Excertos do livro referido no post de ontem:
"No itinerário original, a corveta deveria aguardar na China a conclusão dos trabalhos da missão diplomática. Mas, em 18 de junho de 1880, ao chegarem em Hong Kong, o chefe de divisão da Marinha, Artur Silveira da Motta (futuro barão de Jaceguay), a quem cabia a responsabilidade da viagem, reportou problemas a bordo e recebeu ordem do governo imperial para que a corveta regressasse ao Brasil pelo caminho mais curto." (...)
A chegada da corveta a Hong Kong se converteu numa festa. Foi na tarde de 28 de maio; e, por muito tempo, a tripulação não fez mais que salvar à terra para responder às salvas de grande número de navios de guerra de várias partes do mundo que estavam no porto. Alguns chegaram a contar o número de disparos a partir da Vital de Oliveira: “foram 11 salvas”.
Logo que fundearam, receberam a bordo Agostinho Guilherme Romano, cônsul do Brasil em Hong Kong, que os acompanhou naquela noite à terra para uma visita à associação portuguesa da cidade, o Club Luzitano. A travessia de Singapura até ali havia durado oito dias, “com ventos favoráveis e mar propício”. (...)
A partir de Hong Kong, a oficialidade da Vital de Oliveira visitou Macau e Cantão. Em Macau, foram ver o hospital da colônia chinesa, que chamou a atenção, porque “os quartos para os doentes eram escuros e sem ventilação; os leitos de pedra, tendo por travesseiro um cilindro de madeira, ao lado do leito um escoadouro de ladrilho, que serve de mictório. Alguns dos doentes têm apenas para cobertura um pano de lã. Os médicos não procedem a exame físico,ouvem as declarações dos doentes, olham para eles e receitam-lhes panaceias”. Em seguida, visitaram a gruta onde Luís de Camões, exilado em Macau, recolhia-se para escrever seu épico Os Lusíadas.
“Hoje a gruta acha-se completamente transfigurada, pois pertence a um abastado cidadão português, o senhor Lourenço Marques”.
Lembra Henrique Lisboa, secretário da missão diplomática, que na “minha chegada à poética gruta, onde refere-se a tradição que concluiu Camões a primorosa obra que lhe deixou imortal o nome (Os Lusíadas); esta gruta acha-se situada dentro de uma propriedade particular, cujo dono tem prazer em franquear o acesso ao pitoresco sítio, onde, à sombra de frondosa vegetação, cantava o vate lusitano as glórias da pátria ingrata. Numa cavidade, entre dois rochedos, vê-se um busto do autor dos Lusíadas, rodeado das inscrições com que os visitantes prestam justa homenagem a uma glória hoje universalmente reconhecida. Obtém-se daí uma esplêndida vista de Macau e da sua plácida baía e compreende-se que se prestasse esse ameno refúgio a tão sublimes inspirações”. Já para Elysio Mendes, na gruta “levantaram uns detestáveis arcos, que lhe tiram toda poesia selvagem e todo o encanto primitivo”. Elysio, Callado, Saldanha da Gama, Motta e Vissière escreveram poemas e homenagens a Camões que estão até hoje no livro de memórias do evento. (...)
A delegação brasileira resolveu aproveitar o tempo de folga e visitar Macau. A cidade ocupada pelos portugueses desde 1563, mediante um tributo, foi muito importante por causa do seu comércio, exportando para todo o Ocidente as especialidades industriais da China. Mas começou a decair depois da posse de Hong Kong pelos ingleses. (...)
Os habitantes de Macau “constituem um tipo curioso e digno de estudo, emigram na totalidade para ganhar a vida sob proteção da colônia inglesa. O que sustenta hoje aquela colônia [...] é o imposto sobre casas de jogos”. Na época da passagem da Vital de Oliveira,
Macau tinha uma população de 25 mil chineses e cinco mil portugueses. Segundo o médico, a cidade “divide-se em bairro chinês e europeu. A parte europeia contém bons edifícios públicos e particulares [...], são também dignos de visitar-se os templos chineses, jardins públicos e a quinta onde existe a celebrada gruta de Camões (exilado em Macau nela teria escrito Os Lusíadas). A condução, como em Hong Kong, é feita em cadeirinhas carregadas por dois coolies. As ruas são geralmente estreitas, tendo muitas ladeiras”.
Em Macau, eles foram recebidos pelo cônsul brasileiro, o barão do Cercal, Alexandrino António de Melo. Também o governador português, Joaquim José da Graça, foi anfitrião da delegação brasileira e até lhes deu um jantar muito concorrido. “Nesse dia, Macau ficou vestido de galas. O palácio do governador iluminado de noite.
No dia seguinte, os navios de guerra portugueses içaram a bandeira do Brasil no mastro grande e a infantaria fazia guarda de honra no lugar de embarque dos ministros”.
Lembra Motta que eles foram em romaria à legendária gruta de Camões. “Camões! Macau! Eis aí duas palavras que resumem por si só o prestígio do império português no Oriente sobrevivendo ao seu aniquilamento através dos séculos!”
A tripulação visitou também Cantão, “a cidade chinesa por excelência, com suas indústrias variadas, seu labirinto de ruas estreitas, ladeadas de belas lojas e crivadas de tabuletas de mil cores, com seu bairro flutuante e o burburinho incessante de uma população de
dois ou três milhões de habitantes”. (...)
Em Hong Kong os embaixadores, comitiva, comandante e oficiais foram convidados pela colônia portuguesa para assistirem à festa em memória ao tricentenário de morte de Luís de Camões, o poeta imortal português, no dia 10 de junho de 1880. A festa, um sarau literário e musical, seguido de ceia e baile, foi toda abrilhantada pela banda da Vital de Oliveira.
No salão principal do Club Luzitano, estava exposto um busto do poeta e embaixo dele entrelaçadas as bandeiras portuguesa e brasileira. O governador de Hong Kong, sir John Pope Hennessy, esteve na festa com seu estado-maior. A cerimônia começou com a entrada
de “cerca de 12 meninas que carregavam buquês de flores depositados em torno do pedestal do busto de Camões. A festa foi até as 4 horas da manhã, com uma hora de intervalo depois da meia-noite para o supper”. Lembra Silveira da Motta que “estes nossos primos antípodas nos fizeram obsequiosa recepção da qual guardo as mais gratas recordações, especialmente para com o sr. conselheiro A. G. Romano, cônsul do Brasil ali há longos anos”. (...)
A missão diplomática brasileira desembarcou em Hong Kong no dia 16 de junho de 1880. Callado e Motta seguiram para Cantão e depois para Shanghai. Na volta a Hong Kong, encontraram Elysio Mendes, um dos proprietários do jornal carioca Gazeta de Notícias, que se juntou à missão. Na descrição deste jornalista, “Hong Kong é uma ilha interessante, com seus picos elevados e estreitos vales. O solo não parece muito fértil, mas o inglês tem conseguido melhorá-lo. A cidade de Vitória é assaz grande e parece trepar pela encosta acima da Victoria Peak, no bairro habitado pelos europeus as casas são vastas, bem construídas e luxuosas; no bairro chim, a aglomeração é maior, conquanto as ruas conservem essa regularidade característica das cidades inglesas”.
A passagem por Hong Kong foi movimentada. Na época a cidade festejava o tricentenário da morte de Camões celebrado com pompa, pela numerosa colônia portuguesa – na maior parte de nascidos em Macau. Em Macau seguiram em romaria à legendária gruta de Camões.
No dia da comemoração, à noite, todos foram ao Club Luzitano onde aconteceu um sarau literário e musical e em seguida uma ceia e baile, em que tocou a banda da corveta Vital de Oliveira. No grande salão estava o busto de Camões, o mesmo que se achava na gruta em Macau.
Júlio César de Noronha
A passagem por Macau com suas características portuguesas fez os viajantes terem saudades de casa. Conta Henrique Lisboa que “a suas ruas escabrosas, com suas escadinhas que lembram as velhas calçadas lisbonenses, as suas casas de construção irregular, ornadas de balcões de madeira verde, estilo árabe, ou de janelas engradadas, as numerosas igrejas e os conventos empoeirados, residências de padres que circulam gravemente, como quem tem consciência de sua influência, vestindo amplas batinas e deitando a benção sobre transeuntes, o contínuo repique os sinos e o retumbar dos tambores da guarnição, tudo dá a Macau uma fisionomia que contrasta com a das outras cidades [...]”.
Segundo a documentação disponível, o estabelecimento dos portugueses em Macau, através de uma feitoria livre, ocorreu a partir de assentamento em 1554, sendo que a cessão legal daquele sítio ao Império português data de 1557. Essa cessão foi feita pelas autoridades provinciais de Cantão, confirmada, em seguida, pelo imperador Chi-Tsung. [...] Macau continuou, entre o século XVII e meados do XIX, a ser o principal porto aberto à navegação internacional, entreposto das relações da China com os povos ocidentais. Nesta feitoria, estabeleceu-se uma rica burguesia comercial, levando à criação de uma municipalidade – o Senado da Câmara.
Chamou muito atenção da missão a vocação para o jogo, que surgiu com a decadência de Macau após a tomada de Hong Kong pelos ingleses. Macau durante séculos monopolizou as transações comerciais da Europa com a China mas, na época da passagem da missão brasileira, estava reduzida a uma modesta colônia que sobrevivia de seus cassinos. “Proibidas as casas de jogo pela legislação do Império, obtém Portugal uma importante renda desses estabelecimentos, que transformam sua colônia em um verdadeiro Mônaco chinês. Aí
acodem de Cantão e das cidades da costa até Shangai, os devotos da sorte, chins, pela maior parte e europeus alguns.
Existem em Macau estabelecimentos para todas as bolsas e condições sociais, desde a espelunca onde, à noite, numa atmosfera impregnada da fumaça do ópio e tabaco ou das emanações de aguardente de arroz, dos whisky e outras importações civilizadoras, a ralé da população arrisca ruidosamente aos dados as sujas sapecas (moeda de cobre que vale 2 réis) ganhas a custo do trabalho diário, até o elegante edifício onde mandarins e negociantes endinheirados, pagam, as emoções do jogo pelo sacrifício de avultadas quantias.”
Na cidade portuguesa os visitantes foram recebidos oficialmente pelo governador Joaquim José. “O palácio do governo de Macau é um vasto edifício cuja arquitetura nada tem de notável. A mobília que o guarnece merece, porém, a atenção dos amantes de coisas antigas, e algumas peças obteriam, certamente, como tais, preços fabulosos em Paris ou Londres. Também admirei ali o magnifico serviço de porcelana chinesa antiga, com o qual ofereceu o amável governador Graça um banquete à missão de que eu fazia parte”.
O palácio do governador ficou iluminado a noite inteira e, no dia seguinte, os navios de guerra portugueses içaram a bandeira brasileira no mastro grande e a infantaria fez guarda de honra no lugar de embarque dos dois ministros (Motta e Callado)."
Sem comentários:
Enviar um comentário