Os processos revolucionários que culminaram, em 1910, na República em Portugal, e em 1911, na China, não alteraram o curso das negociações luso-chinesas, mantendo-se as “grandes questões” como a definição dos limites de Macau, defendeu um investigador português. “Não obstante a mudança de regimes, esta não trouxe novos temas para o debate nas relações e não houve uma ruptura de negociações”, mas antes uma “continuidade”, avaliou Alfredo Gomes Dias, professor da Escola Superior de Educação de Lisboa, em entrevista à agência Lusa. “As revoluções nunca são absolutas”, tanto que “apesar da mudança em Portugal e na China, de monarquia para República e de Império para a República, [respectivamente], o diálogo manteve-se acima do que eram os regimes que existiam”, observou o docente, numa tese que defendeu em Macau no âmbito de um seminário inserido no centenário da revolução chinesa de 1911.
Pouco tempo depois da implantação da República em Portugal, o Governo provisório reuniu uma comissão para fazer um ponto da situação das questões que estavam em aberto com a China para “definir estratégias” e “dialogar num curto espaço de tempo porque era preciso dar andamento às negociações”, explicou Alfredo Gomes Dias. Entre as “grandes questões”, as “mais importantes” diziam respeito à definição dos limites de Macau e à comercialização do ópio, apontou o académico. A “muito antiga” questão dos limites de Macau – que estava pendente desde a assinatura do tratado de 1887 – tinha sido adiada e, nas vésperas das revoluções, houve uma conferência em Hong Kong “para tentar desbloquear a situação”.
Mas visões distintas impediram avanços: “A China queria reduzir Macau às barreiras antigas, às antigas muralhas da cidade, o que significaria que a administração portuguesa ocuparia cerca de metade da península de Macau, enquanto Portugal mantinha o desejo de para além da península de Macau ocupar as ilhas da Taipa e Coloane, e também Lapa, Montanha e Dom João”, disse. “Acabou por nunca se resolver [a questão] na forma da assinatura de um tratado ou acordo” e não se definir “concretamente quais eram as fronteiras”. “Foi-se mantendo o ‘status quo’ existente e que resultou na presença portuguesa em toda a península de Macau e depois nas ilhas da Taipa e Coloane”, acrescentou o investigador.
Outro dos grandes temas no âmbito das conversações luso-chinesas era o ópio, sobretudo depois do arranque do processo internacional de proibição do seu comércio, em 1909, após a conferência de Xangai. As posições “não eram exactamente as mesmas”, porque a China ao lado dos Estados Unidos tinha uma perspectiva proibicionista mais radical relativamente ao comércio do ópio e Portugal tentava participar nas conversações, acompanhar e negociar, de modo a não prejudicar aquilo que eram os interesses de Macau”. O ópio representava à época “cerca de 30 a 35 por cento da receita” de Macau que só viria a proibir o comércio entre 1945 e 1946, apesar do consenso alcançado em 1925.
Alfredo Gomes Dias é autor de vários livros sobre o território, entre os quais “Macau e a I Guerra do Ópio”, “Sob o Signo da Transição. Macau no Século XIX”, “Portugal, Macau e a Internacionalização da Questão do Ópio” e “Histórias da Cidade”.
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