João de Deus Ramos aterrou em Pequim em março de 1979 como encarregado de Negócios. Tinha 36 anos e já alguma experiência como diplomata, incluindo na Ásia, pois servira no Japão. Mas a missão na China era um desafio tremendo: tratava-se de abrir a embaixada portuguesa na República Popular da China, país com o qual os laços diplomáticos só tinham sido oficializados depois do 25 de Abril de 1974.
Mas porque viajou antes do embaixador? "Antes de chegar o general vão as tropas, para preparar o acampamento", explica ao DN João de Deus Ramos, acrescentando que nada estava preparado, que teve de se instalar num hotel e adaptar-se a um país que estudara mas que pela primeira vez visitava. Este e outros episódios de uma longa carreira constam do livro Em Torno da China - Memórias Diplomáticas que hoje será lançado às 18.30 em Lisboa, no Museu do Oriente, instituição a que o embaixador João de Deus Ramos está ligado pois foi administrador da Fundação Oriente e integra o Conselho de Curadores.
"Senti quando cheguei um grande entusiasmo. Estava numa das mais antigas civilizações do mundo e tinha pela frente um enorme desafio profissional. Por outro lado, lembro-me do ar nebuloso, cinzento, poeirento, desse final de inverno em Pequim, que nada tinha que ver com a cidade que hoje encontramos", relembra um homem que nos anos seguintes estará em todos os momentos-chave das relações luso-chinesas, em especial as negociações sobre Macau, devolvida à China em dezembro de 1999.
No livro, conta ter sido recebido por dois funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês e como lhe foi posto à disposição um motorista e carro, "um modelo de fabrico chinês, cinzento-esverdeado, usado para entidades oficiais de segundo plano e para táxis de luxo". Depois veio a surpresa da visita de um português, António Graça de Abreu, que tinha vindo como cooperante trabalhar no ensino de línguas e colaborar na revista China em Construção. Casado com uma chinesa, e com dois filhos pequenos, a família do futuro sinólogo e outro casal constituíam a comunidade portuguesa na China em 1979.
Ao fim de alguns meses chegou o embaixador António Ressano Garcia. Trouxe a mulher e o filho, conta o diplomata no livro. João de Deus Ramos mais tarde também verá a família chegar, incluindo as duas filhas muito pequenas. Assim, pouco a pouco, a vida foi-se normalizando, numa China que já não era a de Mao Tsé-tung (o líder comunista que morreu em 1976) e na qual Deng Xiaoping começava a deixar a sua marca, abrindo o país às reformas económicas que trouxeram o sucesso que hoje é uma evidência.
"Tenho uma grande admiração por Deng como estadista. Conseguiu transformar para melhor a vida de mais de mil milhões de pessoas", afirma João de Deus Ramos, que conheceu o grande reformador chinês no âmbito de uma visita do governador de Macau Melo Egídio a Pequim e reencontrará aquando das negociações que culminam em 1987 com a assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre Macau, no Palácio do Povo, em abril de 1987, pelos primeiros-ministros Aníbal Cavaco Silva e Zhao Ziyang.
Num livro em que o tom pessoal se associa à importância dos acontecimentos descritos para tornar a leitura cativante, João de Deus Ramos dedica, claro, atenção especial à China, mas são também curiosos os relatos do encontro com Oliveira Salazar, que percebe pelo apelido ser filho de um diplomata conhecido, ou da forma como na embaixada em Tóquio os diplomatas receberam a notícia da Revolução. Estas Memórias falam ainda de Macau, da Fundação Oriente e terminam com uma declaração de amor à China, país onde viveu três anos e onde regressou "vezes sem conta".
Sobre a transferência de soberania de Macau, comenta ter sido inevitável e que "correu bem para Portugal e para a China". Sobre o que pensam os chineses dos portugueses, tem opinião muito própria: "É evidente que a China sente certa "ternura" por Portugal. Conhecemo-los há mais de 500 anos e, como gostam de dizer, nunca os humilhámos como os outros europeus."
Mas porque viajou antes do embaixador? "Antes de chegar o general vão as tropas, para preparar o acampamento", explica ao DN João de Deus Ramos, acrescentando que nada estava preparado, que teve de se instalar num hotel e adaptar-se a um país que estudara mas que pela primeira vez visitava. Este e outros episódios de uma longa carreira constam do livro Em Torno da China - Memórias Diplomáticas que hoje será lançado às 18.30 em Lisboa, no Museu do Oriente, instituição a que o embaixador João de Deus Ramos está ligado pois foi administrador da Fundação Oriente e integra o Conselho de Curadores.
"Senti quando cheguei um grande entusiasmo. Estava numa das mais antigas civilizações do mundo e tinha pela frente um enorme desafio profissional. Por outro lado, lembro-me do ar nebuloso, cinzento, poeirento, desse final de inverno em Pequim, que nada tinha que ver com a cidade que hoje encontramos", relembra um homem que nos anos seguintes estará em todos os momentos-chave das relações luso-chinesas, em especial as negociações sobre Macau, devolvida à China em dezembro de 1999.
No livro, conta ter sido recebido por dois funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês e como lhe foi posto à disposição um motorista e carro, "um modelo de fabrico chinês, cinzento-esverdeado, usado para entidades oficiais de segundo plano e para táxis de luxo". Depois veio a surpresa da visita de um português, António Graça de Abreu, que tinha vindo como cooperante trabalhar no ensino de línguas e colaborar na revista China em Construção. Casado com uma chinesa, e com dois filhos pequenos, a família do futuro sinólogo e outro casal constituíam a comunidade portuguesa na China em 1979.
Ao fim de alguns meses chegou o embaixador António Ressano Garcia. Trouxe a mulher e o filho, conta o diplomata no livro. João de Deus Ramos mais tarde também verá a família chegar, incluindo as duas filhas muito pequenas. Assim, pouco a pouco, a vida foi-se normalizando, numa China que já não era a de Mao Tsé-tung (o líder comunista que morreu em 1976) e na qual Deng Xiaoping começava a deixar a sua marca, abrindo o país às reformas económicas que trouxeram o sucesso que hoje é uma evidência.
"Tenho uma grande admiração por Deng como estadista. Conseguiu transformar para melhor a vida de mais de mil milhões de pessoas", afirma João de Deus Ramos, que conheceu o grande reformador chinês no âmbito de uma visita do governador de Macau Melo Egídio a Pequim e reencontrará aquando das negociações que culminam em 1987 com a assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre Macau, no Palácio do Povo, em abril de 1987, pelos primeiros-ministros Aníbal Cavaco Silva e Zhao Ziyang.
Num livro em que o tom pessoal se associa à importância dos acontecimentos descritos para tornar a leitura cativante, João de Deus Ramos dedica, claro, atenção especial à China, mas são também curiosos os relatos do encontro com Oliveira Salazar, que percebe pelo apelido ser filho de um diplomata conhecido, ou da forma como na embaixada em Tóquio os diplomatas receberam a notícia da Revolução. Estas Memórias falam ainda de Macau, da Fundação Oriente e terminam com uma declaração de amor à China, país onde viveu três anos e onde regressou "vezes sem conta".
Sobre a transferência de soberania de Macau, comenta ter sido inevitável e que "correu bem para Portugal e para a China". Sobre o que pensam os chineses dos portugueses, tem opinião muito própria: "É evidente que a China sente certa "ternura" por Portugal. Conhecemo-los há mais de 500 anos e, como gostam de dizer, nunca os humilhámos como os outros europeus."
Artigo da autoria de Leonídio Ferreira publicado no DN de 4.4.2016
Diplomata, historiador e académico, há muitos anos que João De Deus Ramos vem publicando livros sobe a sua experiência na China.
Ao lado, "Portugal e a Ásia", uma obra que reúne 25 estudos produzidos entre 1991 e 2008, proferidos pelo autor como académico, e apresentados em eventos dedicados à história da Expansão Portuguesa ou Europeia na Ásia ou, ainda, publicados em revistas académicas nacionais ou internacionais.
Ao lado, "Portugal e a Ásia", uma obra que reúne 25 estudos produzidos entre 1991 e 2008, proferidos pelo autor como académico, e apresentados em eventos dedicados à história da Expansão Portuguesa ou Europeia na Ásia ou, ainda, publicados em revistas académicas nacionais ou internacionais.
O ex-embaixador, actualmente com 74 anos recebeu o Prémio Universidade de Coimbra 2013 pela sua dedicação "ao longo de muitos anos ao estudo da expansão portuguesa para o Oriente e ao estudo da influência da cultura chinesa em Portugal. De alguma maneira trouxe para Portugal aquilo que é a cultura oriental, e a cultura chinesa em particular".
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