Foram recentemente identificadas nas colecções públicas chinesas duas pinturas de Macau, as quais incluem, sobrepostos ao desenho original, legendas em manchu mais ou menos extensas. Fora este pormenor, é patente que as imagens em causa constituem simples variações sobre o modelo de Resende, com traços pictóricos de exclusiva inspiração europeia. Apesar das diferenças que exibem entre si, comungam também de certo tipo de originalidades em relação àquele modelo, o que prova que existiu uma estreita interdependência entre elas. Seguindo a ordem pela qual têm aparecido reproduzidas, a primeira corresponde a uma pintura que os catálogos sugerem datada de c. 1679-1682 , enquanto sobre a segunda apenas se indica que terá sido elaborada nos primeiros tempos da dinastia Qing.
A mais precisa destas duas datações remete-nos, de imediato, para o tempo da missão diplomática que o cidadão de Macau Bento Pereira Sarmento de Faria conduziu a Pequim, em nome dos interesses da sua cidade, em 1678. Pouco antes, desenrolara-se a embaixada de Manuel de Saldanha a Pequim (1667-1670), mas sucede que é a propósito da missão de Bento Pereira que surge a notícia de que a delegação portuguesa levava como presente uma pintura representando Macau, a qual tinha sido executada por um pintor local pelo preço de dois pardaus . Sucede também que a segunda destas imagens está pintada sobre uma tela envernizada de dimensões consideráveis (101x185 cm). Como Bento Pereira partiu para Pequim no início de 1678 – e como é elevada a probabilidade de alguma destas peças coincidir com a que então levou consigo para a Corte do imperador Kangxi –, além de insistirmos na origem portuguesa ou macaense de ambas, devemos considerar a hipótese de qualquer delas ter sido executada por volta de 1678.
Olhando o panorama do casario – de um imaculado branco mediterrânico – que a primeira destas imagens oferece, detecta-se que tal representação está mais próxima do traço original de Barreto de Resende do que de qualquer uma das posteriores simplificações do respectivo modelo já descritas (figura 3). As principais diferenças face a esse mesmo modelo de partida traduzem-se no acrescento de alguns perímetros amuralhados e na supressão de outros, numa maior precisão do risco da maioria das fortalezas e peças de artilharia, nas bandeiras com a cruz de Cristo levantadas dentro dessas fortalezas e na aparente ausência da silhueta de qualquer navio – dizemos aparente porque alguma ou algumas das nove grandes legendas em manchu que, manifestamente, foram acrescentadas ao desenho poderá ter ocultado o bosquejo de uma ou mais embarcações. A propósito destas 9 legendas, importa ainda notar que assinalam as 7 baterias e fortalezas principais, as Portas do Cerco e o templo de A-Má. Com excepção daquela que se reporta a estes dois últimos sítios, a informação nelas contida respeita apenas a matéria militar, designadamente ao número e à qualidade das peças de artilharia.
Temos notícia de que o imperador Daoguang recorreu à cartografia ocidental de Macau, por interposto Zaobanchu (Direcção de Obras do Neiwufu, ou Administração da Casa Civil do Imperador), quando teve de decidir sobre o destino da colónia lusa no contexto marcado pelo enfrentamento entre as teses do lobby anti-cantonense (acolhidas na intenção imperial de arrasar todo o sistema defensivo de Macau) e as pretensões do alto funcionalismo civil e militar de Cantão (o qual, a propósito da matéria crucial do tráfego do ópio, em 1835 apelou em uníssono e veio a conseguir impedir a concretização dessa mesma intenção). A partir da letra do despacho em causa (recebido no 17º dia da 12ª lua do 14º ano do reinado de Daoguang, i.e. 3 de Abril de 1835), já foi sugerida a hipótese do imperador ter então manuseado este mapa legendado em manchu. Em qualquer caso, devemos notar que a ordem imperial que esteve na origem do memorial ao trono dos “advogados” cantonenses de Macau – dada no 25º dia da 10ª lua do 14º ano do reinado de Daoguang (25 de Novembro de 1834) – apresenta uma contabilidade das peças de artilharia distribuídas pelas fortalezas da cidade bastante diferente daquela que temos neste mapa, pelo que preferimos ser mais cautelosos e não forçarmos tal associação.
Texto de Francisco Roque de Oliveira - Centro de História de Além-Mar, Universidade Nova de Lisboa - Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) publicado na Scripta Nova Revista Electronica de Geografia y ciencias Sociales- Universidad de Barcelona. Vol. X, núm. 218 (53), 1 Agosto 2006
A mais precisa destas duas datações remete-nos, de imediato, para o tempo da missão diplomática que o cidadão de Macau Bento Pereira Sarmento de Faria conduziu a Pequim, em nome dos interesses da sua cidade, em 1678. Pouco antes, desenrolara-se a embaixada de Manuel de Saldanha a Pequim (1667-1670), mas sucede que é a propósito da missão de Bento Pereira que surge a notícia de que a delegação portuguesa levava como presente uma pintura representando Macau, a qual tinha sido executada por um pintor local pelo preço de dois pardaus . Sucede também que a segunda destas imagens está pintada sobre uma tela envernizada de dimensões consideráveis (101x185 cm). Como Bento Pereira partiu para Pequim no início de 1678 – e como é elevada a probabilidade de alguma destas peças coincidir com a que então levou consigo para a Corte do imperador Kangxi –, além de insistirmos na origem portuguesa ou macaense de ambas, devemos considerar a hipótese de qualquer delas ter sido executada por volta de 1678.
Planta de Macau ca. 1675:Desenhada
a partir do “modelo de Resende”, tem a particularidade de incluir 9
legendas em manchu referentes aos principais pontos estratégicos da
colónia. Está no Arquivo Histórico Nacional nº 1 da China, em Pequim.
Olhando o panorama do casario – de um imaculado branco mediterrânico – que a primeira destas imagens oferece, detecta-se que tal representação está mais próxima do traço original de Barreto de Resende do que de qualquer uma das posteriores simplificações do respectivo modelo já descritas (figura 3). As principais diferenças face a esse mesmo modelo de partida traduzem-se no acrescento de alguns perímetros amuralhados e na supressão de outros, numa maior precisão do risco da maioria das fortalezas e peças de artilharia, nas bandeiras com a cruz de Cristo levantadas dentro dessas fortalezas e na aparente ausência da silhueta de qualquer navio – dizemos aparente porque alguma ou algumas das nove grandes legendas em manchu que, manifestamente, foram acrescentadas ao desenho poderá ter ocultado o bosquejo de uma ou mais embarcações. A propósito destas 9 legendas, importa ainda notar que assinalam as 7 baterias e fortalezas principais, as Portas do Cerco e o templo de A-Má. Com excepção daquela que se reporta a estes dois últimos sítios, a informação nelas contida respeita apenas a matéria militar, designadamente ao número e à qualidade das peças de artilharia.
Temos notícia de que o imperador Daoguang recorreu à cartografia ocidental de Macau, por interposto Zaobanchu (Direcção de Obras do Neiwufu, ou Administração da Casa Civil do Imperador), quando teve de decidir sobre o destino da colónia lusa no contexto marcado pelo enfrentamento entre as teses do lobby anti-cantonense (acolhidas na intenção imperial de arrasar todo o sistema defensivo de Macau) e as pretensões do alto funcionalismo civil e militar de Cantão (o qual, a propósito da matéria crucial do tráfego do ópio, em 1835 apelou em uníssono e veio a conseguir impedir a concretização dessa mesma intenção). A partir da letra do despacho em causa (recebido no 17º dia da 12ª lua do 14º ano do reinado de Daoguang, i.e. 3 de Abril de 1835), já foi sugerida a hipótese do imperador ter então manuseado este mapa legendado em manchu. Em qualquer caso, devemos notar que a ordem imperial que esteve na origem do memorial ao trono dos “advogados” cantonenses de Macau – dada no 25º dia da 10ª lua do 14º ano do reinado de Daoguang (25 de Novembro de 1834) – apresenta uma contabilidade das peças de artilharia distribuídas pelas fortalezas da cidade bastante diferente daquela que temos neste mapa, pelo que preferimos ser mais cautelosos e não forçarmos tal associação.
Texto de Francisco Roque de Oliveira - Centro de História de Além-Mar, Universidade Nova de Lisboa - Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) publicado na Scripta Nova Revista Electronica de Geografia y ciencias Sociales- Universidad de Barcelona. Vol. X, núm. 218 (53), 1 Agosto 2006
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