Em 1890 António Gonçalves Pereira (1855-1942) viaja até ao Reino do Sião (actual Tailândia). É uma das muitas viagens que este oficial da marinha (captião-tenente médico no início do século XX) faz ao longo de 28 anos de serviço no Oriente (1888-1916). Eis um excerto.
"O governador de Macau, que era também embaixador de Portugal junto da corte do rei do Sião, tinha de ir ali apresentar as suas credenciais. Mandou aprontar a canhoneira que deveria ir esperá-lo a Saigão, visto ele e a sua comitiva irem a bordo de um navio francês até aquele porto. De Saigão iriam a bordo da canhoneira por ser rara a navegação para o Golfo do Sião.
Viagem óptima até Saigão e, se alguma coisa a perturbou, foi o imenso calor que sofremos. Principalmente depois de passarmos a ponta de Saint-Jacques e entrarmos no rio, onde se tornou insuportável. (...) No dia seguinte ao da chegada, levantamos ferro e começamos a descida para o Golfo do Sião. Depois de contornarmos a costa do Vietname, entrámos no Golfo. Começaram as chuvas torrenciais, as trovoadas medonhas e o calor abrasador. A canhoneira fundeou quase a meio do Golfo, e tão distante da terra que esta nem com um binóculo se via. O Golfo está muito assoreado, as margens são muito baixas e não há balizas que mostrem com segurança a foz do Menam. Havia, pois, toda a necessidade de cautela para que o navio não ficasse todo encalhado no lodo. Depois de fundearmos apareceu uma lancha a vapor para conduzir o governador a Bangkok. Nós seguimos a bordo da nossa lancha a vapor. A distância da canhoneira à foz do Menam era muito grande e tinha de ser feita com toda a cautela. Entrámos no Menam. Na margem esquerda está a povoação de Pak-nam, fortificada para a defesa da entrada do rio. Vê-se um pagode branco, em forma de pirâmide cónica e muito alta.
Uma linha férrea dali para Bangkok ia ser inaugurada dentro de poucos dias. Subimos o rio que é larguíssimo, caudaloso, e onde podem navegar navios de grandes dimensões. As margens do rio são quase impenetráveis pela compacta vegetação que as cobre, estendendo-se pelas encostas das montanhas que de um e outro lado se erguem. Não se vêem sinais de existência de seres humanos naquelas matas virgens a perderem-se de vista: árvores colossais e afluentes caudalosos. Assim seguimos, com a mesma paisagem, até Bangkok num percurso de trinta quilómetros em que se gastam sete horas a subir o rio, debaixo de um forte calor tropical. Numa curva do rio avistam-se, ao longe, esguias torres de várias formas e feitios e, por fim, entrámos no estuário de Bangkok. (...)
Atracámos a um pequeno cais nos jardins do consulado português e dirigimo-nos para um hotel onde nos instalámos. A cidade de Bangkok é a capital do reino do Sião. Fica a 25 quilómetros da foz do rio Menam, que a divide ao meio, ficando à direita uma parte composta de choupanas, jardins e grande número de pagodes, e à esquerda a cidade propriamente dita, que tem dez quilómetros de raio. Entre elas fica o grande estuário, onde flutuam milhares de embarcações e jangadas de todas as formas e tamanhos, paradas ou em movimento, sempre embandeiradas, parecendo que se está em festa. As margens são guarnecidas de casas, todas de madeira, parte delas em terra e parte delas sobre o rio, assentes em fortes estacas, havendo entre elas magníficos e grandes jardins. Muita gente habita em casas construídas sobre jangadas, entre as quais a do embaixador da Noruega, que numa delas tinha a sua embaixada.
Na cidade propriamente dita está a cidadela com o Palácio Real e todas as dependências dele. É rodeada por uma muralha com várias portas e torreões, alguns dotados de peças de artilharia.
Tanto dentro como fora da cidadela vêem-se numerosas e formosas torres de templos e pirâmides, maravilhosamente recortadas, guarnecidas de cristais e porcelanas, onde se reflectem os raios solares, produzindo um efeito deslumbrante. Dentro da cidadela está o palácio real, construção semi-europeia e siamesa. É sumptuoso, mas sem obedecer a uma arquitectura clássica, quer europeia, quer oriental. Os salões que nos foi permitido ver são amplos, bem mobilados e há um onde estão os bustos de todos os monarcas europeus trabalhados em mármore e grandes vitrinas com valiosíssimos presentes dados por esses monarcas. Entre eles está o busto do nosso saudoso rei D. Luís e o seu respectivo presente: um binóculo de ouro todo cravejado de brilhantes e esmeraldas.
Ao lado do palácio destacam-se: o Mahaprasat, majestoso de quatro fachadas com magníficas esculturas, terminando num alto pináculo dourado. É ali que o rei recebe os embaixadores e é ali que jaz o rei defunto, encerrado numa urna de ouro durante um ano, até que se proceda à sua incineração. É ali que vão pregar os monges mais sábios. O Wat-Phra-Keo, o templo de Buda Esmeralda é riquíssimo. As portas são de ébano com incrustações de prata, o chão é coberto por uma esteira de prata, as paredes maravilhosamente pintadas com assuntos da vida siamesa. No corochéu dum elevado altar está um Buda feito de uma só esmeralda, de três palmos de altura e dois de largo, cujo valor é inestimável. Os pagodes reais são de uma tal magnificência que não se faz ideia na Europa. Há onze dentro da cidadela e uns vinte fora das muralhas. Vêm depois os currais dos elefantes brancos que são admiráveis exemplares de paquidermes, e muito numerosos. Foram-nos apresentados pelos tratadores, que lhes deram uma refeição de palha diante de nós. Não são totalmente brancos, mas de cor amarelada. Em todo o caso, não são pretos como os que em geral se vêem."
Viagem óptima até Saigão e, se alguma coisa a perturbou, foi o imenso calor que sofremos. Principalmente depois de passarmos a ponta de Saint-Jacques e entrarmos no rio, onde se tornou insuportável. (...) No dia seguinte ao da chegada, levantamos ferro e começamos a descida para o Golfo do Sião. Depois de contornarmos a costa do Vietname, entrámos no Golfo. Começaram as chuvas torrenciais, as trovoadas medonhas e o calor abrasador. A canhoneira fundeou quase a meio do Golfo, e tão distante da terra que esta nem com um binóculo se via. O Golfo está muito assoreado, as margens são muito baixas e não há balizas que mostrem com segurança a foz do Menam. Havia, pois, toda a necessidade de cautela para que o navio não ficasse todo encalhado no lodo. Depois de fundearmos apareceu uma lancha a vapor para conduzir o governador a Bangkok. Nós seguimos a bordo da nossa lancha a vapor. A distância da canhoneira à foz do Menam era muito grande e tinha de ser feita com toda a cautela. Entrámos no Menam. Na margem esquerda está a povoação de Pak-nam, fortificada para a defesa da entrada do rio. Vê-se um pagode branco, em forma de pirâmide cónica e muito alta.
Uma linha férrea dali para Bangkok ia ser inaugurada dentro de poucos dias. Subimos o rio que é larguíssimo, caudaloso, e onde podem navegar navios de grandes dimensões. As margens do rio são quase impenetráveis pela compacta vegetação que as cobre, estendendo-se pelas encostas das montanhas que de um e outro lado se erguem. Não se vêem sinais de existência de seres humanos naquelas matas virgens a perderem-se de vista: árvores colossais e afluentes caudalosos. Assim seguimos, com a mesma paisagem, até Bangkok num percurso de trinta quilómetros em que se gastam sete horas a subir o rio, debaixo de um forte calor tropical. Numa curva do rio avistam-se, ao longe, esguias torres de várias formas e feitios e, por fim, entrámos no estuário de Bangkok. (...)
Atracámos a um pequeno cais nos jardins do consulado português e dirigimo-nos para um hotel onde nos instalámos. A cidade de Bangkok é a capital do reino do Sião. Fica a 25 quilómetros da foz do rio Menam, que a divide ao meio, ficando à direita uma parte composta de choupanas, jardins e grande número de pagodes, e à esquerda a cidade propriamente dita, que tem dez quilómetros de raio. Entre elas fica o grande estuário, onde flutuam milhares de embarcações e jangadas de todas as formas e tamanhos, paradas ou em movimento, sempre embandeiradas, parecendo que se está em festa. As margens são guarnecidas de casas, todas de madeira, parte delas em terra e parte delas sobre o rio, assentes em fortes estacas, havendo entre elas magníficos e grandes jardins. Muita gente habita em casas construídas sobre jangadas, entre as quais a do embaixador da Noruega, que numa delas tinha a sua embaixada.
Na cidade propriamente dita está a cidadela com o Palácio Real e todas as dependências dele. É rodeada por uma muralha com várias portas e torreões, alguns dotados de peças de artilharia.
Tanto dentro como fora da cidadela vêem-se numerosas e formosas torres de templos e pirâmides, maravilhosamente recortadas, guarnecidas de cristais e porcelanas, onde se reflectem os raios solares, produzindo um efeito deslumbrante. Dentro da cidadela está o palácio real, construção semi-europeia e siamesa. É sumptuoso, mas sem obedecer a uma arquitectura clássica, quer europeia, quer oriental. Os salões que nos foi permitido ver são amplos, bem mobilados e há um onde estão os bustos de todos os monarcas europeus trabalhados em mármore e grandes vitrinas com valiosíssimos presentes dados por esses monarcas. Entre eles está o busto do nosso saudoso rei D. Luís e o seu respectivo presente: um binóculo de ouro todo cravejado de brilhantes e esmeraldas.
Ao lado do palácio destacam-se: o Mahaprasat, majestoso de quatro fachadas com magníficas esculturas, terminando num alto pináculo dourado. É ali que o rei recebe os embaixadores e é ali que jaz o rei defunto, encerrado numa urna de ouro durante um ano, até que se proceda à sua incineração. É ali que vão pregar os monges mais sábios. O Wat-Phra-Keo, o templo de Buda Esmeralda é riquíssimo. As portas são de ébano com incrustações de prata, o chão é coberto por uma esteira de prata, as paredes maravilhosamente pintadas com assuntos da vida siamesa. No corochéu dum elevado altar está um Buda feito de uma só esmeralda, de três palmos de altura e dois de largo, cujo valor é inestimável. Os pagodes reais são de uma tal magnificência que não se faz ideia na Europa. Há onze dentro da cidadela e uns vinte fora das muralhas. Vêm depois os currais dos elefantes brancos que são admiráveis exemplares de paquidermes, e muito numerosos. Foram-nos apresentados pelos tratadores, que lhes deram uma refeição de palha diante de nós. Não são totalmente brancos, mas de cor amarelada. Em todo o caso, não são pretos como os que em geral se vêem."
António José Gonçalves Pereira in "Imagens do Oriente: impressões de viagens". Macau: Museu Marítimo, 1999.
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