Pinturas de Zhang Daqian, objectos da dinastia Han, desenhos de George Chinnery e documentação de guerra fazem agora parte do espólio do Museu de Macau, graças à generosidade de doadores. Entre as ofertas estão também loiças vindas do Long Kei.
Fong Song Weng era ontem um homem orgulhoso. Depois do fecho do emblemático restaurante Long Kei, em Março, do qual era sócio, temeu-se que o espaço caísse no esquecimento. Mas a preocupação do proprietário em preservar o que ficou vai assegurar que este capítulo da história gastronómica da RAEM não seja esquecido: Fong doou ao Museu de Macau um conjunto de loiças e utensílios que ornamentavam as mesas do Long Kei, estabelecimento que fez as delícias dos residentes por mais de 60 anos.
Taças, colheres, pauzinhos, chávenas, um bule e uma terrina em prata, que o proprietário garante serem uma raridade. Se em tempos foram objectos de intenso uso, hoje encontram-se dentro de uma vitrina, tal qual documento histórico que afiança o seu lugar para a posteridade.
“O Long Kei ocupa um lugar muito importante na história da cidade”, diz sorridente Fong Song Weng, apontando para a reluzente terrina: “Não se encontra destes objectos em mais nenhum restaurante de Macau”. Fong faz questão de explicar em pormenor: “É uma terrina para a sopa, ou para conter um grande melão. Lá dentro podem ir várias coisas, camarões secos, carne, sementes de papoila, vieiras”. Para o sócio do espaço, a terrina é um símbolo do próprio restaurante e dos seus clientes. “Como se pode ver é muito elegante. O Long Kei era um restaurante onde iam as elites da sociedade, por isso os utensílios que se utilizavam eram muito finos, quase como se pertencessem a um palácio.”
Fong esteve ontem no Museu de Macau para receber um certificado de doação, pelo seu contributo para o espólio da instituição. Quando questionado sobre o porquê de doar as peças ao museu e não vendê-las, responde que “o dinheiro não pode comprar o significado destes objectos.”
Apesar de acreditar que poderia fazer bom dinheiro com a venda, temia que o processo fosse “muito atabalhoado” e que os objectos “perdessem sentido”. “Prefiro que as coisas fiquem aqui, preservadas”, confessa. O restaurante Long Kei localizava-se no Largo do Senado e estava aberto desde 1945, tendo recebido em 1999 a Medalha de Mérito Turístico do Governo Português de Macau. Muito popular entre a comunidade macaense, o espaço deixou saudades entre os clientes habituais, como Miguel de Senna Fernandes, José Sales Marques e Carlos Marreiros. Em Maio de 2010 já se falava no fecho do estabelecimento, por vontade dos donos do edifício. O jornal Ou Mun afirmava que o prédio estaria a ser negociado com um empresário da RAEHK, por valores a rondarem ou até a ascenderem os 200 milhões de dólares de Hong Kong. Fong confirma que “o edifício valia muito dinheiro”.
Lâmpadas, quadros e desenhos Fong Song Weng foi um dos cinco nomes a serem ontem acrescentados à placa de doadores do museu, numa cerimónia que distinguiu quem ofereceu “artigos de grande interesse histórico e cultural ou com características próprias de Macau”. Num discurso de agradecimento, o presidente do Instituto Cultural, Guilherme Ung Vai Meng, disse que “estas valiosas doações reflectem a preocupação e o apoio da comunidade para com a causa museológica de Macau”. Em relação ao Long Kei, o responsável relembra o espaço como uma “testemunha das mudanças urbanísticas de Macau” e um lugar “carregado de doces memórias para os residentes”.
Entre os restantes objectos doados ao museu, encontram-se peças de valor histórico e cultural. É o caso dos documentos trazidos por Chan Tai Pak. Jornalista em Macau por mais de 70 anos, Chan foi membro de um grupo de resistência e salvação nacional durante o período da guerra Sino-Japonesa. Dessa época guardou documentação que agora doou ao museu. Mio Kai Tai, que actualmente vive nos Estados Unidos, veio a Macau falar da sua oferta: um quadro de Zhang Daqian, pintor que Mio teve a oportunidade de conhecer pessoalmente. Peter Siu Pei Tak, o único doador que não esteve presente na cerimónia, cedeu uma lâmpada portátil em bronze da dinastia Han e uma estatueta sancai de um guarda de túmulo a três cores, da dinastia Tang, ambos considerados “bastante valiosos” pelo museu. Um desenho a lápis em papel de George Chinnery, o pintor inglês que passou grande parte da sua vida no sul da China, foi oferecido pelo coleccionador Peter Lam. “Macau: Casas na Praia Grande” tem a particularidade de ter identificados pelo autor os proprietários de cada edifício, dotando-o de “um grande valor de referência para a investigação do ponto de vista da história da arte e da história de Macau”, disse Guilherme Ung Vai Meng. Lam já tinha cedido gratuitamente outras peças do mesmo autor, resultando na exposição “Refúgio de um viajante: obras-primas de George Chinnery”, patente no ano passado.
O Museu de Macau abriu em 1998 e já recebeu, através de doações, cerca de 300 peças ou conjuntos que passaram, deste modo, a estar disponíveis para o público.
Artigo da autoria de I.S.G. publicado no jornal Ponto Final de 12-9-2011
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