a S. José. É em tudo parecido àquelle, menos nas decorações das colunas. Tem o Sancto Patriarcha á direita o nosso portuguez Sancto Antonio, encantador nas graças do rosto e nas caricias com que está amimando o menino JESUS, assentado no livro que sustenta com a esquerda.
Do outro lado venera-se a B. Margarida M. Alacoque, mostrando o Sagrado Coração de JESUS. Ha tambem aqui confessionario e pulpito do mesmo feitio e primor que os primeiros.
O altar-mor differente dos lateraes no estylo, é mais majestoso do que elles, como se pode vêr da gravura. O que mais sobresahe nélle são quatro columnas salomanicas, ornadas de folhagem de acantho, que sobe apertada com ellas. Nas bases são para vêr, em alto relevo, os differentes instrumentos da Paixão. Em meio das quatro columnas correm soavemente os degraus do altar até irem terminar num throno, sustentado por outras quatro columnas no estylo das já descriptas: onde acolhe as preces dos seus devotos o Sagrado Coração de JESUS, em tamanho natural. Fora dos degraus, que sobem para o throno, e encostado á primeira coluna interior de lado do Evangelho, levanta-se Sancto Ignacio de Loyola de um metro e quarenta centímetros de altura, apontando para o livro do Instituto da Companhia, em que se lê o Sanctissimo Nome de JESUS e o lemma--A. M. D. G.
O sancto alça suavemente os olhos para o ceu, como que alheado da mesquinhez dos bens da terra. Symetricamente do lado da Epistola fica S. Francisco Xavier, o grande Apostolo das Indias e de todo o Extremo-Oriente, com o crucifixo levantado e em acto de pregar. A egreja está toda pintada a oleo, e da combinação das varias côres resulta um todo agradabilissimo á vista. Por toda a parte nas abobadas se divisam emblemas e ornatos de estuque.
No zenith mesmo do zimborio é o Santissimo Nome de JESUS entre raios e florões; nas meias abobadas do altar-mór e do côro formosas ramadas, muito ao natural, emmolduram aqui a pomba symbolica do Espirito Santo, cercada de resplendores, alli o Sagrado Coração de JESUS entre corôas de rosas e espinhos a um tempo, por sobre os altares laterais são núm o Sanctíssimo Coração de MARIA de grandes proporções, no outro os emblemas do poder de S. José.
Depois de lançarmos um rapido olhar para o côro com seus balaústres de camphora, apoiado em quatro columnas, que fazem jogo com o altar-mór, mas mais esbeltas do que ellas, e que dizem foram do antigo convento de S. Francisco, que era onde hoje se vê o quartel do mesmo nome, dirijamo-nos pelo lado do Evangelho e entremos debaixo do torreão da direita.
Lá encontraremos um devotissimo crucifixo, obra acabadissima no seu genero. Sobre o altar que se fez de teca como os da egreja, e sahiu muito perfeito, collocaram-se ultimamente duas estatuas: Sancta Maria Magdalena á direita e S. João Evangelista á esquerda. Medem de altura um metro e vinte e dois centimetros.
São as estatuas, sem exaggero, de mais valor artistico, que possue a egreja do Seminario.
S. João com os olhos docemente levantados para o crucifixo e arrazados em pranto; a Magdalena com o rosto meio inclinado e banhado de lagrimas que lhe deslizam pelas faces, emquanto aperta entre as mãos pendentes o vaso de alabastro, traduzem uma dor inexprimivel».
Na igreja do Seminário de S. José há unos sinos de relativa antiguidade.
No lado esquerdo da fachada, a S. O., um sino grande com esta legenda:
Na roda superior: DA JOSEPH MERITIS SIDERA SCANDERE
No meio: SUMMA TRIAS PARCE NOBIS PRECANTIBUS
No fundo: ANNO 1796 JAP 204 F.
A tradução é: «Concedei-nos subir ao Céu pelos méritos de (S) José, Trindade SSma., perdoai aos que vos invocam. Jap o fez no ano de 1796».
No mesmo lado da fachada, a S. E., há um sino menor com esta inscrição na roda superior:
EVANGELIZARE PAUPERIBUS MISIT ME
No meio: ANNO 1796 JAP
No fundo: CONTRITOS CORDE SANARE FACTA VICENTI TUA TE PERORNANT
Quere dizer: «Enviou-me a evangelizar os pobres, a sarar os contritos de coração. As tuas obras, Vicente (S. Vicente de Paulo) ilustram-te».
No lado direito da fachada há os seguintes sinos:
Ao N. O., dois sinos:
1) No menor: 1806.
2) No maior, na roda superior: S. BARBORRA.
Na segunda linha: JOZE DOMINGUES DA COSTA OFEZ
EM LISBOA NO ANNO DE 1806.
S. Barborra é erro: deve ser Sta. Bárbara.
Do lado S. O.: um sino grande; na roda superior:
S. VICENTE DE PAULA
Na 8.ª linha, le-se o mesmo que no anterior. Paula é erro por Paulo.
Do lado S. E.: um sino pequeno com a data: 1806.
Do lado N. E.: dois sinos quase iguais:
No de cima (menor), apenas a data: 1806.
No de baixo, na roda superior: S. Sebastiaom.
Na segunda linha, o nome do fundidor e data como nos anteriores.
S. Sebastiaom está errado: deve ser Sebastião.
Ve-se que José Domingues não era forte em letras!
Todos estes sinos foram mandados vir pelos lazaristas que tomaram oficialmente posse do Seminário de S. José em 9 de Setembro de 1784.
Teria a igreja deste seminário estado sem sinos desde a sua erecção pelos jesuítas até 1799? Ou seriam os primeiros sinos tão ordinários que foi necessário substituí-los?
O sino de 1796 foi mandado fundir pelo Pe. Manuel Correia Valente, que chegou a Macau a 28 de Julho de 1784. Os sinos de 1806 foram mandados vir de Lisboa pelo Pe. Joaquim José Leite, que sucedeu ao Pe. Valente no cargo de superior do seminário, quando este faleceu em 19 de Julho de 1804.
Texto da autor desconhecido

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