segunda-feira, 6 de maio de 2013

Tao Te Ching: Livro da Via e da Virtude


Edição (2013) bilingue com tradução (directa do chinês), prefácio e notas de António Graça de Abreu. A apresentação é esta 3ª feira, 7 de Maio, às 18 horas, na Delegação Económica e Comercial de Macau - Av. 5 de outubro, 115 - Lisboa)
O Tao Te Ching ou Dao de Jing, traduzido aqui como "Livro da Via e da Virtude" (mas tb pode ser O Livro do Caminho e da Virtude), é uma das mais conhecidas e importantes obras da literatura da China. Foi escrito entre 350 e 250 a.C
"Certo, certo é não sabermos ao certo quando Lao Zi viveu, ou mesmo se esta singular figura terá algum dia existido.(...) O Tao Te Ching道德 经, a obra que lhe é atribuída, será anónima, posterior à sua existência real, redigida provavelmente no início da dinastia Han 汉 (206 a. C-220 d. C.), talvez até da autoria de diferentes letrados. Considera-se que, fruto da utilização no governo dos ensinamentos de Lao Zi e também de Confúcio, o grande imperador Han Wendi governou a China (de 197 a.C. e 157 a.C.) com sabedoria e simplicidade. E foi o filho Han Jingdi, que lhe sucedeu no trono, quem deu finalmente ao livro o nome de Tao Te Ching," escreve A. Graça de Abreu. De seguida, e para aguçar o 'apetite' por esta obra reproduzo alguns excertos.
(...) Depois da Bíblia, o Tao Te Ching será a obra que mais traduções tem conhecido em todo o mundo. É verdade que qualquer tradução de um clássico chinês está condenada a inúmeras falhas. A língua é ambígua e “exploits the incertainty inherent to the syntax and semantics of ancient Chinese”. O significado e a pronúncia de muitos dos caracteres foi-se alterando e tomando novas cores com a passagem dos séculos. Mesmo para sinólogos, ou gente tida como tal, são tantas as dúvidas no significado dos ideogramas e caracteres, alguns com dois milénios de uso e desuso, que uma tradução literal do Tao Te Ching pode transformar um texto brilhante e único num inenarrável emplastro, quase ilegível. Daí a necessidade de se agilizar responsavelmente os capítulos do corpo do discurso de Lao Zi ao transmutá-los para a língua de chegada, procurando alguma qualidade, neste caso para português. Trata-se de jogar com o texto original, de o trabalhar, de tentar encontrar significados possíveis dos caracteres, o mais próximo possível da palavra e da intenção que o autor pretende transmitir, dando-lhes a forma de capítulos ou então, se quiserem, de pequenos poemas que soam bem na nossa língua. A intenção será levar quem lê o Tao Te Ching a acompanhá-lo como um texto que, pelo ritmo interno das frases, pela suprema originalidade do conteúdo, cada um de nós possa assumir como próximo do seu entendimento, do seu contentamento. Nesta minha tradução, discutível como todas, distendi largamente os escassos conhecimentos que possuo da língua chinesa e procurei inúmeras ajudas fundamentais para tentar compreender o livro de Lao Zi. Carrego, por bem, o minha tradução do Tao Te Ching há uns bons vinte anos. Tem sido uma longa e intermitente jornada para entender os caracteres, consultar as fundamentais edições bilingues, cerzir capítulos, comparar com traduções francesas e inglesas, sempre caminhar no Tao, na magia silenciosa da contemplação e transformação de um genial texto chinês num outro talvez de alguma qualidade em língua portuguesa, com as palavras na língua de Camões e Pessoa a correr com simplicidade e fluência. (...)
A primeira referência a uma tradução do Tao Te Ching feita por um português, aparece ainda no século XVIII. Terá sido um dos nossos jesuítas na China, por volta de 1760, a elaborar o manuscrito, em latim que o padre Grammont (1736-1812?), músico na corte de Pequim, ofereceu em Cantão ao inglês Mathew Rapper que por sua vez o depositou na bibilioteca da Royal Society, em Londres no ano de 1788, onde ainda hoje se encontra com a indicação de a tradução ser de um missionário português. Tenho dúvidas se a tradução será mesmo de um jesuíta lusitano, até porque já existiam três manuscritos com traduções para latim e alguns excertos do texto traduzidos para francês, elaborados em Pequim pelo padre belga François Noel (1651-1727) e pelos jesuítas franceses Claude Visdelou (1656-1737) e Jean François Foucquet (1663-1739), enviados para a China na viragem do século XVII para o século XVIII. A verdade é que nenhum destes trabalhos foi editado e a primeira tradução impressa do Tao Te Ching numa língua europeia é a francesa de 1842, da pena de Stanislas Julien. Depois não mais pararam as traduções da obra, por tudo quanto é idioma neste vasto mundo.
No início do século passado, em Macau, Manuel da Silva Mendes (1876-1931), professor, advogado, uma das figuras mais notáveis da cultura da Cidade do Nome de Deus na China na primeira metade do século XX, publicava um pequeno opúsculo intitulado Lao-Tze, Tao-te-king, resultado de uma conferência que fez no Grémio Militar de Macau onde desenvolve, com conhecimento e rigor, um conjunto de várias pistas para o entendimento da figura de Lao Zi e do Taoismo, não esquecendo o enquadramento histórico. Silva Mendes foi o primeiro português a escrever sobre o taoismo. Era um homem inteligente e actualizado e cita, logo em 1909, os mais importantes autores ingleses e franceses que já haviam escrito sobre o Tao e traduzido o Tao Te Ching. Em 1930, Manuel da Silva Mendes publica um novo estudo Excertos de Filosofia Taoísta, segundo o “Tao Hing” de Lao Tze e o “Nan Hua King”de Chuang Tze, onde aparece também um curioso estudo elaborado pela primeira vez por um português sobre a obra de Zhuang Zi.
Em 1952, o macaense Luís Gonzaga Gomes (1907-1976), aluno de Camilo Pessanha e de Manuel da Silva Mendes, tradutor para chinês da Mensagem de Fernando Pessoa, investigador, historiador, estudioso da cultura chinesa publicou, numa edição de referência, a primeira tradução directa do chinês para português do Tao Te Ching. O trabalho de Luís Gonzaga Gomes merece todos os encómios. Bilingue, o texto em chinês está enriquecido pelos comentários a cada capítulo, em língua chinesa. Muito bem informado sobre o que a Sinologia ocidental editara nos primeiros trinta anos do sec. XX no que ao Tao Te Ching dizia respeito, o letrado macaense elaborou uma original introdução de trinta e quatro páginas sobre a obra de Lao Zi, ainda hoje de consulta obrigatória pelo manancial de dados e rigor com que foi escrita. A tradução, talvez com palavras a mais, continua a ser um constante desafio para novos tradutores portugueses. Luís Gonzaga Gomes latinizou o nome de Lao Zi que aparece como Láucio e utiliza o dialecto de Cantão nos nomes chineses, por isso o leitor não deverá surprender-se por ler “dinastia Hon” por “dinastia Han” ou Tou Kak Keng por Tao Te Ching.
O padre jesuíta Joaquim de Jesus Guerra (1908-1993), um dos pouquíssimos sinólogos portugueses, no fim da sua extraordinária vida entreteve criativamente os seus ócios a traduzir obras clássicas chinesas, traduções discutíveis mas marcantes em termos de estudos sobre a China Antiga. O padre Guerra traduziu também o Tao Te Ching. De acordo com o original sistema de transliteração dos caracteres chineses que inventou a partir do idioma que criou misturando a fala de algum mandarim com dialectos do sul da China, a obra de Lao Zi passou a chamar-se, na sua grafia romanizada, Daow-Tec Keq. Quanto à qualidade em língua portuguesa do seu trabalho, acho que nada tenho a dizer. Os raros leitores pronunciar-se-ão. Mas a tradução, segundo o padre Guerra “vertida do chinês”, segue muito de perto a excelente tradução espanhola do padre jesuíta Carmelo Elorduy que de resto era amigo de Joaquim de Jesus Guerra. (...)


António Graça de Abreu nasceu no Porto em 1947. É licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e mestre em História pela mesma Faculdade. Entre 1977 e 1983 trabalhou em Pequim, República Popular da China, onde foi tradutor nas Edições de Pequim. Leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas faculdades de Línguas Estrangeiras de Pequim e Xangai. Muito ligado ao mundo chinês, tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses, com destaque para a sua tradução Poemas de Li Bai, Grande Prémio Nacional de Tradução do Pen Clube Português e da Associação Portuguesa de Tradutores (1990).
Professor do ensino secundário, leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).

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