O avião Breguet Br.16-Bn2 (ou XVI-Bn2), era um bombardeiro nocturno derivado do XIV-A2, motor Renault de 300 CV, com asas de maior envergadura e carlinga simples para três tripulantes. O único modelo existente em Portugal foi adquirido por subscrição pública em Junho de 1921, promovida por Pinheiro Correia, Jardim da Costa e Levy Bensabat. Depois de comprado em França, deu entrada nos hangares da Amadora onde se iniciou a sua montagem, orientada por Manuel Gouveia e Joaquim de Sousa. Uma modificação importante foi introduzida: a instalação de depósitos suplementares de combustível, para aumentar o seu raio de acção. Ficou pronto em fins de Agosto tendo Brito Pais escolhido o nome «Pátria» e mandado inscrever na fuselagem o verso dos Lusiadas:«Esta é a ditosa PÁTRIA muito amada». Fez o primeiro voo em 22 de Setembro, como preparativo de uma viagem ao Brasil, que não se efectuou devido a danificação do avião, em Novembro, na sequência de um ciclone que fez abater o hangar onde se encontrava estacionado. A sua reparação só se iniciou em Junho 1922, devido a demora das peças vindas de França, quando já Gago Coutinho voava para o Brasil. Foi decidido então utilizar o «Pátria» numa ligação Lisboa-Macau, que se iniciou apenas em Abril de 1924, devido a várias dificuldades burocráticas e de falta de apoio.
Em 1924 o "Pátria" descolou da actual cidade da Amadora rumo a Vila Nova de Milfontes (Sul de Portugal – Alentejo). Ali chegados, a aeronave foi baptizada pelo bispo de Beja, D. José do Patrocínio Dias. Maria do Céu (a irmã de Brito Pais) quebrou no cubo da hélice a tradicional garrafa de champanhe. As palavras de Sarmento de Beires: "O pai tirou do dedo o anel brasonado da família e entregou-o ao filho que vai partir. No capitão Brito Pais, concentrava-se naquele instante a tradição impoluta de uma família inteira."
A 7 de Abril, partem decididos a estabelecer a ligação a Macau. Manuel Gouveia, viajaria de barco até Tunes, onde se juntaria à tripulação. A viagem começou mal, devido a um forte temporal. Indiferentes ao perigo, fazem descolar o "Pátria" em direcção a Tunes, mas o mau tempo obrigou-os a escalar Málaga e depois Oran: "As cordas zunem, as asas estalam, tudo range. Mãos crispadas nas alavancas de comando, sentimos o aparelho que se despenha, se furta debaixo de nós, que nos abandona no espaço, que parece ir despedaçar-se em pleno voo. O pesadelo dura alguns segundos."
Embarcado Manuel Gouveia em Tunes, o voo decorre sem problemas de maior, passando por Tripoli, Homs, Bengazi e Cairo.
Viagem a Timor
Humberto Cruz (1900-1981), natural de Coimbra e detentor dos cursos de artilharia, de piloto aviador e de piloto de voo sem visibilidade exterior, serviu, a partir de 1927, em várias esquadrilhas da Força Aérea e chegou mesmo a comandar a base aérea de São Miguel. Entre 1930 e 1931, na companhia de outro aviador, Carlos Bleck, Humberto Cruz realizou, aos comandos do avião "Jorge Castilho", a primeira viagem aérea Lisboa-Guiné-Angola e regresso, numa distância de 20.160km. O percurso foi feito num total de 167 horas.
Humberto Cruz escreveu a propósito: "O glorioso navegador (Jorge Castilho) do Atlântico Sul, a quem a Pátria tanto deve; aquele que soube marcar no Grande Oceano a rota do 'Argos', o hidroavião que, pela primeira vez, navegou uma noite inteira ligando os dois continentes e duas pátrias, estabelecendo um recorde durável que nós não soubemos perpetuar na memória do mundo; o sábio aviador iria acompanhar-nos na nossa empresa", escreveu. Mas foi em 1934 que, juntamente com o primeiro-sargento mecânico da Aeronáutica Militar, António João Gonçalves Lobato (1909-1935), na avioneta Leopard Moth "Dilly" fez a viagem LisboaTimor-Lisboa.
O baptismo do Pátria em v. N. de Mil Fontes |
Este é um dos maiores feitos da aviação portuguesa e o facto de o avião ser relativamente frágil enobrece ainda mais a façanha. A 25 de Outubro de 1934, saíram da Amadora com destino a Timor, a bordo do "Dilly". No dia do regresso, a 21 de Dezembro de 1934, haviam percorrido 42.670km, voando 268 horas e 25 minutos.
O voo de ida atravessou a África do Norte, com paragens em Argel, Tripoli, Bengazi e Tobruk, o Médio Oriente, com passagem por Gaza e Basra, internando-se depois pelo actual Paquistão e Índia, com as etapas a terminarem em Jask, Karachi, Allhabad, para finalmente rumar ao Sudeste Asiático e às Índias Orientais Holandesas, passando por Akyab, Banguecoque, Prachuab, Singapura, Soerabaia, Rambang e Díli, onde foram recebidos com grande entusiasmo, a 7 de Novembro de 1934: "Os indígenas de Timor são mais dóceis e subordinados do que geralmente se acredita ( ... ) Não existia já um português em Timor, há tantos anos que a nossa força naquelas ilhas é nula, pois a força que existe é tirada deles mesmos", comenta.
Os aviadores saíram de Díli a 13 de Novembro e aterraram na actual cidade da Amadora (Portugal) a 21 de Dezembro, pouco antes do Natal, como desejara Humberto Cruz. Galardoado com a Torre e Espada, publicou diversas obras sobre aviação, tendo falecido a 10 de Junho de 1981. António Lobato foi escolhido como companheiro de viagem por Humberto Cruz, devido à sua competência, carácter alegre, correcção, aprumo e camaradagem. No ano seguinte ao da viagem, em 1935, morreu num desastre de avião perto de Viseu. "Morreu o Lobato!". A mensagem que ecoou, na sua simplicidade, transmitia a memória e o carinho colectivos que o País conservava de tão jovem e corajoso às da navegação aérea.
Em Milfontes pouco antes da partida do "Pátria" I
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