A antiga primeira-dama e mulher de Mário Soares faleceu aos 90 anos, vítima de uma hemorragia intracraniana, depois de vários dias de coma profundo na sequência de uma queda. Em Macau, onde esteve algumas vezes, amigos e pessoas com quem travou conhecimento destacam a forma “simples e afectuosa” como se relacionava com os outros mas também a acção pública de uma mulher com “convicções” e com um papel precursor em vários domínios. Nas visitas a Oriente cultivava uma paixão por peças decorativas chinesas.
Maria Barroso numa escola em Macau |
Foi no início da década de 1980 que Mário Soares e Maria Barroso estiveram pela primeira vez em Macau. De forma improvável, chegaram de carro, provenientes de Cantão, e entraram pelo velho arco das Portas do Cerco, na altura a única fronteira entre o então território português e a China Continental. A acompanhá-los estava Jorge Neto Valente que recorda as pessoas que se reuniram do lado de cá das Portas do Cerco para esperar o então ex-primeiro-ministro e a mulher.
Foi depois das relações diplomáticas entre Portugal e a China terem sido restabelecidas que, lembra Neto Valente, a China formulou, em 1979, um convite a Mário Soares para visitar o país, acompanhado pelo embaixador Coimbra Martins, que havia desempenhado um papel importante nas negociações entre os dois países. Pouco tempo depois, Mário Soares deixaria de ser primeiro-ministro mas a China manteve o convite em cima da mesa.
Depois da estadia em Pequim, Soares e Maria Barroso dirigiram-se então a Cantão, viajando depois de carro até Macau. “Encontrei-me com eles em Cantão e viemos até Macau de carro, entrando através da velha entrada das Portas do Cerco onde algumas pessoas nos aguardavam”, recorda Neto Valente.
Durante esses dias, um grande tufão atingiu o território o que não impediu algumas iniciativas oficiais, como um encontro com o então Governador Melo Egídio, e outros encontros informais com a comunidade portuguesa em Macau.
Seria durante essa visita que se assinou um protocolo de aproximação do Centro Democrático de Macau (CDM) ao Partido Socialista Português, numa altura em que o CDM se procurava “libertar das acusações de estar associado ao Partido Comunista Português”, refere Neto Valente.
À semelhança do que aconteceu durante toda a vida política do marido, Maria Barroso esteve sempre presente. Mas fora da agenda oficial da visita promoveu também encontros “com amigos e pessoas de Macau”. Foi numa dessas ocasiões que António José de Freitas travou conhecimento com Maria Barroso e que descobriram uma paixão comum pelas peças decorativas chinesas. “Sou coleccionador deste tipo de peças e portanto tivemos uma ligação mais profunda pelo facto de termos este hobby em comum. Visitou não só a loja que tinha na altura como esteve em minha casa para ver as minhas peças”, afirma.
O actual Provedor da Santa Casa da Misericórdia destaca a simpatia da antiga primeira dama portuguesa e a forma “simples” como se relacionava com as pessoas, impressões que reforçou quando, cerca de um ano depois, a visitaria no Palácio de Belém, já depois de Mário Soares ter sido eleito Presidente da República. Maria Barroso voltaria a visitar o território em 1987 e 1992, ocasiões em que defendeu a necessidade de desenvolvimento da língua portuguesa no território e a importância das marcas culturais portuguesas em Macau.
Neto Valente realça a “pessoa encantadora”, com “convicções firmes”, mas “nada elitista” e que “falava com toda a gente”. Quem a conheceu de perto destaca também o compromisso com as causas sociais e humanitárias, “não por caridade”, frisa Neto Valente, mas por “profunda convicção”. Para além de ter dirigido a Cruz Vermelha portuguesa, saindo em 2003, criou em 1993 a Fundação Pro Dignitate, da qual ainda era presidente. “Era sem dúvida uma figura nacional e de referência que desempenhou um importante papel em actividades humanitárias e na dedicação a organizações com fins sociais”, afirma António José de Freitas. Foi ainda na Universidade que o então estudante da Faculdade de Direito Neto Valente viria a conhecer Maria Barroso e Mário Soares. O ponto de contacto foi o colega de curso Alfredo Barroso, sobrinho de Maria de Jesus.
Desde o momento em que Mário Soares e Maria Barroso começaram namorar, em 1945, eram os dois estudantes da Universidade de Lisboa, tornaram-se companheiros de vida, marcada pela dedicação total de Soares à política: no combate à ditadura, nos julgamentos do tribunais plenários e na prisão, no exílio em Paris e S. Tomé e no regresso ao Portugal democrático onde viria a ser primeiro-ministro e Presidente da República. “Maria de Jesus foi sempre uma devota companheira do Dr. Mário Soares, sofreu com ele todas as vicissitudes que ele teve de passar na vida política”, realça Neto Valente.
Chegou a perseguir o sonho de ser actriz, representando no teatro e no cinema, mas Neto Valente recorda, sobretudo, a “extraordinária voz” que se revelava a declamar poesia.
A intervenção cívica e o percurso artístico que protagonizou não devem ocultar a faceta política que assumiu na oposição ao regime fascista e na defesa da democracia, sublinha Tiago Pereira, secretário-coordenador do Partido Socialista de Macau. “Esteve inclusivamente na fundação do PS na Alemanha e participou activamente na luta contra o fascismo”, refere. Maria Barroso foi mesmo a única mulher a marcar presença na fundação do PS, em 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel.
Foi depois das relações diplomáticas entre Portugal e a China terem sido restabelecidas que, lembra Neto Valente, a China formulou, em 1979, um convite a Mário Soares para visitar o país, acompanhado pelo embaixador Coimbra Martins, que havia desempenhado um papel importante nas negociações entre os dois países. Pouco tempo depois, Mário Soares deixaria de ser primeiro-ministro mas a China manteve o convite em cima da mesa.
Depois da estadia em Pequim, Soares e Maria Barroso dirigiram-se então a Cantão, viajando depois de carro até Macau. “Encontrei-me com eles em Cantão e viemos até Macau de carro, entrando através da velha entrada das Portas do Cerco onde algumas pessoas nos aguardavam”, recorda Neto Valente.
Durante esses dias, um grande tufão atingiu o território o que não impediu algumas iniciativas oficiais, como um encontro com o então Governador Melo Egídio, e outros encontros informais com a comunidade portuguesa em Macau.
Seria durante essa visita que se assinou um protocolo de aproximação do Centro Democrático de Macau (CDM) ao Partido Socialista Português, numa altura em que o CDM se procurava “libertar das acusações de estar associado ao Partido Comunista Português”, refere Neto Valente.
À semelhança do que aconteceu durante toda a vida política do marido, Maria Barroso esteve sempre presente. Mas fora da agenda oficial da visita promoveu também encontros “com amigos e pessoas de Macau”. Foi numa dessas ocasiões que António José de Freitas travou conhecimento com Maria Barroso e que descobriram uma paixão comum pelas peças decorativas chinesas. “Sou coleccionador deste tipo de peças e portanto tivemos uma ligação mais profunda pelo facto de termos este hobby em comum. Visitou não só a loja que tinha na altura como esteve em minha casa para ver as minhas peças”, afirma.
O actual Provedor da Santa Casa da Misericórdia destaca a simpatia da antiga primeira dama portuguesa e a forma “simples” como se relacionava com as pessoas, impressões que reforçou quando, cerca de um ano depois, a visitaria no Palácio de Belém, já depois de Mário Soares ter sido eleito Presidente da República. Maria Barroso voltaria a visitar o território em 1987 e 1992, ocasiões em que defendeu a necessidade de desenvolvimento da língua portuguesa no território e a importância das marcas culturais portuguesas em Macau.
Neto Valente realça a “pessoa encantadora”, com “convicções firmes”, mas “nada elitista” e que “falava com toda a gente”. Quem a conheceu de perto destaca também o compromisso com as causas sociais e humanitárias, “não por caridade”, frisa Neto Valente, mas por “profunda convicção”. Para além de ter dirigido a Cruz Vermelha portuguesa, saindo em 2003, criou em 1993 a Fundação Pro Dignitate, da qual ainda era presidente. “Era sem dúvida uma figura nacional e de referência que desempenhou um importante papel em actividades humanitárias e na dedicação a organizações com fins sociais”, afirma António José de Freitas. Foi ainda na Universidade que o então estudante da Faculdade de Direito Neto Valente viria a conhecer Maria Barroso e Mário Soares. O ponto de contacto foi o colega de curso Alfredo Barroso, sobrinho de Maria de Jesus.
Desde o momento em que Mário Soares e Maria Barroso começaram namorar, em 1945, eram os dois estudantes da Universidade de Lisboa, tornaram-se companheiros de vida, marcada pela dedicação total de Soares à política: no combate à ditadura, nos julgamentos do tribunais plenários e na prisão, no exílio em Paris e S. Tomé e no regresso ao Portugal democrático onde viria a ser primeiro-ministro e Presidente da República. “Maria de Jesus foi sempre uma devota companheira do Dr. Mário Soares, sofreu com ele todas as vicissitudes que ele teve de passar na vida política”, realça Neto Valente.
Chegou a perseguir o sonho de ser actriz, representando no teatro e no cinema, mas Neto Valente recorda, sobretudo, a “extraordinária voz” que se revelava a declamar poesia.
A intervenção cívica e o percurso artístico que protagonizou não devem ocultar a faceta política que assumiu na oposição ao regime fascista e na defesa da democracia, sublinha Tiago Pereira, secretário-coordenador do Partido Socialista de Macau. “Esteve inclusivamente na fundação do PS na Alemanha e participou activamente na luta contra o fascismo”, refere. Maria Barroso foi mesmo a única mulher a marcar presença na fundação do PS, em 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel.
Excerto de artigo publicado no JTM de 8.7.2015
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