Título do artigo da autoria de Isabel Machado publicado na Revista Macau Ano II Série nº 14 em Junho de 1993.
1992-1993 foi o último ano lectivo do ensino em português do Colégio Santa Rosa Lima. Sinal dos tempos; uma página que se fecha na longa história da instituição que formou gerações de macaenses na língua de Camões
Santa Rosa de Lima é hoje um nome associado ao Colégio da Rua de Santa Clara e a centenas de crianças e jovens de farda azul e branca que ostentam as famosas iniciais num alfinete de peito de metal prateado. Este vetusto local é, contudo, muito mais antigo do que se pensa e nem sempre foi um Colégio. É, isso sim parecem não restar dúvidas, um marco histórico recheado de acontecimentos ligados à vida da Cidade do Santo Nome de Deus desde quase o berço. O muro que circunda o Colégio, por exemplo, e a escadaria de acesso são as testemunhas dos tempos mais longínquos datam de 1622.
O primeiro registo conhecido refere-se ao Convento de Santa Clara, fundado em 1633 por um grupo de Clarissas das Filipinas: Durante um período de tempo de mais de 100 anos pouco se sabe até que, em 1726, o bispo D. Marcelino José da Silva funda o Colégio Santa Rosa de Lima que era, na verdade, um Recolhimento para órfãs.
Em 1835 os conventos foram extintos mas Santa Clara sobreviveu. As irmãs Clarissas regressam a Manila e o Recolhimento passou a ser da responsabilidade de uma comissão directora. Mas de novo será entregue a onze irmãs da caridade, da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo em 1848. A madre Ramos era a responsável e instalou as suas irmãs, juntamente com as órfãs, no actual Instituto Salesiano. No entanto, apenas dois anos mais tarde mudaram-se para o Convento de Santo Agostinho. A estada destas irmãs aqui foi curta: foram banidas de Macau em 1852. Como consequência o Convento de Santa Clara é transformado em hospital durante doze anos.
O bispo da altura, D. Jerónimo José da Mata, achou benéfica uma nova mudança das instalações do Recolhimento, que passa a ficar no Mosteiro de Santa Clara.
Em 1875 os estatutos regulamentares do já Colégio de Santa Rosa de Lima foram aprovados por portaria de 19 de Fevereiro. A regente do Colégio seria a partir de então D. Teresa da Anunciação Denemberg, cujas virtudes e educação ganharam fama. Uns anos depois, em 1883, os bens do extinto convento de Santa Clara foram entregues à comissão que dirigia o Colégio.
Nestes finais do século XIX o estabelecimento de ensino, cuja vida foi sempre um pouco conturbada, é confiado às madres Canossianas até 1903. A partir desta data vai aproximar-se mais, como Colégio, da instituição que hoje conhecemos. Mas não é ainda a estabilidade! A convite do então bispo de Macau, D. João Paulino de Castro, as irmãs Franciscanas Missionárias de Maria tomam conta do mosteiro e assumem simultaneamente a direcção do Colégio. Porém, não se haviam ainda completado sete anos quando, mercê da instabilidade política e social que se vivia então em Portugal, estas religiosas foram obrigadas a um retiro. Saem de Macau e recolhem-se em Shui Hing, aguardando tempos mais calmos. E, mais uma vez, o Colégio é entregue a uma comissão directora. O regresso de religiosas à direcção só se verificou em 1929, com as irmãs missionárias de Nossa Senhora dos Anjos. Mas por pouco tempo. O bispo D. José da Costa Nunes insistia no regresso das irmãs Franciscanas Missionárias de Maria que acedem e regressam pouco depois para assumir de vez os destinos do Colégio cujo desenvolvimento é notório a partir de então, finalmente com a estabilidade merecida.
Contrataram-se professoras em Portugal e foi aberto o curso liceal. O ensino infantil foi outra inovação introduzida. Paralelamente havia um curso de economia doméstica, frequentado por muitas jovens macaenses, mães de família e também raparigas vindas de Portugal.
década 1930
No dia 7 de Dezembro de 1939 foi concedido o alvará do ensino particular liceal e seis meses depois, a 3 de Junho, o alvará de escola primária. E chegamos à década de 40 que verá a vinda para Macau da madre Gertrudes do Nascimento. É uma nova página que se abre.
A era da madre PiaNas últimas décadas falar da secção portuguesa do Colégio Santa Rosa de Lima é, inevitavelmente, evocar a madre Pia, que, com outras sete irmãs, veio reforçar a classe docente do estabelecimento de ensino no ano de 1946. Na altura, os alunos eram quase todos portugueses, filhos de militares e de farmlias naturais da terra. Já existiam as secções chinesa e inglesa, cada uma com a respectiva directora e, juntamente com a parte portuguesa, integravam o mesmo edifício. A irmã Gertrudes do Nascimento assume a direcção da secção do ensino em português no dia 26 de Setembro de 1976. No entanto, com o grande aumento do número de alunos, principalmente chineses, tomava-se urgente a separação.
Por outro lado, a melhoria do ensino no Liceu Infante D. Henrique foi, segundo a madre Pia, a principal razão para o progressivo abandono do Colégio pelos alunos do secundário em língua portuguesa. Por isso mesmo, desde 1963 existe apenas o jardim de infância e a primária. A separação das secções concretiza-se em 1982.
Foto de Elisa Fardilha: turma da 1ª classe em 1955
A parte portuguesa cedeu a sua escola, que funcionava no edifício central ao alto da escadaria, verdadeiro ex-libris do Colégio, e o convento, por sua vez, cedeu uma zona para as aulas em língua portuguesa num edifício com dois andares que precisou de grandes adaptações. As obras decorreram durante somente três meses, a duração das férias grandes. Nesse ano as aulas abriram um pouco mais tarde, não por causa das remodelações mas sim de uma reciclagem às professoras. A parte portuguesa tinha na altura entre 250 e 300 alunos, cerca de 20 a 25 por cada classe. Nos últimos anos ultrapassaram muito os 300 alunos por ano lectivo. Madre Pia refere os grandes problemas de disciplina que se verificavam na parte portuguesa, pela maior permissividade em comparação com a secção chinesa, que segue um sistema extremamente rigoroso desde a infantil.
O último ano lectivo do português
Neste último ano lectivo de 92-93 o ensino primário da secção portuguesa contou com 179 alunos divididos por 5 classes, 2 da terceira e 3 da quarta. O jardim de infância albergava 100 crianças. Formaram gerações de macaenses. Madre Pia diz orgulhosa que entre os antigos alunos do Colégio se conta a Dra. Edith Silva, directora dos Serviços de Educação, e muitas outras pessoas de destaque na vida da cidade. O Colégio de Santa Rosa de Lima é, sem dúvida, um marco na educação em Macau, uma referência para tantas famílias naturais desta cidade mas, como tantas outras, tem que se vergar à evolução e às transformações...
Para o segundo andar do edifício, onde funcionou a secção portuguesa, irão dez irmãs idosas da Congregação, o resto será ocupado pelos alunos chineses.
Mas qual a principal razão para acabar com o ensino em português no Colégio? Madre Pia responde que tal se deve, simplesmente, a não haver quem dê continuidade a esse projecto. Segundo diz, já não há irmãs interessadas em vir para Macau com a aproximação da data da transferência da Administração, dentro de seis anos e meio apenas. Quem aqui está fica, continua a obra para que foram destinadas, as irmãs de Portugal agora optam por África que é onde mais precisam delas. Por essa razão há já dois anos que não recebiam alunos novos. Como é ver fechar a parte portuguesa do Colégio, o trabalho de toda uma vida? Tenho muita pena mas faço-o voluntariamente porque acho importante saber dar por finda uma actividade quando não há quem a continue. Madre Pia fala do imenso pesar que muitas famílias sentem e que frequentemente manifestam. No dia 30 de Junho o Colégio fecha as portas da secção portuguesa. Para sempre. Fica a memória e a saudade.
Costuma dizer-se que a medicina, a religião e o ensino deveriam ser profissões guardadas para aqueles que sentem verdadeira vocação. Sabemos também que são raros esses casos ideais. Mas existem. Tive o privilégio de conhecer um deles em Macau na pessoa da irmã Gertrudes do Nascimento, madre Pia para a maioria das pessoas.
Nascida na Madeira, em 1920, teve uma infância muito feliz, rodeada por 12 irmãos e uns pais extremosos e bons cristãos "no verdadeiro sentido da palavra", diz. Desde criança que gostava de ouvir os sermões e explicações da palavra de Deus e de ler a vida dos santos, que ambicionava imitar. Um dia. com 14 anos, adoeceu com quistos num dos braços e, durante 6 meses, fez todos os tratamentos e operações locais possíveis na época. Os pais foram obrigados a mudar-se para o Funchal e dispenderam muito dinheiro tentando curá-la. "A minha mãe amava cada um de nós como se fôssemos filhos únicos. Durante a minha doença sofreu profundamente e eu só tinha pena do desgosto que estava a dar aos meus pais. Rezava todos os dias pedindo para me curar depressa para Ihes dar alegria. Foi quando prometi oferecer a minha vida e saúde ao serviço de Deus."
Jubileu de uma genuína vocação
Acabou por ser tratada por um médico que utilizava métodos considerados "estranhos" mas, sem dúvida, eficazes. A jovem Gertrudes nunca disse a ninguém o desejo que tinha de seguir a vida religiosa. Recorda que as conversas das amigas não lhe davam grande prazer e sentia que quando estava sozinha era outra. Mas era muito alegre, traquinas até. A casa dos seus pais tinha sempre muita gente nova, amigos dos irmãos e diz a sorrir que sabia que tinha simpatias e que queriam arranjar-lhe casamento. Evitava sair com medo de perder a vocação. Mas esta era cada vez mais forte. Aos 21 anos disse aos pais que se queria apresentar no Convento de Santa Clara no Funchal. A mãe chorou todo o dia. E a jovem Gertrudes lá foi, acompanhada pela irmã mais velha. Diz que é raro as superioras dizerem sim logo após a primeira entrevista. Mas consigo aconteceu; pediram-lhe para tratar do enxoval, que, na época, obedecia a regras rigorosíssimas. Entrou para o Convento em Novembro de 1941. E foi feliz desde o princípio, di-lo sem a menor hesitação e com a cara iluminada por um sorriso. O seu sonho era ser missionária, vir para a China baptizar, espalhar a palavra de Cristo. Para tal era necessário passar 2 anos de preparação no Colégio Missionário em Barcelos. Vai em seguida para Lisboa e ali faz um ano de estágio. Estava integrada na lista do primeiro grupo a partir para as Missões. Esperou o fim da Guerra e partiu na primeira viagem efectuada para o Oriente após o segundo grande conflito mundial. Ao cabo de 4 meses de viagem que incluiu, entre outras, uma passagem por Moçambique, que não esquece, chegou a Macau no dia 7 de Dezembro de 1946 onde se dedicou desde logo ao ensino. Nestes 47 anos foi enviada para Taiwan onde esteve 7 anos na nova Fundação. Quando voltou a Macau foi pela primeira vez a Portugal visitar a família, no ano de 1968. mas os pais já haviam falecido. Apesar do natural desgosto, madre Pia diz que nunca hesitou ou pensou em abandonar a vida religiosa.
Sem comentários:
Enviar um comentário