Excerto do artigo de 2006 da autoria de Leonor de Seabra, pesquisadora do Research Centre of Luso-Asian Studies, Universidade de Macau, Macau.
(...) É nos relatos dos viajantes, principalmente nos dos viajantes estrangeiros, que chegaram a Macau entre os séculos XVI e XIX, e, ainda, nas cartas dos missionários, que se fixaram naquela cidade e dali partiam para as Missões do Oriente, que se encontram referências às mulheres de Macau, embora numa perspectiva eurocentrista, a maior parte das vezes.. Só assim se poderá ficar a conhecer alguma coisa acerca dessas mulheres anónimas, que teriam acompanhado os Portugueses, quando estes se estabeleceram em Macau.
De acordo com as fontes históricas, nos primeiros tempos do estabelecimento dos Portugueses em Macau, os homens tinham ali, na sua maioria, residência temporária. Em 1563, todavia, o Padre Francisco de Sousa, ao descrever uma procissão na povoação de Macau, diz que “estavam as meninas pelas janelas com grinaldas nas cabeças e salvas de prata nas mãos cheias de rosas e redomas de água rosada que lançavam por cima do pálio e da gente que passava”, tal como sucedia, pela mesma altura, em Goa e noutras praças do Oriente. Conta ainda que, nesta mesma data, “casaram-se algumas órfãs e muitos cristãos da terra que de largo tempo viviam em pecado. Embarcaram-se para a Índia mais de 450 escravas de preço e na última nau que partiu para Malaca se embarcaram ainda duzentas que eram as mais perigosas e mais difíceis de se lançarem fora”.
(...) É nos relatos dos viajantes, principalmente nos dos viajantes estrangeiros, que chegaram a Macau entre os séculos XVI e XIX, e, ainda, nas cartas dos missionários, que se fixaram naquela cidade e dali partiam para as Missões do Oriente, que se encontram referências às mulheres de Macau, embora numa perspectiva eurocentrista, a maior parte das vezes.. Só assim se poderá ficar a conhecer alguma coisa acerca dessas mulheres anónimas, que teriam acompanhado os Portugueses, quando estes se estabeleceram em Macau.
De acordo com as fontes históricas, nos primeiros tempos do estabelecimento dos Portugueses em Macau, os homens tinham ali, na sua maioria, residência temporária. Em 1563, todavia, o Padre Francisco de Sousa, ao descrever uma procissão na povoação de Macau, diz que “estavam as meninas pelas janelas com grinaldas nas cabeças e salvas de prata nas mãos cheias de rosas e redomas de água rosada que lançavam por cima do pálio e da gente que passava”, tal como sucedia, pela mesma altura, em Goa e noutras praças do Oriente. Conta ainda que, nesta mesma data, “casaram-se algumas órfãs e muitos cristãos da terra que de largo tempo viviam em pecado. Embarcaram-se para a Índia mais de 450 escravas de preço e na última nau que partiu para Malaca se embarcaram ainda duzentas que eram as mais perigosas e mais difíceis de se lançarem fora”.
Este testemunho parece confirmar que as mulheres que acompanhavam os primeiros Portugueses, para a China, eram escravas compradas nos mercados do Oriente, escravas que os acompanhavam também nas embarcações, à maneira tradicional da navegação comercial no Oriente; e as órfãs, a que o Pe. Francisco de Sousa se refere, deviam ser as filhas dos Portugueses, euro-asiáticas, que viviam em regime de concubinato.
Segundo o Pe. Gabriel de Matos, uma das coisas que escandalizavam os mandarins era verem os Portugueses “cativar chinesas, comprando-as ou vendendo-as para fora da terra (...). Saíam por vezes (...) para outros reinos embarcações, carregadas de meninos e meninas”.
Em 1617, o aitao de Cantão fez publicar um decreto do imperador Wan-Li, também conhecido por Man Lec (1573-1620), no qual se proibia, aos Portugueses, “comprar súbdito algum no Império chinês”. Contudo, por meio de peitas aos mandarins ou tráfico com Chineses menos escrupulosos, este decreto parece nem sempre ter sido cumprido.
Segundo o Pe. Gabriel de Matos, uma das coisas que escandalizavam os mandarins era verem os Portugueses “cativar chinesas, comprando-as ou vendendo-as para fora da terra (...). Saíam por vezes (...) para outros reinos embarcações, carregadas de meninos e meninas”.
Em 1617, o aitao de Cantão fez publicar um decreto do imperador Wan-Li, também conhecido por Man Lec (1573-1620), no qual se proibia, aos Portugueses, “comprar súbdito algum no Império chinês”. Contudo, por meio de peitas aos mandarins ou tráfico com Chineses menos escrupulosos, este decreto parece nem sempre ter sido cumprido.
Já no século XVI, o Reino interviera na repressão do comércio de escravos, no Oriente. E isto porque, desde os mercados dos países árabes ao famoso mercado de Goa, os Portugueses podiam comprar escravas provenientes das mais diversas partes de África e da Ásia, o que incrementou este comércio de tal forma que, desde 1520, foi proibido por D. Manuel “que se levassem para a Europa escravos de qualquer casta”, proibição reiterada em 1571, por D. Sebastião. Em 1595, na sequência de queixas das autoridades chinesas contra os Portugueses que compravam raparigas daquela etnia para suas criadas e as exportavam como escravas, foram estabelecidas sanções.
Durante o século XVII, também, foram feitas várias proibições sobre a escravatura de Chineses, mas sem produzir qualquer efeito prático. Aos residentes de Macau, naquela época, quase todos ainda ricos e poderosos, pouco afectavam as leis do Reino, habituados como estavam a ser praticamente auto-governados, distantes da jurisdição de Goa e, tendo à frente do Senado, um grupo de mercadores que eram os mais ricos da Cidade.
Durante o século XVII, também, foram feitas várias proibições sobre a escravatura de Chineses, mas sem produzir qualquer efeito prático. Aos residentes de Macau, naquela época, quase todos ainda ricos e poderosos, pouco afectavam as leis do Reino, habituados como estavam a ser praticamente auto-governados, distantes da jurisdição de Goa e, tendo à frente do Senado, um grupo de mercadores que eram os mais ricos da Cidade.
Em 1715, o Pai dos Cristãos (o Bispo de Macau) proibiu, mais uma vez, a compra de escravas e o envio de mui tchai de Macau para Goa ou outro lugar. A par das condenações eclesiásticas e da pressão das autoridades chinesas continuavam a suceder-se as proibições do Reino, embora sem grande efeito prático.
Como o infanticídio feminino era uma prática corrente na China, muitos Chineses, pressionados pela miséria, em vez de matarem as suas filhas, vendiam-nas aos Portugueses. Outros, roubavam-nas ou compravam-nas aos seus conterrâneos para as revenderem em Macau. Este comércio, de crianças roubadas ou revendidas, parece ter sido o meio mais usado para aquisição de mui tsai, porque, muitos Chineses, na sua maioria, temiam represálias dos eus Antepassados falecidos, no caso dos seus descendentes mudarem de religião, adoptando a dos bárbaros, uma vez que as crianças lhes fossem vendidas directamente. Surgiram, assim, muitos Chineses sem escrúpulos a praticarem este tráfego com os Portugueses de Macau, que, com ele, auferiam grandes lucros. As escravas chinesas eram, geralmente, raptadas quando crianças, por traficantes locais, ou vendidas pelos próprios pais, podendo as mesmas ser libertadas por algum ricaço, que as quisesse levar para suas casas como concubinas. (...)
Como o infanticídio feminino era uma prática corrente na China, muitos Chineses, pressionados pela miséria, em vez de matarem as suas filhas, vendiam-nas aos Portugueses. Outros, roubavam-nas ou compravam-nas aos seus conterrâneos para as revenderem em Macau. Este comércio, de crianças roubadas ou revendidas, parece ter sido o meio mais usado para aquisição de mui tsai, porque, muitos Chineses, na sua maioria, temiam represálias dos eus Antepassados falecidos, no caso dos seus descendentes mudarem de religião, adoptando a dos bárbaros, uma vez que as crianças lhes fossem vendidas directamente. Surgiram, assim, muitos Chineses sem escrúpulos a praticarem este tráfego com os Portugueses de Macau, que, com ele, auferiam grandes lucros. As escravas chinesas eram, geralmente, raptadas quando crianças, por traficantes locais, ou vendidas pelos próprios pais, podendo as mesmas ser libertadas por algum ricaço, que as quisesse levar para suas casas como concubinas. (...)
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