Médico, político, revolucionário, escritor. Sun Yat-sen, o chamado “pai da China moderna”, foi tudo isto. Além de pai, marido e avô. Para comemorar o centenário da Revolução de 1911, que derrubou a Dinastia Qing, terminando com o regime imperialista, o Museu de Macau inaugurou este fim-de-semana a exposição “Pelo Povo – Sun Yat-sen e Macau”.
Os cerca de 230 objectos relacionados com o primeiro Presidente chinês pouco contam do homem, mas são uma testemunha rica do político e do médico. A ligação com Macau é constantemente lembrada: foi aqui que Sun começou a praticar medicina e desenvolveu as suas ideias revolucionárias. Macau, dizem os cartazes que abrem a exposição, foi a sua “base estratégica”.
Foi no território que, em 1892, trabalhou como médico, no hospital Kiang Wu, e estabeleceu a farmácia Chong Sai. Sun Yatsen acreditava nos benefícios da medicina ocidental e é sobre isso que versam alguns artigos seus publicados no Echo Macaense, em 1893, disponíveis na exposição. Entre vários tipos de documentação encontra-se, por exemplo, o recibo do empréstimo que o hospital lhe fez para poder estabelecer a farmácia. Nas três salas por onde se estende a exposição, encontra-se o prefácio à primeira edição do “Palavras de Advertência em Tempos de Prosperidade”, onde Sun escreve: “Ao conhecer e explorar as razões do sucesso das nações europeias, fiquei a saber que o poder das nações estrangeiras não jaz apenas na solidez dos seus navios e na força dos seus canhões, mas no uso de recursos humanos e materiais e no comércio livre”. No documento, o político desenvolve que a China deve investir nos tais recursos humanos e comércio livre para atingir o grau de desenvolvimento desejado.
“Pelo Povo – Sun Yat-sen e Macau” é uma exposição clássica, feita essencialmente de documentação histórica e algumas fotografias, e praticamente não inclui qualquer elemento interactivo. A excepção é mesmo uma cópia em tamanho A3 do livro “Sun Yat-sen and the Awakening of China” (“Sun Yat-sen e o Despertar da China”), de James Cantlie e C. Sheridan Jones. As folhas plastificadas e ampliadas permitem ao visitante folhear o livro e ler cartas do revolucionário a Cantlie, bem como algumas fotografias.
Há relatórios secretos com a lista dos revolucionários associados a Sun Yat-sen e procurados pelo Governo Qing, mapas ilustrados do plano de Sun para a reconstrução industrial da China, de 1925, e um aviso do Governo de Macau proibindo os chineses de fazerem discursos ou de se reunirem para fins políticos, de 1911.
Macau, berço da revolução
A exposição inclui vários excertos de “Kidnapped in London” (“Raptado em Londres”), livro que relata a fuga de Sun Yat-sen de Cantão, as suas viagens pelo mundo até ao rapto em Londres, que o manteve cativo na embaixada da China. Sun conseguiu fazer passar um bilhete a um amigo missionário que o fez chegar à imprensa, levando à sua consequente libertação. A partir desse momento torna-se uma figura política
reconhecida mundialmente e desenvolve os três princípios do povo: nacionalismo, democracia e bem-estar social. Apesar do seu percurso internacional, o pai da República chinesa não esquece Macau, mencionando o território em “Kidnapped in London”: “Em Macau, tive pela primeira vez conhecimento da existência de um movimento político que mais se aproximava de um partido para a regeneração da China”.
De Macau ficaram também diversas fotografias com amigos, como é o caso de uma de 1912, em que Sun se faz acompanhar do abastado comerciante Lou Lim Ieoc e de Francisco Hermenegildo Fernandes, seu amigo íntimo e com quem fundou o jornal Echo Macaense.
Francisco Fernandes é também o autor de uma carta de felicitações a Sun, depois de este ter assumido o cargo de Presidente Provisório da República da China. Apesar das fotografias expostas estarem quase na exclusividade focadas nas pessoas, é possível reconhecer o Clube Militar de Macau, à frente do qual Sun Yat-sen posa com oficiais portugueses. Embora esta seja uma exposição de cariz essencialmente político, a última secção assume um tom mais pessoal, ao exibir um excerto de uma carta de Sun Yat-sen ao filho
mais velho, Sun Fo, em 1917: “Meu filho, se queres regressar com a tua mulher e os meus dois netos, podes viver em Hong Kong e Macau enquanto aguardamos para uma mudança na situação actual”.
Seguem-se algumas fotografias de família, onde se vêem muitas crianças. Entre elas estão os quatro filhos de Sun Yat-sen: Sun Fo, Sun Yan, Sun Wan e Fumiko Miyagawa. Das três mulheres de Sun, Lu Muzhen, Kaoru Otsuki e Soong Ching-ling, é Lu Muzhen quem tem mais destaque, apesar de se ter divorciado do revolucionário em 1915. Um retrato de Lu, que se mudou para Macau após a separação, mostra uma mulher já de idade avançada. Entre as fotografias de família encontram-se imagens do casamento de Sun
Wan, filha do primeiro Presidente da China, que impressionam pela seriedade, num dia que se quer feliz. Não só os noivos se encontram de cara fechada como todos os familiares, e até as crianças, que compõem o típico retrato de casamento. Segundo o Museu de Macau, para que esta exposição fosse possível, a equipa de curadores visitou várias instituições culturais, entrevistou académicos e coleccionadores de Macau, Hong Kong, Taiwan, Xangai e Shenzhen, e consultou literatura em chinês, português e inglês.
Mais de metade dos objectos expostos, diz a organização, nunca foram antes exibidos. A maioria pertence a instituições culturais e a coleccionadores privados. “Pelo Povo – Sun Yat-sen e Macau” está aberta ao público de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, até dia 11 de Dezembro.
Artigo da autoria de I.S.G. publicado no jornal Ponto Final de 26-9-2011
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