David Abeel (1804-1846) é um dos primeiros missionários norte-americanos a estabelecer-se na China. Chega a Macau a 9 de Fevereiro de 1830 seguindo depois para Cantão. Por motivos de saúde, o missionário abandona Cantão em 1833, rumo a Java, ao Sião e a Singapura, e visita ainda a Europa a caminho dos Estados Unidos, onde prepara futuras missões na China, encontrando-se com Harriett Low (ver outro post) em Inglaterra, onde ajuda a formar a Society for Promoting Female Education in the East.
No “Journal of a Residence in China, and the Neighboring Countries; from 1829 to 1833” (Leavitt, Lord and Co., Nova Iorque, 1834), descreve a sua estada em Macau.
A surpresa reina na descrição do enclave cuja aparência europeia (Praia Grande) contrasta com a esterilidade dos territórios e das ilhas circundantes. O autor refere a superfície irregular da urbe, rodeada de campos cultivados, montes, aldeias dispersas, cenários aquáticos, e cuja aparência muda de acordo com a perspectiva ou o local de onde é vista, surpreendendo o visitante.
Quanto aos edifícios, a variedade e o tamanho são as suas características mais importantes. Relativamente à população, e de acordo com uma estatística recente de que o autor tem conhecimento, habitam na cidade 50 mil pessoas, das quais 45 mil chineses.
Macau é ainda a residência das mulheres e famílias dos comerciantes estrangeiros que se deslocam anualmente para Cantão, existindo aí cerca de 11 famílias inglesas e uma norte-americana. Quanto aos “locais de interesse”, o texto descreve os jardins e a Gruta de Camões, referindo a evangelização dos Jesuítas e a construção de igrejas e de um seminário, de onde os missionários abrem “contactos com vários pontos do interior” da China.
Como muitos outros visitantes protestantes, Abeel estranha o elevado número de igrejas (12) e de padres (40) existentes na urbe, face ao reduzido número de habitantes católicos. O olhar do autor, nem português nem católico, leva-o a descrever alguns factos a que chama de “superstições” relatadas por habitantes da cidade, nomeadamente a crença em torno do auxílio de Santo António à cidade quando da invasão holandesa (1622), pois o mesmo aparecera no ar e derrotara os invasores, milagre que pode ter sido também obra de São João Baptista, pois a batalha teve lugar no dia deste último santo. O governo do território oferece a Santo António uma festa anual que dura treze dias, criticando Abeel os excessos praticados durante a mesma. O missionário continua a sua reflexão “protestante”, criticando a vivência católica ao descrever a procissão de Santo António. O texto refere ainda a existência de templos chineses, descreve o Templo de Á-Má, “uma forma grotesca de superstição pagã”, e menciona os serviços religiosos do missionário Robert Morrison na casa deste último, em prol dos sobrecargas da Companhia das Índias inglesa, que se estabelecera no eixo Macau-Cantão em 1700.
Em 1842, o missionário visita, de novo, Malaca e outras localidades asiáticas e funda a Missão de Amoy, regressando, em 1844, doente, aos Estados Unidos, onde vem a falecer, vítima de tuberculose, em 1846.
Elaborado a partir de um texto original de Rogério Puga publicado no jornal Macau Hoje
Macau em 1830 - pintura de autor desconhecido no Biblioteca Nacional da Austrália
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