sábado, 21 de julho de 2012

59 dias a bordo do "Niassa"

Relembrar o 17 de Julho é celebrar uma data muito significativa para Macau, dado que foi nesse dia do longínquo ano de 1962 que partiram três companhias de militares (jovens de 20 anos), a bordo do navio Niassa, para cumprirem o seu dever pátrio. Após terminada a recruta e especialidades, todos temiam que o destino fosse a Guiné, Angola ou Moçambique, devido ao facto destes territórios sob administração de Portugal estarem em guerra. Mas tal não aconteceu para alegria de todos.
A partida foi do cais de Alcântara-Lisboa, onde a despedida dos nossos familiares foi muito difícil e todos tentaram encobrir as lágrimas para não provocar mais ansiedade. Ao meio dia, o Niassa começou a deslizar no Tejo e as pessoas agitavam lenços despedindo-se, e desejando uma boa viagem e uma boa comissão de serviço. Rapidamente o Niassa entrou no Oceano Atlântico e não tardaram os primeiros enjoos, que se foram repetindo ao longo dos dias.
A viagem foi longa, tendo durado cerca de 59 dias. A primeira paragem verificou-se no Lobito, em Angola, para uma visita de cortesia, mas nessa zona não se falava de guerra. Dali partimos para Moçambique, mas tivemos de passar o Cabo da Boa Esperança ou das Tormentas, zona onde durante três dias e três noites passámos os momentos mais difíceis da viagem. O Oceano Atlântico parece estar zangado com o Oceano Índico e na junção os mares tornam-se muito revoltos, com ondas altíssimas, pelo que o Niassa baloiçava por todos os lados. Foram dias para esquecer e em que ninguém dormiu. Lourenço Marques (agora Maputo) foi a paragem seguinte, durante três dias. Seguiram-se a Beira e Nacala já no norte. Logo em frente, situa-se a Ilha de Madagáscar onde nos fomos abastecer de água potável.
Partimos posteriormente para o porto de Darwin na Austrália mas não houve ordem de saída, por causa de deserções, como era costume. Macau já estava perto, mas ainda tivemos nova paragem em Timor também por três dias, para carregamento de café e confraternização, com os militares que ali prestavam serviço militar e com a população. Estávamos em finais de Agosto. Depois foi um saltinho até Hong Kong, onde terminou a nossa viagem a bordo do Niassa. A viagem para Macau foi feita nos barcos que faziam as carreiras diárias entre as duas cidades e que demoravam cerca de quatro horas.
A nossa chegada a Macau verificou-se no dia 13 de Setembro de 1962, onde fomos recebidos pelas autoridades que governavam o território e por uma imensa população, chinesa e portuguesa que bastante nos aplaudiram. Cada Companhia regressou ao seu quartel, da Flora, Ilha Verde e Ilha de Coloane. Ao fim de um ano a que estava na Ilha Verde teve de deixar o território e seguir para Moçambique. As duas restantes mantiveram-se, mas a que se encontrava na Flora também saiu e foi para Mong-Há.
Durante dois anos estivemos em Macau onde cumprimos o nosso dever patriótico, como garante da segurança e apoio aos bombeiros aquando da passagem de tufões, e no Grande Prémio automobilístico. Quando nas nossas vidas já quase tudo aconteceu, só nos resta relembrar. E foi a razão desta crónica. Até um dia...
Artigo e imagens de Rui Semião, ex-militar em Macau na década de 1960, publicado no JTM de 20-7-2012

2 comentários:

  1. O meu avo esteve nessa viagem. Andei a procura do barco Niassa e apareceu-me este blog e a fotografia que o meu avo tem do barco e igual a esta.
    Ele chama-se Avelino Costa se alguém o conhecer que me diga.

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  2. Carlitos, CCS/QG, falta algo naquela fabulosa viagem. A saída para Moçambique, duma das Companhias, nas vésperas do Natal de 1963, assim como a indicação, entre provavelmente, outras que desconheço, ha de, na altura, Exm. Sr. Capitão Ramalho Eanes. Próximo futuro, PR do nosso Pais.

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