Um retrato de uma macaense nascida em Macau em 1954 e que ali permaneceu até1970 ano em que partiu... Mais um exemplo da diáspora que ao longo do século XX teve vários episódios e que tenho abordado em diversos post's: 2ª Guerra Mundial, Revolução chinesa de 1949, Revolução Cultural nos anos 60 e reflexos em Macau nos incidentes de Dezembro de 1966, etc...
Nasci em Macau onde fiquei até os meus 26 anos . Eu sou de uma família de seis irmãos. Meu pai Álvaro Augusto Xavier da Luz era sub-chefe de polícia, mas foi obrigado a aposentar-se bem cedo por causa de um tiro que sofreu quando foi socorrer uma senhora assaltada numa das ruas de Macau. O tiro perfurou-lhe o baço e desde aquela data ele ficou com alguns problemas de saúde. Como aposentado ele trabalhou durante muitos anos no escritório forense do Dr. Carlos Paes d’Assumpção a quem ele tinha muito respeito e admiração.
Quando criança, morei com a minha família na Rua Nova de S. Lázaro, em cujo bairro havia muitos macaenses, como as duas famílias Cordeiro, as famílias Luz, Viana, Mendonça, Bañares, Bernardo, Amorim, Sá e Silva, entre outros. Cresci brincando na rua com toda a vizinhança. Éramos crianças livres e felizes como tantas outras crianças macaenses daquela época. Não havia computadores nem brinquedos eletrônicos, mas tínhamos muita imaginação e a gente improvisava nossos próprios brinquedos como Talú, Cinco-saco, Tapa, etc.
Quando eu tinha 13 anos, a minha família mudou-se para a Calçada do Tronco Velho, localizada na descida da antiga Escola Comercial, em frente ao Teatro Oriental. A nova casa deu-nos sorte, pois desde que mudamos, o nosso padrão de vida melhorou consideravelmente. Os meus três irmãos mais velhos, a Cíntia, o José e a Natércia foram trabalhar para Hong Kong, como faziam grande parte dos macaenses naquela época por falta de empregos em Macau, e eu e os meus dois irmãos mais novos, o Álvaro e o Rogério, ficamos com os pais em Macau.
refugiados chineses em Macau: 1962
Eu cheguei a estudar na Escola Comercial até o 2º ano, mas como queria também trabalhar em Hong Kong como os meus irmãos mais velhos, fui estudar inglês no Colégio de Santa Rosa de Lima, mas não adiantou nada porque o meu pai nunca me deixou sair de Macau. Quando saí do Colégio, prestei concurso para trabalhar na Emissora de Radiodifusão de Macau, e consegui classificar-me em primeiro lugar dentre inúmeros concorrentes. Trabalhei na Emissora durante quatro anos e era tudo o que eu queria de um emprego.
Eu era assistente de Alberto Alecrim, o Coordenador da Programação da Emissora e para minha alegria, muitas vezes ele me deixava escolher as músicas de programas como “Miscelânea Musical” ou “Músicas para seu Almoço” porque percebeu que eu tinha sensibilidade por música. Eu e o Alecrim fazíamos um programa escrito por ele intitulado “Vamos Jogar no Totobola” que eram palpites e dicas para os jogadores de totobola, mas com toques de muito humor. Todas as quartas-feiras subíamos até à torre do Edifício dos Correios (que era onde estava localizada a sala de transmissão da Emissora) e fazíamos a gravação para ser transmitida à noite – era muito divertido.
A partida de Macau
Só deixei a Emissora uma semana antes da minha saída de Macau para Portugal com o meu marido Manuel e um filho de quase dois anos e uma filha de seis meses, numa viagem extremamente cansativa por causa das crianças. Permanecemos alguns meses com os pais do Manuel (que ele não via há oito anos), e depois partimos definitivamente para o Brasil em Setembro de 1970. Senti muito em deixar Macau, o meu emprego e os meus amigos, especialmente a Helena Silva que era a minha melhor amiga (que lamentavelmente faleceu um mês depois da minha partida, num acidente de carro), os nossos sempre bons amigos Fernanda e Humberto Barros (excelentes companheiros de saídas noturnas - atualmente morando em Califórnia), o Virgílio Mendonça, que mudou-se para Portugal com a família (era o melhor amigo do meu saudoso irmão Álvaro), a minha querida e saudosa amiga e colega da Emissora, Deolinda Joaquim (também já falecida), e os meus amigos de longa data, o casal Antonio e Teresa César, que estão no Canadá. Aliás, estou muito feliz em dizer que, após ter perdido contato com o Tony e Teresa César (eu procurando por eles e eles procurando por mim durante quase 40 anos!!), acabei de “reencontrá-los” – são de facto, amigos para toda a vida.
Sou Yolanda da Luz Ramos, natural de Macau, filha de Álvaro da Luz, de família quatrocentões de Macau, (segundo o livro de Forjás) e de Marcelina Dias da Luz, que era filha de pai português (de Portugal) e mãe chinesa (de Macau). Sou casada com Manuel Ramos, um português com coração macaense, meu companheiro de todas as horas, e temos dois filhos muito amados, Isabela e Luís Manuel, nascidos em Macau. Temos também um adorável neto, Vinícius, nascido no Brasil. Os nossos dois filhos são formados em Administração de Empresas e hoje, graças a Deus, estão bem encaminhados na vida. Estamos no Brasil desde 1970 e moramos em São Paulo.
NA: Excerto de um testemunho retirado do site Memória Macaense; A última imagem é de uma rua no final da década de 1960.
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