O que na Idade Média ficou conhecido por peste negra era nada mais nada menos que a peste bubónica. Há relatos desta peste em Portugal desde o século XIV. Um dos surtos, já no séc. XIX (Porto, 1899), terá tido origem em Macau atingida por um surto ca. 1894-85 oriundo de Hong Kong e Cantão.
José Gomes da Silva, médico chefe dos serviços de saúde e reitor do liceu elabora um relatório sobre a epidemia. Antes de reproduzir a introdução do mesmo, atente-se na descrição que este faz sobre as condições das habitações da população chinesa (a maioria) na época:
“Ninguém pode, sem ver, imaginar o que seja o interior dum casebre chinês em pleno coração dos bairros mais populosos. A promiscuidade de seres no quarto de dormir, em que o porco pernoita debaixo da cama do china; e as galinhas se empoleiram no dorso do porco; e o gato se anicha à cabeceira do dono; e o cão se estende do lado oposto ao do gato; e os ratos marinham livremente pelo catre ou se entregam a tropelias afrodisíacas no solo de terra mal batida; e as baratas, monstruosas e fétidas, voam elegante e arrojadamente naquela atmosfera que lhes é cara e vão com ímpeto bater às vezes no dorso do porco ou nas faces do china; quando não acontece que, em noites claras de verão, o china deixa as mulheres e os filhos deitados no solo com os animais e vem para o meio da rua contemplar, de barriga para o ar e perna traçada, a nesga azul do infinito limitada pelos beirais das casas fronteiras; esta promiscuidade dum homem chinês não há polícia sanitária que entre com ela”.
Excerto da introdução do relatório de J. Gomes da Silva sobre A epidemia de peste bubónica em Macau. Impresso na Typographia Mercantil em 1895.
José Gomes da Silva, médico chefe dos serviços de saúde e reitor do liceu elabora um relatório sobre a epidemia. Antes de reproduzir a introdução do mesmo, atente-se na descrição que este faz sobre as condições das habitações da população chinesa (a maioria) na época:
“Ninguém pode, sem ver, imaginar o que seja o interior dum casebre chinês em pleno coração dos bairros mais populosos. A promiscuidade de seres no quarto de dormir, em que o porco pernoita debaixo da cama do china; e as galinhas se empoleiram no dorso do porco; e o gato se anicha à cabeceira do dono; e o cão se estende do lado oposto ao do gato; e os ratos marinham livremente pelo catre ou se entregam a tropelias afrodisíacas no solo de terra mal batida; e as baratas, monstruosas e fétidas, voam elegante e arrojadamente naquela atmosfera que lhes é cara e vão com ímpeto bater às vezes no dorso do porco ou nas faces do china; quando não acontece que, em noites claras de verão, o china deixa as mulheres e os filhos deitados no solo com os animais e vem para o meio da rua contemplar, de barriga para o ar e perna traçada, a nesga azul do infinito limitada pelos beirais das casas fronteiras; esta promiscuidade dum homem chinês não há polícia sanitária que entre com ela”.

Antes da epidemia (...). Corria normalmente o primeiro trimestre de 1894, quando em fins de março recebi uma carta particular do digno cônsul de Portugal em Cantão, D. Cinatti, convidando-me a ir alli observar uma doença excessivamente curiosa, que havia cerca de um mez grassava sob a forma epideraica em Cantáo e seus arredores, acomettendo exclusivamente os chinas... e os ratos. A doença, no dizer do illustrado funccionario, caracterisava-se principalmente por uma temperatura elevada, que ás vezes bastava a matar o doente, e pela manifestação de bubões no pesco- ço, na axilla ou nas verilhas, com pouca tendência á suppuração. Pouco depois, espalhavam-se também em Macau boatos de que a mortalidade subira sensivelmente na população chineza a visinha colónia de Hongkong, sendo a doença dominante uma espécie de febre typhoide, sob este nome diagnosticada pelos médicos inglezes, e produzindo uma percentagem de mortalidade pouco commum, ainda nas mais severas epidemias conhecidas. Era grave o assumpto era grave também a coincidência. Installada a epidemia, fosse ella qual fosse, em Hong Kong e Cantão, como isolar Macau daquelles dois portos, por onde esta cidade communíca normalmente com o resto do mundo? Como substituir todos os elementos imprescindiveis de vida individual e commercial que estta colónia recebe daquellas duas cidades?

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