Derrubada durante o “1,2,3” de 1966, a estátua do herói Nicolau de Mesquita nunca mais foi exibida. A Associação de Comandos promete voltar a mostrá-la em breve em Portugal.
Na galeria de heróis da história de Macau dois nomes se destacam: Ferreira do Amaral e Vicente Nicolau de Mesquita. Entre eles, vários pontos de contacto: ambos militares, desempenharam papéis relevantes num dos momentos mais tensos da história do território (provavelmente o momento mais complicado da relação entre a administração portuguesa e a China). Por isso, ambos tiveram direito a estátuas que, também aí se encontram, passaram pelas mais diversas vicissitudes. As de Ferreira do Amaral são conhecidas e acabaram por ter um desfecho que, apesar de tudo, se pode considerar positivo, face ao que aconteceu à de Nicolau de Mesquita.
Derrubada por manifestantes chineses durante o “1, 2, 3″, ficou recolhida em Macau até meados dos anos 1980, à guarda das Oficinas Navais. Em meados dessa década, a Associação de Comandos fez um pedido junto do então governador Almeida e Costa para trazer a obra para Portugal, através da delegação no território. Desde então que está à guarda da Associação. José Lobo do Amaral, presidente da direcção nacional da Associação, esclareceu o Ponto Final que a estátua, que se encontrava bastante danificada, veio para Portugal, mas nunca foi exibida por falta de um local adequado. Agora que a Associação está a constituir o Museu Comando, a estátua será finalmente mostrada ao público, já restaurada. “Encontrado esse local, que pertence à Associação, está a estudar-se a melhor maneira de a exibir, integrada no espólio do Museu Comando”, diz José Amaral.
“Heróica e corajosa”
Após o assassinato de Ferreira do Amaral, coube a Nicolau de Mesquita defender a então colónia; cerca de 500 chineses encontravam-se reunidos no Forte do Passaleão, que Mesquita tomou, com a ajuda de 32 homens. A sua acção é rotulada, em diversos livros, como heróica e corajosa. Uma frase do tenente Mesquita entrou para a história: ‘quem quiser morrer que me siga’. Como lembrava este ano o investigador António Aresta, “as Portas do Cerco, melhor dizendo, Porta do Cerco, foi inaugurada em 1871, ostentando duas datas simbólicas, uma referente ao assassinato de Ferreira do Amaral (22 de Agosto de 1849), a outra, dedicada a Vicente Nicolau de Mesquita e à Batalha do Passaleão (25 de Agosto de 1849)”. O acerto de contas fez-se, mais de um século depois, em 1966, durante o “1,2,3”, tendo a estátua sido vandalizada. Restou o busto no Cemitério de São Miguel.
A estátua mais antiga
Diz-se que a história está cheia de ironias e esta pequena ronda por algumas das estátuas mais importantes de Macau comprova-o: não foi apenas Ferreira do Amaral que ‘perdeu’ a cabeça e não foi apenas a estátua de Nicolau de Mesquita que foi derrubada em Dezembro de 1966. Também aquela que é provavelmente a estátua mais antiga conhecida em Macau foi decapitada nessa altura. Conhecida como a Estátua do Holandês (ou mais correctamente ‘Figura de Ocidental [Holandês?]’, como é referido nos documentos da Fundação Oriente, “teria sido realizada por prisioneiros holandeses, na sequência da tentativa falhada de conquista do território por uma armada dos países baixos, no ano de 1622” (a batalha de 24 de Junho de 1622, uma das datas mais importantes da história de Macau).
Foi Monsenhor Manuel Teixeira quem mais se interessou pela estátua, registando que terá estado na Fortaleza da Guia, tendo sido levada por ordem do governador Silvério Marques (1959-1962) para um ‘Museu Arqueológico das Ruínas de São Paulo’. Degolada em 1966, a estátua foi novamente unificada por iniciativa de Alfredo Augusto Almeida, que recolheu o corpo da figura, e de funcionários das Obras Públicas, que encontraram a cabeça num esgoto. Na década de 1990, a estátua encontrava-se na Casa Garden, sede do extinto Museu Luís de Camões até 1989, e edifício principal da Fundação Oriente em Macau. Em 1999 veio para Lisboa, para integrar a exposição “Os Fundamentos da Amizade. Cinco séculos de relações culturais Luso-Chinesas” e no final passou para os jardins da sede da FO em Lisboa, de onde transitou para o Museu do Oriente. Ou seja, tal como as estátuas de Ferreira do Amaral e de Nicolau de Mesquita, também esta se encontra em Portugal.
Artigo intitulado "Voltar a ver gente 45 anos depois" da autoria de J.P.M. no jornal Ponto Final de 11-10-2011
Nota: informação (e fotos) adicional em vários post's, incluindo este:
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