A propósito de mais um feriado em Portugal em que se comemorou a Restauração recordo neste post uma parte pouco conhecida da história de Macau.
Cerca de 200 anos depois do fim da união das coroas espanhola e portuguesa (1640) a ideia dessa união, o Iberismo, ressurgiu e teve origem em Macau.
Um dos grandes defensores e o primeiro a sistematizar a ideia em livro foi Sinibaldo de Mas y Sanz (1809 -1868). Nascido em Barcelona, foi sinólogo, pintor, calígrafo, escritor e diplomata. Na época estava em Macau sendo o primeiro embaixador espanhol na China (1847).
No "Dicionário Bibliográfico Português", de Brito Aranha, publicado em 1883 pode ler-se:
En 1850, en el Palacio episcopal de Macao, residencia del Obispo J.J. de Motta, Carlos J. Caldeira, el canonista Fray, el dominico J. Fernando y el diplomático espanol Sinibaldo de Mas y Sanz, trazaron un borrador del que surgio la memoria titulada “La Iberia”, que salio a la luz publica en Lisboa en Diciembre de 1851. En ella se defendia la Union Monarquica de ambos países”
Ou seja, em 1850 no Paço Episcopal, junto à Sé, nomes como D. Jerónimo José da Mata (bispo da diocese), Carlos José Caldeira (primo do Bispo) e D. Sinibaldo de Mas juntaram-se para celebrar a conclusão de um livro que iria ser o grande agente da divulgação deste ideal: as duas coroas da península sob uma mesma bandeira.
Um ano depois, em 1851 D. Sinibaldo de Mas regressa à Europa no vapor Spark, por ter sido suprimida a Legação Espanhola no Império Chinês e nesse ano é editado o livro "La Iberia", também em edição portuguesa.
Sinibaldo regressaria à China e a Macau em Maio de 1864.
Chega a Xangai, na corveta a vapor Narvaez, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de sua majestade católica, encarregado de negociar um tratado em Pequim. Acompanhavam s. ex., como secretários delegação, os senhores D. Pedro Alvarez de Toledo, sobrinho de sua majestade a imperatriz dos franceses, e D. José de Aguilar, actualmente cônsul-geral de Espanha na China e em Macau, e, como alunos intérpretes, os senhores Otin y Mesia, Laiglesia, e Ojeda."
No regresso à Europa em 1868 Sinibaldo leva consigo as credenciais emitidas pelo imperador chinês, Zongli Yamen (Tongzhi), a fim de negociar com a coroa portuguesa a "venda" de Macau à China. Uma cópia desse documento está actualmente no Arquivo do Instituto de História Moderna, em Taipé (Taiwan). Nesse mesmo ano Sinibaldo morre e a missão tido como secreta não chega a concretizar-se.
Os dois países tinham assinado em 1863 o Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e a
China (conhecido por Tratado de Tianjin) que incluía vários artigos sobre Macau mas que nunca foi ratificado.
Transcrição do documento acima:
Eu, Grande Imperador da Grande Pátria Qing, envio a minha saudação e apreço ao grande monarca de Portugal. Entre as relações da China com países estrangeiros, o Céu tem em alta estima sua nação amiga, que sempre foi honesta e pacífica. É por isso que escolhi cuidadosamente um homem sábio e inteligente, além de virtuoso e honrado, que anteriormente serviu como enviado especial da Espanha em Pequim, Don Sinibaldo de Mas, que é um bom conhecedor das relações da China com o exterior, e eu o nomeio para atuar como meu representante nas negociações entre nossas duas nações. É meu desejo manter relações fraternas, honrosas e de confiança com sua nação que nos permita alcançar a amizade eterna e aumentar a paz juntos para alcançar a felicidade mais profunda. Quinto mês do sétimo ano do período Tongzhi.
Noutra parte das credenciais pode ler-se:
"Verificamos que Macau fazia parte do território chinês. De há muito tempo que os portugueses vivem lá por aforamento, pagando uma anuidade de 500 taéis de prata. Os portugueses construíram lá repartições públicas e fortificações entre outras estruturas. Agora, a China pretende nomear funcionários seus para governar esta terra como dantes exercendo a soberania sobre ela. Caso não oferecermos indemnizações proporcionais às despesas com as obras, os portugueses sairão com muitas perdas, de modo que pretendemos pedir a transferência de fortalezas, repartições civis e militares, quartéis, todas as infraestruturas públicas construídas pelos portugueses, assim como todo o material bélico existente, pontes e o sistema viário para a competência de funcionários chineses que a China nomeará para Macau à troca dum determinado valor pecuniário como indemnização para os custos das construções portuguesas. Uma vez liquidada a verba a ser combinada, Portugal retirará toda a função pública e a presença militar de Macau sem mais poder mandar para lá pessoal seu. Todos os assuntos, tais como a administração pública, o estabelecimento de postos alfandegários e a cobrança de direitos passarão a exclusiva competência da China, nos quais Portugal não terá mais intervenção. Doravante, as relações luso-chinesas em Macau serão regidas pelos regulamentos em vigor nos portos chineses abertos ao comércio estrangeiro."
Neste negócio estava previsto que não só Portugal recebesse uma avultada quantia (um milhão de taéis segundo algumas fontes), e o mesmo aconteceria com o negociador Sinibaldo (100 mil taéis) que, curiosamente, logo após o assassinato do governador Ferreira do Amaral defendia, numa carta enviada para Espanha, que era perigoso a China ter controlo sobre Macau:
"Macao y Hong Kong son los unicos puertos europeos que ay en China y el primero es superior al segundo en todo, exceptuando el puerto. Es, por consiguiente, muy importante que se conserve en poder de los cristianos, pues en un país inhopitalario como éste, en donde se nos niega la entrada y que trata con igual menosprecio a todos los extrajeros, en que punto nos refugiaremos en caso de una persecución, de una insurrección y aún de una guerra con los Ingleses o con otra nación? Es verdad que quedaria el recurso de Hong Kong, pero, además de otros inconvenientes, podría haber el de hallarse uno mal con los que gobieman en aquella isla. As'i, por ejemplo, si nosostros, los Españoles, tuviéramos que salir de Cantón, y demás puertos de China (lo cual acontecer'ia de ocurrir una guerra con qualquier pueblo extranjero) y no pudiésemos tampoco permanecer en Macao, por pertenecer a los Chinos, como haríamos si no nos fuese dado permanecer en Macao acogemos a Hong Kong por estar mal con los Ingleses, cosa que, por otra parte, ocurrió no hace mucho cuando el negocio Bulwer? En dónde se albergar'ia la procurador'ia de nuestras misiones en China, Cochichina y Tunkin? En dónde colocaríamos el depósito de carbón para nuestros vapores? Por estos motivos todos, todos los extranjeros que en China residen son unánimes en la opinión de que ninguna manera debemos permitir que este Establecimiento caiga en poder de los Chinos (...)"
Na imagem acima uma ilustração incluída na 3ª edição portuguesa (1855) do livro "A Iberia - Memoria sobre a conveniencia da união pacifica e legal de Portugal e Hispanha ilustrado com os retratos do rei D. Pedro V de Portugal e da princesa das Astúrias D. Maria Isabel." Francisca de Assis.
Nota: Outra das obras relevantes da autoria de Sinibaldo foi editada em 2 volumes em 1861. Com o título "La Chine et les puissances chrétiennes" aborda a história das relações da China com "os poderes cristãos" onde Macau é bastante destacado.
Sugestões de leitura:
- "O tratado impossível: um exercício de diplomacia luso-chinesa num contexto internacional em mudança 1842-1887", de António Vasconcelos de Saldanha (2006)
- "Un ambassadeur à Macao Guerres de l'opium entre la Chine et l'Occident (1839-1858)"
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