Tal como nas cidades portuguesas, também em Macau o pelourinho, colocado no centro do Largo do Senado, perto da igreja da Santa Casa e da Cadeira, simbolizava a justiça e era local de aplicação de penas.
Já aqui abordei o tema do Pelourinho que existiu junto ao Leal Senado. Sobre este 'pedaço de história' há muito desaparecido recorro a um relato, raro, da década de 1850, da autoria de António Maria Bordalo, incluído numa 'noveleta' intitulada "Sansão na Vingança" publicada no jornal O Panorama em 1854. Mais tarde teve edição em livro 1881 e reedição em 1980.
"Acompanhe nos o leitor á procuratura da cidade e encontrará um tribunal como não podia suppor existisse ainda no seculo 19, em um paiz que se diz portuguez e civilisado. Em um dos lados de uma praça triangular* está situado o palacio da municipalidade; esta corporação ainda ali tem o pomposo titulo de Leal Senado de Macau, mas nenhuma das suas antigas attribuições governativas; é porém composta pela seguinte forma: um presidente, dous vereadores, dous juizes ordinarios e um procurador, todos de eleição popular; reunidos, não tem mais prerogativas do que qualquer camara do reino; funccionam porém alternados na junta de justiça, tribunal superior da imaginaria Provincia de Macau Timor e Solor; mas procurador por si só, exerce uma auctoridade sem limites sobre a população chineza da cidade, isto é, sobre nove decimos dos seus habitantes.
N'esse mesmo edificio do senado está o terrivel tribunal da procuratura; tem um interprete superior do idioma echinez e outros subalternos a que chamam linguas; tem meirinhos e carrasco; e tem além, no meio da praça, essa columna de pedra que em outra parte denotaria o fôro da povoação, mas que n'esta cidade é um logar de supplicio e exposição de criminosos, o pelourinho.
Ali se amarra com a propria trança, e de barrete na cabeça designando as culpas, á guisa de carocha da inquisição, o miseravel ratoneiro que não teve com que amaciar a policia. Ali se prende o infeliz que roubou um pão ou algumas sapecas, para levar centenares, milhares de pancadas com um grosso bambu! Ali se arranca a pelle ao criminoso que não tem dinheiro para se remir, e tudo isto por sentença do procurador que é graduado mandarim do imperio celestial, mas não graduado em leis, e mediante um processo verbal e summario, em que intervem o interprete ou um dos linguas, porque o procurador vulgarmente não falla chinez, além de não saber mesmo ás vezes escrever o seu nome, nem ter as menores noções de direito. Este funccionario tem, afóra a sua agencia, tresentos taéis de ordenado, apezar de ser eleito pelos seus concidadãos e gosar das honras mandarim chinez."
PS: Tanto quanto sei existem apenas três representações iconográficas do pelourinho (ver link acima). Duas delas são da autoria de George Chinnery. Em 1964 Jack Braga publicou um artigo sobre o tema. Segundo consta foi ele quem descobriu um dos desenhos/esboços de Chinnery.
* É curioso que até praticamente ao final do século 20 existiu um espaço de formato triangular frente ao edifício do Leal Senado. Em cima uma foto da década de 1980.
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