Em Mulheres em Macau, Donas Honradas, Mulheres Livres e Escravas (Séculos XVI-XVII) procurámos trabalhar a partir de informação dispersa que fomos compilando, uma tipologia de referências assente em múltiplos textos de filiação masculina, que nos possibilitam, também, o acesso à mentalidade dominante. Embora a informação recolhida tenha por base autorias diferentes, e portanto, um olhar multiforme, permite-nos, justamente por este facto, avançar com o esboço de caracterização da cultura andriarcal perante o qual o heterogéneo segmento populacional feminino se situava. O presente trabalho, ponto da situação de uma via de pesquisa que continuamos a explorar, adianta, por ora, alguns dos dados que nos têm permitido identificar a realidade social e descrever a estruturação social macaense, entre finais de Quinhentos e meados de Seiscentos. Identificar os códigos sociais impostos às mulheres, atendendo à multicultural sociedade de Macau, constitui de igual modo um dos objectivos deste trabalho.
Texto do site do CCCM
Para 'abrir o apetite' sobre o tema aqui fica um excerto de um texto da autoria de outro académico.
De acordo com o investigador Ivo Carneiro de Souza "no território macaense, distinguindo-se do que se passava em outros espaços coloniais, como Goa ou o Brasil, a presença de mulheres europeias é praticamente inexistente ou fragmentária até quase finais do século XIX, quando o estado central começa sistematicamente a funcionalizar e a assalariar as longínquas administrações, contingentes militares e burocracias coloniais. Em rigor, de forma generalizada, a presença social portuguesa nos diferentes enclaves asiáticos que se organizavam sob a tutela político-institucional do chamado «Estado da Índia», da África Oriental a Timor, não mobilizava mulheres de origens europeias, descontados alguns exemplos, aventuras e esforços de circulação de orfãs, maioritariamente limitado ao enclave goês mas quase sem expressão no devir social de Macau."
Texto do site do CCCM
Mulheres em Macau, Donas Honradas, Mulheres Livres e Escrava, Elsa Penalva, Lisboa, CHAM-CCCM, 2011 |
Traje das senhoras de Macau no final do século XVIII |
De acordo com o investigador Ivo Carneiro de Souza "no território macaense, distinguindo-se do que se passava em outros espaços coloniais, como Goa ou o Brasil, a presença de mulheres europeias é praticamente inexistente ou fragmentária até quase finais do século XIX, quando o estado central começa sistematicamente a funcionalizar e a assalariar as longínquas administrações, contingentes militares e burocracias coloniais. Em rigor, de forma generalizada, a presença social portuguesa nos diferentes enclaves asiáticos que se organizavam sob a tutela político-institucional do chamado «Estado da Índia», da África Oriental a Timor, não mobilizava mulheres de origens europeias, descontados alguns exemplos, aventuras e esforços de circulação de orfãs, maioritariamente limitado ao enclave goês mas quase sem expressão no devir social de Macau."
Estas mulheres eram "indispensáveis para sustentar os mercados nupciais e matrimoniais que permitiram a sobrevivência de sistemas de parentesco, famílias e unidades domésticas «portuguesas» e «luso-asiáticas» em Macau.
"Diante da escassez de mulheres europeias e a interdição de aceder às mulheres chinesas de mais elevada condição social, muitos comerciantes, soldados, aventureiros e agentes políticos portugueses instalados em Macau começaram, ainda nas décadas finais no século XVI, a perseguir comunicações sexuais e matrimoniais junto de grupos femininos subalternos que, de extracção asiática, chegavam ao enclave através do rapto, da compra, da negociação e do resgate escravista. Identificam-se, desde a década de 1590, várias mulheres compradas e resgatadas em diferentes espaços dos mares do Sul da China e do Sudeste Asiático que, somadas a muitas crianças e jovens chinesas continentais, eram compradas ou raptadas em acções comerciais e marítimas, começando depois a aceder ao casamento com portugueses, a entrar também nos seus serviços domésticos ou a participar num mercado sexual que, em larga medida, se encontra por investigar. Mais tarde, na viragem do século XVI para a centúria de Seiscentos, domina um movimento continuado de resgate e compra de crinças e jovens chinesas que, negociadas com os poderes dos mandarinatos locais, se recrutavam tanto entre as camadas mais pobres da população como entre as situações de orfandade local.
"Diante da escassez de mulheres europeias e a interdição de aceder às mulheres chinesas de mais elevada condição social, muitos comerciantes, soldados, aventureiros e agentes políticos portugueses instalados em Macau começaram, ainda nas décadas finais no século XVI, a perseguir comunicações sexuais e matrimoniais junto de grupos femininos subalternos que, de extracção asiática, chegavam ao enclave através do rapto, da compra, da negociação e do resgate escravista. Identificam-se, desde a década de 1590, várias mulheres compradas e resgatadas em diferentes espaços dos mares do Sul da China e do Sudeste Asiático que, somadas a muitas crianças e jovens chinesas continentais, eram compradas ou raptadas em acções comerciais e marítimas, começando depois a aceder ao casamento com portugueses, a entrar também nos seus serviços domésticos ou a participar num mercado sexual que, em larga medida, se encontra por investigar. Mais tarde, na viragem do século XVI para a centúria de Seiscentos, domina um movimento continuado de resgate e compra de crinças e jovens chinesas que, negociadas com os poderes dos mandarinatos locais, se recrutavam tanto entre as camadas mais pobres da população como entre as situações de orfandade local.
A partir da sua fundação, em 1569, coube à Misericórdia de Macau passar demoradamente a cumprir a tarefa de controlar social e «moralmente» o mercado nupcial feminino do território, impondo-lhe dotes, regras e, sobretudo, a vigilância da formação católica das jovens e mulheres asiáticas candidatas ao casamento ou ao serviço entre as «famílias da terra». Desde a década de 1590, a Santa Casa começou por apropriar o monopólio do casamento e dotação dos orfãos, exercendo um controlo firme sobre a condição católica destes agrupamentos, depois estendido a outras posições de subalternidade social feminina."
PS: sobre este tema sugiro ainda a leitura do livro "Uma artistocrata portuguesa no Macau do século XVII"
PS: sobre este tema sugiro ainda a leitura do livro "Uma artistocrata portuguesa no Macau do século XVII"
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