Há cidades que atraem pelo seu cosmopolitismo, outras pela vertente cultural que apresentam, outras ainda pela relevância histórica, pelas vivências dos seus bairros, ruas, praças e quarteirões. Dum modo geral as histórias que as cidades nos narram são páginas abertas aos sentidos, à inteligência, à sensibilidade e aos sentimentos. Macau assimila e transmite mensagens inequívocas e percorrer as suas ruas é fazer uma viagem pela história onde a convivência cultural assumiu um papel preponderante, e estabilizador, ao longo dos últimos cinco séculos.
Senti o encanto desta cidade quando aqui desembarquei há 20 anos atrás, e respirei uma atmosfera carregada de significados e experiências acumuladas, que se confundiram com a humidade, os cheiros e os sabores, deixando marcas que o tempo jamais diluirá.
A cidade atraiu-me pela sua pluralidade, pela confluência cultural visível e pelos sinais que encontrava de uma forma de estar e viver que, sendo original, transmitia a “habilidade” que os portugueses sempre tiveram em adaptar-se e integrar-se nos locais que iam encontrando no seu périplo pelo mundo, entrosando as culturas locais num resultado final que, sem esquecer as matrizes, se revelava, e revela, numa atraente originalidade.
A cidade evoluiu, mas sempre soube sobreviver e responder de forma eficaz aos desafios que, ao longo do tempo, se foram colocando, sendo que os seus governantes se apetrecharam com os instrumentos necessários para o efeito.
Do ponto de vista urbano, desde o sec. XVI, a evolução da cidade foi marcada por diversos ciclos e se no início prevaleceu um certo organicismo espontâneo em resultado do modo de viver da época, na fase pós Ferreira do Amaral (1846-1849) começa a surgir a cidade planeada em conformidade com o “Plano de Melhoramentos para a Cidade”, que visava atalhar, entre outros, problemas de salubridade e higiene urbana, no combate à peste.
Ainda no sec. XIX, nos primeiros anos da década de 80 (1881), devido às condições de assoreamento da zona portuária, coube a Demétrio Cinatti, capitão dos portos de Macau, alertar o governador para a situação de colapso eminente, o que veio a induzir a necessidade de responder tecnicamente à questão do assoreamento, tendo sido estabelecido o “…princípio do primado do plano sob qualquer intervenção a fazer, bem como a definição das estratégias urbanísticas e de construção a ser seguidas no traçado de futuras vias a construir na cidade”**.
Em 1877 surge o primeiro Plano de Pormenor, pela mão de Miguel Ayres, para um terreno concessionado, publicado na portaria nº 64 de 7 de Julho.
Devido ao rápido assoreamento da zona portuária e depois do relatório de Demétrio Cinati, em 1884, foi publicado “O Porto de Macau/Ante-Projecto para o seu Melhoramento”, de Adolfo Ferreira Loureiro, onde o autor descreve e justifica tecnicamente a proposta, incluindo pormenores construtivos, medições e orçamentos, das obras necessárias para melhoramento do porto de Macau.
Por aqui se pode verificar que o crescimento da cidade, desde os primórdios da chegada dos portugueses, foi planeado e pautado ao longo do tempo, tendo em vista o desenvolvimento estratégico da cidade, criando as bases para uma economia sustentada e apoiada num enquadramento urbano que lhe desse rosto, porque afinal, sempre existiu planeamento em Macau…
**José da Conceição Afonso, Arquitecto, in “Macau: uma experiência de Urbanismo Estratégico e Higienista”, Revista de Cultura Nºs 38,39(II Série), Jan/Jun 1999
Texto da autoria da arquitecta Maria José Freitas publicado em 2008 no JTM
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