António Vasconcelos de Saldanha explicou esta polémica numa
conferência proferida em Macau em 1995 e da qual se extraem alguns excertos.
“Em Janeiro de 1908 o Encarregado de
Negócios português em Pequim, Martinho de Brederode, alertava o Ministério dos
Negócios Estrangeiros, em Lisboa, para o facto de os jornais chineses estarem a
falar demais de e contra Macau. Brederode, atribuindo este tipo de iniciativas
às movimentações de sinistras sociedades secretas, aconselhava a maior
precaução, recordando também que os jornais vinham veiculando uma série de
propostas enviadas por notáveis cantonenses ao Vice-Rei Zhang sobre a delicada
e pendente matéria da delimitação de Macau. E o que causava apreensão era o
facto de que o Vice-Rei acolhia estas iniciativas, satisfazendo a opinião
chinesa com uma série de actos demagógicos e antiportugueses. O alerta de
Brederode tem o interesse de adivinhar uma das mais graves crises da história
de Macau, coincidente aliás com um dos mais dramáticos períodos da história da
China. (…)
O acontecimento fulcral dessa série de eventos que caracterizámos
como «os incidentes de 1908», é, sem dúvida, o apresamento do navio japonês
Tatsu Maru ao largo da ilha de Coloane, por suspeita de contrabando de armas.
Sabe-se como esse acontecimento feriu profundamente os interesses japoneses e
portugueses. Mas para além da ofensa imediata às pretensões portuguesas nas
águas em volta de Macau, os efeitos do incidente Tatsu Maru iriam atingir de um
modo mais grave os interesses de Portugal na China. Como justamente irá notar
pouco mais de um ano passado o general Machado, Comissário português nas
Conferências de Hong Kong, a solução do caso do Tatsu Maru com um humilhante
pedido de desculpas da China ao Japão, teria «ferido brutalmente e sem grande
necessidade o sentimento popular de uma das primeiras cidades do Império, e a
férvida excitação que se seguiu encontrou, como um canal aberto por onde
derivar o seu ódio contra os estrangeiros, a reivindicação dos territórios de
Macau e a recuperação de direitos que se pretendiam usurpados pelos
Portugueses».
Final do século XIX |
(…) Se até à subscrição do Protocolo Preliminar de Lisboa,
em 26 de Março de 1887, e ao sequente Tratado de Amizade e Comércio subscrito
em Pequim em 1 de Dezembro de 1887 e ratificado em 28 de Abril de 1888, a
«Questão de Macau» foi preenchida essencialmente pelo problema da determinação
e reconhecimento do título da presença dos Portugueses em Macau pela China,
desde esse momento e até à 1ª metade do nosso século a mesma questão significou
diferentemente o problema da delimitação marítima e terrestre de Macau,
problema deixado em aberto precisamente pelo artigo 2.º do tratado de Pequim.
«A China confirma, na sua íntegra, o Artigo 2.º do Protocolo de Lisboa, que
trata da perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal. Fica estipulado que
comissários dos dois governos procederão à respectiva delimitação que será
fixada por uma convenção especial, mas enquanto os limites se não fixarem,
conservar-se-á tudo o que lhe diz respeito como actualmente, sem aumento,
diminuição ou alteração por nenhuma das partes». (…) Na raiz de todas as
disputas estava uma situação nebulosa, causada pelo modo vago e impreciso pelo
qual tanto o Protocolo de Lisboa como o Tratado se referiram à geografia física
e política de Macau. Se o Protocolo aludia brevemente no seu texto às
«dependências de Macau», o Tratado era ainda mais lacónico ao empregar o
simples e impreciso termo «Macau».”
No relatório final das conferências do
segundo semestre de 1909 do Alto Comissário Régio pode ler-se: “O Governo
português tem actualmente a considerar a existência de uma questão de Macau.
Não se trata simplesmente de uma questão de limites afixar com maiores ou
menores vantagens, desde já ou daqui a alguns anos: trata-se da perda ou da
conservação de uma colónia...”
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