No final do século XIX um abastado comerciante de Macau, Lou Cheoc Chi, também conhecido por Lou Va Sio, iniciou a construção de um jardim numa zona que era então de hortas conhecida por povoação de Long Tin. O jardim só viria a ficar finalizado em 1925 pelo seu filho, Lou Lim Ieoc e, após a morte deste, o recinto do jardim foi dividido em lotes e vendido.
Em 1938, a mansão que se situa na secção norte do jardim - foto abaixo - foi adquirida pela actual (ver foto a cores) Escola Secundária Pui Ching. Já a secção sul, em redor do Pavilhão de Relva Primaveril, acabou por ser adquirida pelo governo de Macau em 1973, tendo aberto ao público, após obras de restauro, em 1974, como Jardim Lou Lim Iok, também chamado Jardim Lou Kau.
De seguida publico um longo excerto de um artigo da Revista Macau nº 58 (Outu. 2017) da autoria de Catarina Domingues.
Lou Kau fez fortuna com o comércio de carne de porco, mas é hoje sobretudo relembrado por lançar as fundações da indústria do jogo em Macau. Líder da comunidade chinesa, o empresário foi agraciado pelo rei de Portugal por duas vezes. São poucos os estudos sobre a vida deste homem que, endividado, acabaria por se enforcar em casa, ainda não tinha completado 60 anos.
Nasceu pobre, morreu endividado. Mas entre este primeiro e último momento de vida fez fortuna, dominou a indústria do jogo de Macau, foi o mais influente membro da comunidade chinesa local da época, ponte entre portugueses e chineses, filantropo. Em apenas 59 anos de vida, Lou Kau deu muito mais à cidade do que apenas uma casa e uma rua com o seu nome. Mas a história deste homem, que começou por fazer fortuna com o comércio da carne de porco entre Macau e a Província de Guangdong, ainda está por ser estudada e escrita. Para tentar perceber quem foi Lou Kau é necessário recorrer a historiadores, bibliotecas, tradutores, perceber o que é mito, o que é realidade, atribuir uma forma humana ao herói.
“Há uma relativa escassez de estudos sobre o papel das famílias de comerciantes chineses no Macau moderno”, refere Lin Guangzhi, co-autor de uma compilação de trabalhos sobre Lou Kau, publicada em 2010 pelo Instituto de Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). A obra, intitulada Colectânea de teses do seminário sobre a família Lou Kau e a comunidade chinesa, escrita em chinês e com prefácio e um resumo em português, reúne estudos de vários investigadores, presentes num seminário dedicado ao tema. “É o primeiro estudo sistemático sobre as famílias de comerciantes chineses que deram um contributo importante para o desenvolvimento de Macau moderno”, escreve Hao Yufan, director do Centro de Estudos de Macau da Universidade de Macau, que organizou o seminário em conjunto com o IACM.
Prova do estatuto adquirido pelo homem de quem hoje escrevemos, é a Mansão Lou Kau, no número 7 da Travessa da Sé, no coração da cidade. Esta casa-pátio de dois pisos foi construída em 1889 e integra hoje a lista de Património Mundial da UNESCO. “Era uma pessoa importante, porque tinha a possibilidade de ter uma casa junto à Sé Catedral, o que na altura não acontecia [entre os chineses]”, refere Vincent Ho, historiador da Universidade de Macau. (...)
Nasceu pobre, morreu endividado. Mas entre este primeiro e último momento de vida fez fortuna, dominou a indústria do jogo de Macau, foi o mais influente membro da comunidade chinesa local da época, ponte entre portugueses e chineses, filantropo. Em apenas 59 anos de vida, Lou Kau deu muito mais à cidade do que apenas uma casa e uma rua com o seu nome. Mas a história deste homem, que começou por fazer fortuna com o comércio da carne de porco entre Macau e a Província de Guangdong, ainda está por ser estudada e escrita. Para tentar perceber quem foi Lou Kau é necessário recorrer a historiadores, bibliotecas, tradutores, perceber o que é mito, o que é realidade, atribuir uma forma humana ao herói.
“Há uma relativa escassez de estudos sobre o papel das famílias de comerciantes chineses no Macau moderno”, refere Lin Guangzhi, co-autor de uma compilação de trabalhos sobre Lou Kau, publicada em 2010 pelo Instituto de Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). A obra, intitulada Colectânea de teses do seminário sobre a família Lou Kau e a comunidade chinesa, escrita em chinês e com prefácio e um resumo em português, reúne estudos de vários investigadores, presentes num seminário dedicado ao tema. “É o primeiro estudo sistemático sobre as famílias de comerciantes chineses que deram um contributo importante para o desenvolvimento de Macau moderno”, escreve Hao Yufan, director do Centro de Estudos de Macau da Universidade de Macau, que organizou o seminário em conjunto com o IACM.
Prova do estatuto adquirido pelo homem de quem hoje escrevemos, é a Mansão Lou Kau, no número 7 da Travessa da Sé, no coração da cidade. Esta casa-pátio de dois pisos foi construída em 1889 e integra hoje a lista de Património Mundial da UNESCO. “Era uma pessoa importante, porque tinha a possibilidade de ter uma casa junto à Sé Catedral, o que na altura não acontecia [entre os chineses]”, refere Vincent Ho, historiador da Universidade de Macau. (...)
Lou Kau, nome pelo qual ficou conhecido Lou Va Sio, nasceu em 1848 em Xinhui, actual Jiangmen, na Província de Guangdong, no seio de uma família humilde. Com apenas nove anos, mudou-se para Macau.
Pouco antes de Lou Kau nascer, Macau passou por momentos conturbados. Hong Kong, ocupada pelos britânicos durante a primeira Guerra do Ópio (1839-1842), retirou à cidade sob administração portuguesa o estatuto de porto comercial. À procura de novas fontes de receitas, Macau legalizou em 1847 o jogo, que se viria a tornar num dos principais motores económicos da região.
À semelhança de várias famílias de comerciantes chineses, também os Lou prosperaram com o negócio décadas mais tarde. E as regiões vizinhas deram um empurrão: em 1872 o governador de Hong Kong, Arthur Edward Kennedy, proibiu jogos de fortuna e azar na colónia britânica, fazendo com que os jogadores daquela cidade rumassem a Macau; também em 1875, Cantão proibiu a lotaria vae seng, jogo que acabaria por se tornar num dos mais populares de Macau, a par do fan-tan, das lotarias pacapiu e da Santa Casa da Misericórdia, negócios explorados ao longo de décadas pela família de Lou Kau.
“Lou deu um contributo muito importante para o desenvolvimento sustentável da indústria do jogo em Macau. Foi ele que lançou os alicerces da moderna indústria de Macau”, escreve ainda o historiador Lin Guangzhi na Colectânea de teses do seminário sobre a família Lou Kau e a comunidade chinesa.
O especialista realça, no entanto, que o empresário é frequentemente lembrado pela actividade profissional na área financeira e do jogo, mas que foi a vender carne de porco que fez a primeira fortuna. No final da década de 60 do século XIX, Lou estabeleceu-se na Província de Guangdong, entrou para o negócio da carne de porco, abriu um pequeno banco privado e explorou o negócio do jogo.
É em 1882 que regressa a Macau. Do jogo ao ópio, passando pelo comércio e imobiliário, Lou actuava em vários sectores. “Eram todos negócios legais, ele tinha um clube privado onde os ricos podiam jogar, fumar e encontrar prostitutas”, nota o presidente da Associação de História de Macau, Chan Su Weng
Lou Kau enriqueceu e retribuiu à cidade. O “primeiro magnata do jogo”, como também ficou conhecido, contribuiu nas áreas da educação e da saúde, passando pela cultura e o urbanismo. “Foi um homem que fez muita caridade, foi um dos presidentes do Hospital Kiang Wu, cuja construção ajudou a financiar, e fez doações para o desenvolvimento da medicina”, diz Chan Su Weng.
Lou Kau criou escolas de ensino gratuito, fundou a Escola dos Filhos e Irmãos dos Pescadores e, em conjunto com outros comerciantes chineses, estabeleceu a Associação de Beneficência Tung Sin Tong. Detentor de terrenos em Macau, construiu habitação económica e apoiou a urbanização da cidade, servindo de intermediário entre as autoridades e os moradores de zonas expropriadas pelo governo.
“Foi de longe a pessoa mais influente entre a comunidade chinesa”, salienta João Guedes, jornalista e investigador da história de Macau, realçando que Lou Kau facilitou a comunicação entre chineses e portugueses. Estatuto, nota ainda o jornalista, que lhe “permitiu fazer uma coisa importantíssima, que era a ligação com o Governo de Guangdong”. João Guedes recorda ainda uma história por poucos conhecida: “Lou Kau tinha dinheiro, mas precisava de ter nome e, por isso, pagou a uma pessoa para ir a Cantão fazer em seu nome os exames imperiais e foi assim que obteve o grau de mandarim”.
Em 1888 foi-lhe atribuída nacionalidade portuguesa. “Nessa altura era uma raridade”, recorda Guedes. “Só quando Salazar sobe ao poder é que a lei passa a ser a jus soli e qualquer pessoa que nascesse em território português era português.”
E não foi o único, completa o historiador Chan Su Weng: “Nesse mesmo ano, Lou Kau publicou no boletim do governo uma nota que dizia que seis dos seus filhos tinham nascido em Macau, o que não era verdade, e que gostariam de obter a nacionalidade portuguesa. Se essa nota não recebesse nenhuma objecção ao longo de um mês, então poderiam tornar-se portugueses.” E foi isso que aconteceu.
Do rei de Portugal D. Carlos I, Lou Kau recebeu o título de Cavaleiro da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como a Comenda da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Aqui pesou a ajuda prestada a Macau entre 1895 e 1896, quando a cidade foi afectada pela peste bubónica.
Pouco claro na genealogia da família Lou é o número de descendentes que deixou. Registos históricos avançam diferentes teorias, sendo que a versão mais ambiciosa conta a história de dez mulheres, 17 filhos e 16 filhas. O historiador Chan Su Weng rejeita o número: “Morreu aos 59 anos, é muito improvável que tenha tido tantos filhos”. Dos sucessores de Lou Kau destacam-se vários varões, sendo o mais conhecido Lou Lim Ioc, que herdou o negócio do pai. “Nem sabemos como se chamavam as filhas, nessa altura não era suposto as mulheres serem populares”, vinca Chan. (...)
Em finais do século XIX, o governo regional de Guangdong abriu concurso para a atribuição de uma licença de jogo naquela província chinesa. A concessão foi atribuída pelo general Li Hongzhang a Lou Kau e a um grupo de investidores de Macau, Hong Kong e do Interior do País por um período de oito anos. Lou Kau pagou a pronto uma quantia avultada para a exploração do negócio da lotaria vae seng.
Porém, três anos depois, o general Cen Chunxuan, que substituiu Li Hongzhang, anunciou a proibição do jogo e anulou a concessão, recusando-se a devolver o capital investido pela empresa de Lou Kau. Durante as negociações, o empresário exigiu uma compensação de dois milhões de yuans e tentou angariar apoio entre as autoridades portuguesas, mas sem resultados. Com mais dívidas do que bens, Lou Kau acabaria por se enforcar na casa onde vivia. Tinha 59 anos.
Foi Lou Lim Ioc que tomou as rédeas dos negócios da família. E seguiu as pisadas do pai, mantendo investimentos no sector do jogo e apoiando a população através de acções de caridade. Lou Lim Ioc foi presidente honorário da Associação Comercial de Macau e director da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu.
Amante da botânica – aliás, como o pai – o filho mais velho de Lou Kau investiu uma soma significativa no Jardim Lou Lim Ioc, inspirado nos clássicos jardins chineses de Suzhou.
Morreu aos 49 anos de doença grave. (...)
Foto da década de 1930/40 quando a escola Pui Ching começou a funcionar em Macau.Pouco antes de Lou Kau nascer, Macau passou por momentos conturbados. Hong Kong, ocupada pelos britânicos durante a primeira Guerra do Ópio (1839-1842), retirou à cidade sob administração portuguesa o estatuto de porto comercial. À procura de novas fontes de receitas, Macau legalizou em 1847 o jogo, que se viria a tornar num dos principais motores económicos da região.
À semelhança de várias famílias de comerciantes chineses, também os Lou prosperaram com o negócio décadas mais tarde. E as regiões vizinhas deram um empurrão: em 1872 o governador de Hong Kong, Arthur Edward Kennedy, proibiu jogos de fortuna e azar na colónia britânica, fazendo com que os jogadores daquela cidade rumassem a Macau; também em 1875, Cantão proibiu a lotaria vae seng, jogo que acabaria por se tornar num dos mais populares de Macau, a par do fan-tan, das lotarias pacapiu e da Santa Casa da Misericórdia, negócios explorados ao longo de décadas pela família de Lou Kau.
“Lou deu um contributo muito importante para o desenvolvimento sustentável da indústria do jogo em Macau. Foi ele que lançou os alicerces da moderna indústria de Macau”, escreve ainda o historiador Lin Guangzhi na Colectânea de teses do seminário sobre a família Lou Kau e a comunidade chinesa.
O especialista realça, no entanto, que o empresário é frequentemente lembrado pela actividade profissional na área financeira e do jogo, mas que foi a vender carne de porco que fez a primeira fortuna. No final da década de 60 do século XIX, Lou estabeleceu-se na Província de Guangdong, entrou para o negócio da carne de porco, abriu um pequeno banco privado e explorou o negócio do jogo.
É em 1882 que regressa a Macau. Do jogo ao ópio, passando pelo comércio e imobiliário, Lou actuava em vários sectores. “Eram todos negócios legais, ele tinha um clube privado onde os ricos podiam jogar, fumar e encontrar prostitutas”, nota o presidente da Associação de História de Macau, Chan Su Weng
Lou Kau enriqueceu e retribuiu à cidade. O “primeiro magnata do jogo”, como também ficou conhecido, contribuiu nas áreas da educação e da saúde, passando pela cultura e o urbanismo. “Foi um homem que fez muita caridade, foi um dos presidentes do Hospital Kiang Wu, cuja construção ajudou a financiar, e fez doações para o desenvolvimento da medicina”, diz Chan Su Weng.
Lou Kau criou escolas de ensino gratuito, fundou a Escola dos Filhos e Irmãos dos Pescadores e, em conjunto com outros comerciantes chineses, estabeleceu a Associação de Beneficência Tung Sin Tong. Detentor de terrenos em Macau, construiu habitação económica e apoiou a urbanização da cidade, servindo de intermediário entre as autoridades e os moradores de zonas expropriadas pelo governo.
“Foi de longe a pessoa mais influente entre a comunidade chinesa”, salienta João Guedes, jornalista e investigador da história de Macau, realçando que Lou Kau facilitou a comunicação entre chineses e portugueses. Estatuto, nota ainda o jornalista, que lhe “permitiu fazer uma coisa importantíssima, que era a ligação com o Governo de Guangdong”. João Guedes recorda ainda uma história por poucos conhecida: “Lou Kau tinha dinheiro, mas precisava de ter nome e, por isso, pagou a uma pessoa para ir a Cantão fazer em seu nome os exames imperiais e foi assim que obteve o grau de mandarim”.
Em 1888 foi-lhe atribuída nacionalidade portuguesa. “Nessa altura era uma raridade”, recorda Guedes. “Só quando Salazar sobe ao poder é que a lei passa a ser a jus soli e qualquer pessoa que nascesse em território português era português.”
E não foi o único, completa o historiador Chan Su Weng: “Nesse mesmo ano, Lou Kau publicou no boletim do governo uma nota que dizia que seis dos seus filhos tinham nascido em Macau, o que não era verdade, e que gostariam de obter a nacionalidade portuguesa. Se essa nota não recebesse nenhuma objecção ao longo de um mês, então poderiam tornar-se portugueses.” E foi isso que aconteceu.
Do rei de Portugal D. Carlos I, Lou Kau recebeu o título de Cavaleiro da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como a Comenda da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Aqui pesou a ajuda prestada a Macau entre 1895 e 1896, quando a cidade foi afectada pela peste bubónica.
Pouco claro na genealogia da família Lou é o número de descendentes que deixou. Registos históricos avançam diferentes teorias, sendo que a versão mais ambiciosa conta a história de dez mulheres, 17 filhos e 16 filhas. O historiador Chan Su Weng rejeita o número: “Morreu aos 59 anos, é muito improvável que tenha tido tantos filhos”. Dos sucessores de Lou Kau destacam-se vários varões, sendo o mais conhecido Lou Lim Ioc, que herdou o negócio do pai. “Nem sabemos como se chamavam as filhas, nessa altura não era suposto as mulheres serem populares”, vinca Chan. (...)
Em finais do século XIX, o governo regional de Guangdong abriu concurso para a atribuição de uma licença de jogo naquela província chinesa. A concessão foi atribuída pelo general Li Hongzhang a Lou Kau e a um grupo de investidores de Macau, Hong Kong e do Interior do País por um período de oito anos. Lou Kau pagou a pronto uma quantia avultada para a exploração do negócio da lotaria vae seng.
Porém, três anos depois, o general Cen Chunxuan, que substituiu Li Hongzhang, anunciou a proibição do jogo e anulou a concessão, recusando-se a devolver o capital investido pela empresa de Lou Kau. Durante as negociações, o empresário exigiu uma compensação de dois milhões de yuans e tentou angariar apoio entre as autoridades portuguesas, mas sem resultados. Com mais dívidas do que bens, Lou Kau acabaria por se enforcar na casa onde vivia. Tinha 59 anos.
Foi Lou Lim Ioc que tomou as rédeas dos negócios da família. E seguiu as pisadas do pai, mantendo investimentos no sector do jogo e apoiando a população através de acções de caridade. Lou Lim Ioc foi presidente honorário da Associação Comercial de Macau e director da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu.
Amante da botânica – aliás, como o pai – o filho mais velho de Lou Kau investiu uma soma significativa no Jardim Lou Lim Ioc, inspirado nos clássicos jardins chineses de Suzhou.
Morreu aos 49 anos de doença grave. (...)
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