quarta-feira, 14 de março de 2012

O "Velho" e o "Zarco"

A propósito das longas comissões de serviço em Macau nos navios na Marinha Portuguesa recordo os últimos 'exemplares' que eram o garante da afirmação da então soberania. E em especial o último navio da Armada que esteve em comissão de soberania em Macau, o "Zarco". Foi há 48 anos...
Gonçalo Velho (frente) e João de Lisboa em 1951 junto às Oficinas Navais em Macau. Foto de Zaida Estrela
Encomendados a um estaleiro de Newcastle, respectiva­mente em Março e Agosto de 1933, os gêmeos “Gonçalo Velho” e “Gonçalves Zarco” navegaram pela primeira vez, desde a velha Álbion até Portugal, onde na sua qualidade de avisos de 2.a classe, foram aumentados ao efectivo dos navi­os da Armada.
Eram exactamente iguais: deslocavam 1413 toneladas no máximo; comprimento de fora a fora de 81,5 me­tros, 10 metros de boca e um calado máximo de 3,3 metros; velocidade máxima de 16,5 nós e 11 nós cruzeiro, a que correspondia uma autonomia de 9830 milhas; as máquinas, dois motores movidos a turbinas, duas caldeiras, com uma potência de 2000 SHP e utilizando combustível fuel-oil; o armamento constituído por três peças de 120 mm e duas de 40 mm; a lotação recomendada de 119 homens.
O “Velho” efectuou quatro comissões de serviço em Macau, entre 1937 e 1954, tendo sido abatido ao efectivo em 1961. O “Zarco” efectuou três comissões de serviço no território, em 1934,1939, e a última entre 1955 e 1964, portanto nove anos, durante os quais passou 17 meses na então índia portuguesa, 20 em Timor e os restantes na Cidade do Nome de Deus e a navegar. Tendo sido o último navio da Armada que esteve em comissão de soberania em Macau, de onde regressou em Maio de 1964, sendo abatido ao efectivo em Novembro desse ano, seria então o navio de guerra mais velho em serviço, em todo o mundo
Guarnição da Gonçaves Zarco: imagens publicadas na edição de
Fevereiro de 1997 da Revista Macau.
O “Gonçalves Zarco”, aviso de 2.ª classe, deixou definitivamente Macau no dia 28 de Março de 1964, "em ambiente festivo que ficou indelevelmente gravado na memória de muitos residentes. Depois dessa data, deixámos de contar com a permanência de navios da Marinha de Guerra Portuguesa, os quais só ocasionalmente visitaram o território, havendo registos da passagem das fragatas “D. Francisco de Almeida” e “Comandante João Belo”, em Fevereiro de 1966 e em Março de 1970; das corvetas “Afonso de Cerqueira” e “Oliveira e Carmo”, em Outubro de 1975 e em Maio de 1976; e do navio-escola “Sagres”, em 1978, 1983 e 1993 (duas vezes)", recorda Jorge Rangel. 
A 16 de Maio de 1964, à chegada a Portugal, o amboente era bem diferente como recordou Eduardo Tomé num artigo publicado na revista Macau em 1997: "A aguadar a tripulação no cais estavam apenas os familiares, nada de entidades oficiais, nem mesmo da marinha, tão pouco a imprensa. Restava-lhes a consolação do dever cumprido e o feito de terem conseguido trazer para Portugal aquela relíquia naval, que, com galhardia, desempenhou durante nove anos consecutivos a última missão de soberania de um navio da Armada Portuguesa, nas águas de Macau e Timor“.
Fragata João Belo em Macau em 1970. Foto António Silva Martins
Aviso “Gonçalo Velho ” (1933 - 1961)
“Foi construído nos estaleiros ‘Hawthorn, Leslie & Co’, de Newcastle, tendo sido lançado à água em 3-8-1932 e aumentado ao efectivo dos navios da Armada em 1-3-1933. Entrou em Lisboa pela primeira vez em 1-4-1933 e em 6-4-1933 iniciou a sua primeira missão na costa norte, tendo entrado a Barra do Douro. Em 3-6-1933 iniciou uma viagem ao Algarve, Açores e Madeira. Em 27-6-1934 saíu para a primeira comissão de 6 meses em Angola, a que se seguiu um ano de permanência em Moçambique. Em 12-8-1937 saíu de Lisboa para uma comissão em Macau, de onde regressou em Fevereiro de 1939. Entre Setembro de 1939 e Fevereiro de 1940 esteve em missão de soberania nos Açores e em afirmação da neutralidade portuguesa na guerra. Em 5-5-1940 largou para uma comissão em Macau e Timor, onde permaneceu cerca de um ano. Entre Julho e Dezembro de 1942 efectuou uma comissão em Cabo Verde. Em 17-4-1943 saíu para uma comissão em Cabo Verde, mas seguiu quase de imediato para Moçambique, onde permaneceu cerca de um ano. Em 6-3-1945 iniciou nova comissão de serviço no Ultramar e Extremo Oriente, tendo permanecido cerca de 4 meses, em Moçambique, 11 meses em Macau e 7 meses na Índia. Em 1948 entrou em grandes fabricos em Lisboa e em 26-12-1949 saíu para comissão no Extremo Oriente. Durante esse longo período em que a guarnição foi substitutída em Macau, permaneceu na Índia, em Macau e em Timor, regressando a Lisboa em 29-1-1955. Entre Abril e Outubro de 1955 manteve-se atracado em Vila Franca de Xira. Entre Novembro de 1955 e Fevereiro de 1956 efectuou uma viagem de instrução na costa ocidental de África. Efectuou depois outras viagens aos Açores e Madeira e, em Setembro de 1957, representou a Marinha nas Festas de N. S. das Angústias, em Ayamonte, de onde regressou em 12-9-1957. Não voltou a sair a barra do Tejo e em 19-6-1961 foi abatida ao efectivo dos navios da Armada”.
Gonçaves Zarco em 1964
Aviso “Gonçalves Zarco ” (1933-1964)
“Navio-gémeo do ‘Gonçalo Velho’, foi também construído nos estaleiros ‘Hawthorn, Leslie & Co’, de Newcastle e foi aumentado ao efectivo dos navios da Armada em 17-8-1933. Entrou em Lisboa pela primeira vez em 1-9-1933, isto é, 5 meses depois do ‘Gonçalo Velho’ e ainda nesse mês entrou a barra do Douro, tendo permanecido em Massarelos. Seguiu depois em viagem à Madeira e Açores. Em 28-2-1934 seguiu para a sua primeira comisssão, tendo permanecido em Moçambique até Janeiro de 1935. Seguiu depois para Timor e Macau, tendo regressado a Lisboa em 21-6-1935. Em Agosto de 1936 seguiu para a Madeira em apoio das forças militares e policiais que pretendiam anular algumas alterações da ordem pública. Em 8-10-1936 partiu para Angola onde permaneceu até Fevereiro de 1937, seguindo depois para Moçambique. Depois de uma estadia de 5 meses em Moçambique regressou a Angola e, passado um mês, voltou a Lisboa onde chegou em 9-10-1937. Em 12-1-1938 largou para outra comissão no Ultramar, tendo permanecido um mês em Angola e dois meses em Moçambique. Em 15-6-1938 saíu para Timor onde permaneceu um mês. Em 4-9-1938 chegou a Macau onde permaneceu até Abril de 1939. Visitou os Açores em Julho e Outubro de 1939 e permaneceu no arquipélago entre Janeiro e Maio de 1940. Em 24-10-1940 saíu para Cabo Verde onde permaneceu até Março de 1941. Em 11-10-1941 largou de Lisboa para uma comissão no Ultramar, chegando a Lourenço Marques em 3-12-1941. Foi designado para comboiar o transporte de tropas ‘João Belo’ destinado a Timor mas, perante uma ameaçadora sugestão japonesa, os dois navios mantiveram-se no mar entre Colombo e Java, entre os dias 18-2-1942 e 15-3-1942, regressando a Colombo e depois a Mormugão. Em Maio voltou a Moçambique onde se manteve até Dezembro e recolheu naúfragos de navios torpeados por submarinos alemães, tendo regressado a Lisboa em 14-2-1944. Em 29-4-1944 saíu de novo para Moçambique, onde voltou a recolher naúfragos. Em 29-8-1945 partia para Timor escoltando o transporte de tropas ‘Angola’, com as forças que iam reocupar a ilha após a derrota japonesa. Juntou-se-lhe o aviso ‘Bartolomeu Dias’ e juntos chegaram a Díli em 27-9-1945. Permaneceu em Timor durante 72 dias e em 16-1-1946 entrou em Lisboa. Em 31-8-1946 saíu para a Índia, onde permaneceu até Abril de 1949. Entre 24-11-1949 e 31-3-1950 efectuou um périplo de África em viagem de instrução de cadetes. Efectuou depois outras viagens no Atlântico e no Mediterrâneo e em 1-8-1943 efectuou uma viagem aos Estado Unidos. Entre 15-11-1953 e 7-3-1954 efectuou uma viagem de instrução e participou nas comemorações do 4.º Centenário da Fundação da Cidade de S. Paulo. Em 1954 esteve por duas vezes em Vila Franca de Xira, para apoio à instrução da Escola de Mecânicos. Em 29-9-1955 saíu para uma das mais longas comissões feitas por navios portugueses. Esteve na Índia durante mais de um ano, seguindo depois para Macau onde esteve entre Outubro de 1955 e Maio de 1958. Em Maio de 1958 voltou à Índia, onde se manteve até 2-7-1959, data em que saíu para Timor, onde permaneceu cerca de 4 meses. Voltou a Macau onde estacionou até 28-3-1964. Chegou a Lisboa em 10-5-1964, após mais de 8 anos de ausência. Em 21 anos fizera mais de 30.000 horas de navegação. Em 4-11-1964 foi abatido ao efectivo dos navios de Armada”.
Elaborado a partir de textos dos seguintes autores:
- Comandante José Ferreira dos Santos, “Navios da Armada Portuguesa na Grande Guerra”, Academia de Marinha, 2008
- Comandante Adelino Rodrigues da Costa, “A Marinha Portuguesa em Macau - Uma relação muito singular”, Capitania dos Portos de Macau, 1999 e “Dicionário de Navios & Relação de Efemérides”, Comissão Cultural da Marinha, 1996
- Foto-jornalista Eduardo Tomé, artigo intitulado “A última missão naval de soberania no Oriente”, Revista Macau de Fevereiro de 1997

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