O Jornal Tribuna de Macau (JTM) - a fonte de muitos posts aqui do blog - celebra este ano três décadas "ao serviço de Macau". O projecto actual resulta da fusão em 1998 com outro periódico, o Jornal de Macau que, tal como o original Tribuna, foi criado em Outubro de 1982. Na imagem José Rocha Dinis (Tribuna de Macau) e João Fernandes (Jornal de Macau), os directores das respectivas publicações.
Excerto de uma entrevista de Rocha Dinis ao jornal Ponto final a 30 de Outubro último.
- Qual é o espaço que a Tribuna encontra quando nasce, ainda como semanário?
José Rocha Dinis – Havia a necessidade de haver mais um jornal (para além da Gazeta de Macau, propriedade de Carlos d’Assumpção). Explicaram-me que era muito importante, que Macau despertava cada vez mais interesse em Portugal desde que Beltrão Coelho tinha ido dirigir o Gabinete de Comunicação Social. A verdade é que houve sempre esse interesse, porque a situação económica aqui foi sempre melhor que lá – onde a crise não é de agora –,
mas também por várias outras questões, até mesmo ligadas a um certo exotismo.
- E havia relações políticas fortes entre o Palácio da Praia Grande e o Palácio de Belém...
J.R.D. – Não só do Palácio. Os privados também tinham importância e havia uma grande ligação com os partidos. Basta dizer que o CDM tinha uma grande ligação ao PS; e a ADIM ao CDS – por isso ganhava sempre cá a s eleições. O papel dos jornais nessa altura era muito o de saber-se o que se passava em Portugal. Não havia RTP Internacional, nem internet. O João Fernandes contava que esteve 24 horas para saber o resultado do Benfica, porque teve de telefonar para lá. E mesmo isso também era difícil, porque pedia-se de manhã e só à noite vinha a ligação. As duas vertentes importantes eram por isso fazer a ligação a Portugal e o jornalismo local. Mas quando cá cheguei apercebi-me de outra vertente importante: a política. Não só pelas tais ligações a Portugal, mas porque havia necessidade de não estar a dividir os portugueses naturais e os radicados em Macau – como sempre se disse e é a expressão que eu prefiro. Andavam todos à luta uns com os outros e isso não tinha interesse nenhum porque, no fundo, tinham todos os mesmos objectivos.
- Combater o governador Almeida e Costa?
J.R.D. – O governador resolveu mostrar que tinha outros objectivos e houve momentos em que a comunidade esteve fortemente unida contra ele. Já o Lenine dizia: quando a gente precisa de unir alguma coisa, é preciso ter um adversário. O jantar de desagravo, no qual falei eu e o João Fernandes – as outras pessoas não tinham independência para poder falar porque o governador perseguia-os – havia duas mil pessoas no Hotel Royal. Foi a maior manifestação de sempre.
- Nasce aí um jornalismo de oposição?
J.R.D. – A Tribuna transformou-se num jornal de defesa dos interesses da comunidade portuguesa nascida e radicada, que estava a ser atacada por um elemento maior, que era o governador.
- Estava a retirar prematuramente do poder aos portugueses nascidos e radicados cá?
J.R.D. – A ideia era essa. Assistiu-se por exemplo à retirada do presidente do Leal Senado e da Câmara das Ilhas, que foram corridos e substituídos por militares ou pessoas vindas de Portugal. Na ideia dele, quem vinha de lá, vinha apenas fazer a comissão e depois ia embora; nunca seria um retornado em Portugal.
- Estamos em 1982. Já havia noção de que a China iria reintegrar Macau? Começa por isso essa espécie de operação militar de retirada?
- J.R.D. – Não se sabia quando, mas em 1982 a Sra. Tatcher foi a Pequim. A ideia inicial dela era pedir a extensão do arrendamento de Kowloon e dos Novos Territórios. Primeiro ela caiu – escorregou e caiu – e a bolsa de Hong Kong veio logo abaixo. Logo a seguir, Deng Xiaoping disse-lhe: Muito obrigado por ter vindo, mas nós vamos é negociar a entrega de Hong Kong.
- Foi o sinal para Macau?
- J.R.D. – Eu tive sempre essa noção. Já tinha vivido o processo em Angola, sou anticolonialista e tinha a noção clara, bem como muitos dos meus amigos que aqui estavam, de que Macau sempre foi da China. Agora todos tínhamos também a consciência de que não era só China; era também mais qualquer coisa.
- A Gazeta de Macau já existia na altura, mas depois disso surgem vários jornais, como o Ponto Final, o Futuro de Macau, o Macau Hoje... Qual foi o contexto político e económico dessa proliferação?
J.R.D. – Como os mentores de dois jornais tinham sido dois advogados, houve outros advogados que tentaram fazer o mesmo, porque julgavam que isso lhes daria lucro. Mas eu tenho de dizer isto. O Jorge Neto Valente perdeu inclusivamente clientes, forçados a abandonar o escritório, por pressão governamental. Eles tinham era aquela ideia de que era preciso difundir a língua portuguesa, e outras ideias que os fazia sustentar os jornais.
- Bem... E havia o tal combate político...
- J.R.D. – Nessa fase havia, mas depois foi-se clarificando, muito também por culpa do governador, que não percebia como é que havia de fazer as coisas.
- Há então uma lógica comercial, ligada a escritórios de advogados?
J.R.D. - Sim. Mas surgiu também o Comércio, ligado às Construções Técnicas, associado à ideia de que isso lhes podia dar lucro. Não sei se ganharam dinheiro ou não, sei que depois todos tiveram chatices muito grandes, porque era muito difícil esse caminho.
- A Tribuna não continuou a segui-lo?
J.R.D. – As coisas na Tribuna eram muito mais claras, para além de que eu e o Jorge (Neto Valente) estávamos muito identificados em termos políticos. Os outros tiveram dificuldades do ponto de vista estratégico, muitas vezes entre os directores e os proprietários. De qualquer modo, não era negócio e, como digo, quer o Jorge quer o Assumpção fartaram-se de perder dinheiro.
- Mas esses jornais não duraram muitos anos?
J.R.D. – Sim, mas eram jornais feitos com uma ou duas pessoas, uma dimensão reduzida e um futuro muito pouco claro.
- É contudo um período muito dinâmico e o mundo estava de olhos postos na transição de poderes. Qual foi a importância do jornalismo em português nessa altura?
J.R.D. – Tem muita importância, na sua diversidade e no seu pluralismo. As pessoas é que não vêem isso, mas a transição não foi uma linha única, foi discutida e debatida. Não só em Portugal e na China, mas também na sociedade local. Por outro lado, ajudámos Portugal a perceber o ponto de vista das pessoas locais, porque lá tinha-se um completo desconhecimento do que se passava cá.
- A própria China lia com muita atenção os jornais portugueses...
J.R.D. – Sem dúvida. E houve pessoas em Portugal, que se diziam muito democráticas, que tentaram calar os jornais. Tentaram calar a Tribuna, por acharem que não ia tão longe como eles queriam ir. O problema, em primeiro lugar, é que é nesse ambiente pluralista que nasce uma Lei de Imprensa e uma tradição de pluralista. O que é muito importante, porque nas outras “colónias”, houve sempre censura e repressão.
- Essas forças em Portugal preferiam que a Tribuna combatesse os governadores? Por exemplo o último (Rocha Vieira)?
J.R.D. – E não só o último! Antes dele o Melancia, e antes ainda outros. A minha opinião foi sempre a mesma: Eu escrevo aquilo que quero e me apetece, sem agendas escondidas. É o que me sai da cabeça, umas vezes bem, outras mal. Mas não quero que os outros sejam iguais a mim; cada um faz como quiser. Nunca tentei que os outros fossem iguais a mim. E a tendência para me moldarem nunca veio dos governos; vinha daqueles que diziam: olha o gajo, que lá está, que fuma charuto... Mas então eu não tenho o direito de ter opinião? Isto é
tudo ao contrário. O democrata aqui sou eu, no sentido de que só respondia a ataques, nunca ataquei ninguém.
- Havia muitos ataques entre os jornais. Como é que isso se explica?
J.R.D. – Não eram só os jornais, eram pessoas. A verdade é que os jornais eram usados para isso. Se isso funciona um pouco como a almofada de uma sociedade, depois não é o
melhor caminho. Para mim foi sempre muito importante a existência de todos, mesmo quando à frente desses jornais estavam pessoas que eram completamente ignorantes no jornalismo. Tivemos cá bons profissionais – e esses curiosamente ainda estão cá. Mas os outros foram-se embora – uns forçados a ir - porque realmente eram anti-profissionais, sem noção nenhuma do que é ser jornalista. Diziam uma coisa hoje, amanhã pediam desculpa, no dia seguinte era outra vez a mesma coisa. O jornalismo tem de ser responsável. Primeiro é preciso ter uma ideia, depois é preciso seguir essa ideia.
- Há um valiosíssimo acervo histórico da transição nas páginas da imprensa portuguesa, nomeadamente na Tribuna. Não seria importante tratá-lo? Ou ainda é cedo para se fazer a História?
J.R.D. – Um dos problemas de Macau é que não tem memória, apesar de se ter escrito muita coisa. Cada pessoa que chega tem de perceber tudo do início. Agora, não me peçam a mim, porque realmente não tenho tempo. Se calhar daqui a 20 anos tenho tempo mas depois não tenho paciência. A verdade que há muitas histórias por fazer em Macau. Esses jornais estão todos guardadinhos na biblioteca – é só lá irem e ver o que lá está.
- Chegamos a 1997 e nota-se a angústia da transição e a indecisão sobre o futuro da imprensa portuguesa. Qual foi a aposta da Tribuna nessa altura?
J.R.D. – Em 1997, estava eu onde costumo pensar melhor, debaixo do chuveiro, e de repente digo assim: Eh, pá. Então e 99? Por outro lado, o falecimento de Cristina Neto Valente pesou muito no Jorge e ele desinteressou-se do Jornal, o que me obrigou a pensar numa solução. Eu sabia que o João Fernandes estava com grandes dificuldades no Jornal de Macau, porque havia morrido o Assumpção e, nessa área dos macaenses, havia uma grande incapacidade de compreensão do fenómeno pós-99.
- Nasce debaixo do chuveiro a ideia da fusão?
J.R.D. – A Tribuna era um semanário, mais político, mas havia um fio noticioso diário, no Jornal de Macau, que também era importante. Falei com o João, mas precisava de uma engenharia financeira. E toda a gente sabe que em Macau era o Stanley Ho que tinha dinheiro para essas coisas. Fui falar com ele concedeu-me uma verba que, não sendo muito importante – milhão e tal – ajudou-me a comprar equipamento e a preparar as coisas. Em Julho de 1998 começámos então o novo projecto.
- Era um projecto pessoal, ou já se percebia que haveria o espaço que há hoje para a imprensa portuguesa?
J.R.D. – Havia espaço, até por uma razão muito simples. Os Média em Macau não podiam voltar atrás, a coisas não profissionais como as dirigidas pelo Severino ou o Meira Burguete (Macau Hoje, depois recuperado por Carlos Morais José como Hoje Macau). Eu tentei várias soluções e é evidente que na altura não disse tudo o que depois se veio a passar. Mas a minha fé inabalável de que iria manter aqui o jornal esteve lá sempre. E isso está bem explícito no livro do José Pedro Castanheira. Ele diz lá a certa altura: Recentemente formou-se
em Macau o Jornal Tribuna de Macau, mas ninguém acredita neste projecto. José Rocha Diniz é o único que acredita.
- E qual era o ambiente no resto na imprensa?
- J.R.D. – Não havia projecto nenhum, pelo menos não senti isso.
- Em 1998 parecia possível o actual cenário da imprensa portuguesa?
- J.R.D. – É evidente que não! Quem disser o contrário está a enganar.
- Deve-se isso à China? Aos poderes locais?
J.R.D. – Devemos isso à própria sociedade. Percebi logo que a China não iria limitar nada do que estava feito da parte portuguesa. Agora, não poderia adivinhar o boom dos casinos, que trouxe muitíssimo mais dinheiro para Macau. Ninguém podia prever isso, a não ser o Edmund Ho, que já devia saber antes de 1999. Também não ia perceber que os Média iam aproveitar isso. Sem dúvida nenhuma a China quer manter Macau, a plataforma, a língua portuguesa. Mas também encontrou aqui o ambiente perfeito; não teve de inventar nada, estava tudo feito. A sociedade de Macau, em várias componentes, já cá estava e já tinha mostrado trabalho à China. Nada se consegue do zero. Nas últimas décadas foi-se cimentando este processo. Durante os tempos da transição a muitos chocava que o governador português perguntasse isto e aquilo à China. Mas isso ajudou a que depois a China não destruísse essas coisas que foram combinadas. Posso dar o exemplo do Clube Militar. Em 1995, quando se fez a grande
reestruturação, o presidente do Clube chamava-se Edmund Ho. Isto foi sabiamente feito. Os chineses tiveram um papel muito importante, mas a parte portuguesa percebeu que isso tudo ia ser feito. Então o BNU não aceitou ser banco emissor juntamente com o Banco da China? Senão depois podia nem sequer ser emissor, como sucedeu em Angola e Moçambique. As pessoas têm aqui a mania de dizer sempre mal umas das outras; mas deviam olhar uns para os outros e perceber que toda a população de Macau, incluindo a comunidade portuguesa, contribuiu fortemente para que os chineses não pudessem fazer outra coisa. E eu percebi isso em 1997: Se a gente abria a porta a que isto fosse para baixo, evidentemente iria. A gente não pode é abrir portas. Fala-se aí de alterar a Lei Básica. Mas eu digo: Abrem essa porta e depois ela serve para tudo e mais alguma coisa.
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Excerto de uma entrevista de Rocha Dinis ao jornal Ponto final a 30 de Outubro último.
- Qual é o espaço que a Tribuna encontra quando nasce, ainda como semanário?
José Rocha Dinis – Havia a necessidade de haver mais um jornal (para além da Gazeta de Macau, propriedade de Carlos d’Assumpção). Explicaram-me que era muito importante, que Macau despertava cada vez mais interesse em Portugal desde que Beltrão Coelho tinha ido dirigir o Gabinete de Comunicação Social. A verdade é que houve sempre esse interesse, porque a situação económica aqui foi sempre melhor que lá – onde a crise não é de agora –,
mas também por várias outras questões, até mesmo ligadas a um certo exotismo.
- E havia relações políticas fortes entre o Palácio da Praia Grande e o Palácio de Belém...
J.R.D. – Não só do Palácio. Os privados também tinham importância e havia uma grande ligação com os partidos. Basta dizer que o CDM tinha uma grande ligação ao PS; e a ADIM ao CDS – por isso ganhava sempre cá a s eleições. O papel dos jornais nessa altura era muito o de saber-se o que se passava em Portugal. Não havia RTP Internacional, nem internet. O João Fernandes contava que esteve 24 horas para saber o resultado do Benfica, porque teve de telefonar para lá. E mesmo isso também era difícil, porque pedia-se de manhã e só à noite vinha a ligação. As duas vertentes importantes eram por isso fazer a ligação a Portugal e o jornalismo local. Mas quando cá cheguei apercebi-me de outra vertente importante: a política. Não só pelas tais ligações a Portugal, mas porque havia necessidade de não estar a dividir os portugueses naturais e os radicados em Macau – como sempre se disse e é a expressão que eu prefiro. Andavam todos à luta uns com os outros e isso não tinha interesse nenhum porque, no fundo, tinham todos os mesmos objectivos.
- Combater o governador Almeida e Costa?
J.R.D. – O governador resolveu mostrar que tinha outros objectivos e houve momentos em que a comunidade esteve fortemente unida contra ele. Já o Lenine dizia: quando a gente precisa de unir alguma coisa, é preciso ter um adversário. O jantar de desagravo, no qual falei eu e o João Fernandes – as outras pessoas não tinham independência para poder falar porque o governador perseguia-os – havia duas mil pessoas no Hotel Royal. Foi a maior manifestação de sempre.
- Nasce aí um jornalismo de oposição?
J.R.D. – A Tribuna transformou-se num jornal de defesa dos interesses da comunidade portuguesa nascida e radicada, que estava a ser atacada por um elemento maior, que era o governador.
- Estava a retirar prematuramente do poder aos portugueses nascidos e radicados cá?
J.R.D. – A ideia era essa. Assistiu-se por exemplo à retirada do presidente do Leal Senado e da Câmara das Ilhas, que foram corridos e substituídos por militares ou pessoas vindas de Portugal. Na ideia dele, quem vinha de lá, vinha apenas fazer a comissão e depois ia embora; nunca seria um retornado em Portugal.
- Estamos em 1982. Já havia noção de que a China iria reintegrar Macau? Começa por isso essa espécie de operação militar de retirada?
- J.R.D. – Não se sabia quando, mas em 1982 a Sra. Tatcher foi a Pequim. A ideia inicial dela era pedir a extensão do arrendamento de Kowloon e dos Novos Territórios. Primeiro ela caiu – escorregou e caiu – e a bolsa de Hong Kong veio logo abaixo. Logo a seguir, Deng Xiaoping disse-lhe: Muito obrigado por ter vindo, mas nós vamos é negociar a entrega de Hong Kong.
- Foi o sinal para Macau?
- J.R.D. – Eu tive sempre essa noção. Já tinha vivido o processo em Angola, sou anticolonialista e tinha a noção clara, bem como muitos dos meus amigos que aqui estavam, de que Macau sempre foi da China. Agora todos tínhamos também a consciência de que não era só China; era também mais qualquer coisa.
- A Gazeta de Macau já existia na altura, mas depois disso surgem vários jornais, como o Ponto Final, o Futuro de Macau, o Macau Hoje... Qual foi o contexto político e económico dessa proliferação?
J.R.D. – Como os mentores de dois jornais tinham sido dois advogados, houve outros advogados que tentaram fazer o mesmo, porque julgavam que isso lhes daria lucro. Mas eu tenho de dizer isto. O Jorge Neto Valente perdeu inclusivamente clientes, forçados a abandonar o escritório, por pressão governamental. Eles tinham era aquela ideia de que era preciso difundir a língua portuguesa, e outras ideias que os fazia sustentar os jornais.
- Bem... E havia o tal combate político...
- J.R.D. – Nessa fase havia, mas depois foi-se clarificando, muito também por culpa do governador, que não percebia como é que havia de fazer as coisas.
- Há então uma lógica comercial, ligada a escritórios de advogados?
J.R.D. - Sim. Mas surgiu também o Comércio, ligado às Construções Técnicas, associado à ideia de que isso lhes podia dar lucro. Não sei se ganharam dinheiro ou não, sei que depois todos tiveram chatices muito grandes, porque era muito difícil esse caminho.
- A Tribuna não continuou a segui-lo?
J.R.D. – As coisas na Tribuna eram muito mais claras, para além de que eu e o Jorge (Neto Valente) estávamos muito identificados em termos políticos. Os outros tiveram dificuldades do ponto de vista estratégico, muitas vezes entre os directores e os proprietários. De qualquer modo, não era negócio e, como digo, quer o Jorge quer o Assumpção fartaram-se de perder dinheiro.
- Mas esses jornais não duraram muitos anos?
J.R.D. – Sim, mas eram jornais feitos com uma ou duas pessoas, uma dimensão reduzida e um futuro muito pouco claro.
- É contudo um período muito dinâmico e o mundo estava de olhos postos na transição de poderes. Qual foi a importância do jornalismo em português nessa altura?
J.R.D. – Tem muita importância, na sua diversidade e no seu pluralismo. As pessoas é que não vêem isso, mas a transição não foi uma linha única, foi discutida e debatida. Não só em Portugal e na China, mas também na sociedade local. Por outro lado, ajudámos Portugal a perceber o ponto de vista das pessoas locais, porque lá tinha-se um completo desconhecimento do que se passava cá.
- A própria China lia com muita atenção os jornais portugueses...
J.R.D. – Sem dúvida. E houve pessoas em Portugal, que se diziam muito democráticas, que tentaram calar os jornais. Tentaram calar a Tribuna, por acharem que não ia tão longe como eles queriam ir. O problema, em primeiro lugar, é que é nesse ambiente pluralista que nasce uma Lei de Imprensa e uma tradição de pluralista. O que é muito importante, porque nas outras “colónias”, houve sempre censura e repressão.
- Essas forças em Portugal preferiam que a Tribuna combatesse os governadores? Por exemplo o último (Rocha Vieira)?
J.R.D. – E não só o último! Antes dele o Melancia, e antes ainda outros. A minha opinião foi sempre a mesma: Eu escrevo aquilo que quero e me apetece, sem agendas escondidas. É o que me sai da cabeça, umas vezes bem, outras mal. Mas não quero que os outros sejam iguais a mim; cada um faz como quiser. Nunca tentei que os outros fossem iguais a mim. E a tendência para me moldarem nunca veio dos governos; vinha daqueles que diziam: olha o gajo, que lá está, que fuma charuto... Mas então eu não tenho o direito de ter opinião? Isto é
tudo ao contrário. O democrata aqui sou eu, no sentido de que só respondia a ataques, nunca ataquei ninguém.
- Havia muitos ataques entre os jornais. Como é que isso se explica?
J.R.D. – Não eram só os jornais, eram pessoas. A verdade é que os jornais eram usados para isso. Se isso funciona um pouco como a almofada de uma sociedade, depois não é o
melhor caminho. Para mim foi sempre muito importante a existência de todos, mesmo quando à frente desses jornais estavam pessoas que eram completamente ignorantes no jornalismo. Tivemos cá bons profissionais – e esses curiosamente ainda estão cá. Mas os outros foram-se embora – uns forçados a ir - porque realmente eram anti-profissionais, sem noção nenhuma do que é ser jornalista. Diziam uma coisa hoje, amanhã pediam desculpa, no dia seguinte era outra vez a mesma coisa. O jornalismo tem de ser responsável. Primeiro é preciso ter uma ideia, depois é preciso seguir essa ideia.
- Há um valiosíssimo acervo histórico da transição nas páginas da imprensa portuguesa, nomeadamente na Tribuna. Não seria importante tratá-lo? Ou ainda é cedo para se fazer a História?
J.R.D. – Um dos problemas de Macau é que não tem memória, apesar de se ter escrito muita coisa. Cada pessoa que chega tem de perceber tudo do início. Agora, não me peçam a mim, porque realmente não tenho tempo. Se calhar daqui a 20 anos tenho tempo mas depois não tenho paciência. A verdade que há muitas histórias por fazer em Macau. Esses jornais estão todos guardadinhos na biblioteca – é só lá irem e ver o que lá está.
- Chegamos a 1997 e nota-se a angústia da transição e a indecisão sobre o futuro da imprensa portuguesa. Qual foi a aposta da Tribuna nessa altura?
J.R.D. – Em 1997, estava eu onde costumo pensar melhor, debaixo do chuveiro, e de repente digo assim: Eh, pá. Então e 99? Por outro lado, o falecimento de Cristina Neto Valente pesou muito no Jorge e ele desinteressou-se do Jornal, o que me obrigou a pensar numa solução. Eu sabia que o João Fernandes estava com grandes dificuldades no Jornal de Macau, porque havia morrido o Assumpção e, nessa área dos macaenses, havia uma grande incapacidade de compreensão do fenómeno pós-99.
- Nasce debaixo do chuveiro a ideia da fusão?
J.R.D. – A Tribuna era um semanário, mais político, mas havia um fio noticioso diário, no Jornal de Macau, que também era importante. Falei com o João, mas precisava de uma engenharia financeira. E toda a gente sabe que em Macau era o Stanley Ho que tinha dinheiro para essas coisas. Fui falar com ele concedeu-me uma verba que, não sendo muito importante – milhão e tal – ajudou-me a comprar equipamento e a preparar as coisas. Em Julho de 1998 começámos então o novo projecto.
- Era um projecto pessoal, ou já se percebia que haveria o espaço que há hoje para a imprensa portuguesa?
J.R.D. – Havia espaço, até por uma razão muito simples. Os Média em Macau não podiam voltar atrás, a coisas não profissionais como as dirigidas pelo Severino ou o Meira Burguete (Macau Hoje, depois recuperado por Carlos Morais José como Hoje Macau). Eu tentei várias soluções e é evidente que na altura não disse tudo o que depois se veio a passar. Mas a minha fé inabalável de que iria manter aqui o jornal esteve lá sempre. E isso está bem explícito no livro do José Pedro Castanheira. Ele diz lá a certa altura: Recentemente formou-se
em Macau o Jornal Tribuna de Macau, mas ninguém acredita neste projecto. José Rocha Diniz é o único que acredita.
- E qual era o ambiente no resto na imprensa?
- J.R.D. – Não havia projecto nenhum, pelo menos não senti isso.
- Jornalistas como o Ricardo Pinto, com o Ponto Final; e Carlos Morais José, com o Hoje Macau, acabaram depois por garantir a diversidade. E há o Clarim, propriedade da Igreja, com uma lógica mais específica. Como é que vê hoje esse panorama?
J.R.D. – A imprensa hoje está formidável; acho muito bem. Desempenhei algum papel nisso, porque trouxe muita gente nova de Coimbra, além dos outros que cá estão... Aprendi sempre, quer com os jornalistas mais velhos, quer com os mais novos que, quando vieram, também trouxeram novas ideias. E isso foi muito bom. Mas não sou daqueles que diz que está tudo bem e agora ficamos nisto. Amanhã temos novos desafios.- Em 1998 parecia possível o actual cenário da imprensa portuguesa?
- J.R.D. – É evidente que não! Quem disser o contrário está a enganar.
- Deve-se isso à China? Aos poderes locais?
J.R.D. – Devemos isso à própria sociedade. Percebi logo que a China não iria limitar nada do que estava feito da parte portuguesa. Agora, não poderia adivinhar o boom dos casinos, que trouxe muitíssimo mais dinheiro para Macau. Ninguém podia prever isso, a não ser o Edmund Ho, que já devia saber antes de 1999. Também não ia perceber que os Média iam aproveitar isso. Sem dúvida nenhuma a China quer manter Macau, a plataforma, a língua portuguesa. Mas também encontrou aqui o ambiente perfeito; não teve de inventar nada, estava tudo feito. A sociedade de Macau, em várias componentes, já cá estava e já tinha mostrado trabalho à China. Nada se consegue do zero. Nas últimas décadas foi-se cimentando este processo. Durante os tempos da transição a muitos chocava que o governador português perguntasse isto e aquilo à China. Mas isso ajudou a que depois a China não destruísse essas coisas que foram combinadas. Posso dar o exemplo do Clube Militar. Em 1995, quando se fez a grande
reestruturação, o presidente do Clube chamava-se Edmund Ho. Isto foi sabiamente feito. Os chineses tiveram um papel muito importante, mas a parte portuguesa percebeu que isso tudo ia ser feito. Então o BNU não aceitou ser banco emissor juntamente com o Banco da China? Senão depois podia nem sequer ser emissor, como sucedeu em Angola e Moçambique. As pessoas têm aqui a mania de dizer sempre mal umas das outras; mas deviam olhar uns para os outros e perceber que toda a população de Macau, incluindo a comunidade portuguesa, contribuiu fortemente para que os chineses não pudessem fazer outra coisa. E eu percebi isso em 1997: Se a gente abria a porta a que isto fosse para baixo, evidentemente iria. A gente não pode é abrir portas. Fala-se aí de alterar a Lei Básica. Mas eu digo: Abrem essa porta e depois ela serve para tudo e mais alguma coisa.
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