O livro foi escrito por Jorge Pinheiro amigo de longa data da família Machado. A introdução é da autoria de Beatriz Basto da Silva, amiga e antiga colega da "madame" no Liceu de Macau. Foi apresentado em Outubro de 2011 na Casa de Macau em Lisboa por ocasião do 90º aniversário da visada, a prof. Manuela Machado.
Apresentação do livro em Outubro de 2011. Foto de Sofia Morais |
"Maria Manuel Pimenta de Castro Machado fez no dia 21 de Outubro noventa anos. É a primeira senhora a contar da esquerda. Para comemorar o aniversário, os quatro filhos resolveram oferecer-lhe uma biografia. Coube-me a honra de escrever o livro. A sua vida longa e rica passou por Lisboa, Angola, Moçambique e Macau. Uma vida que percorreu muita História. Desde as convulsões da I República, à Guerra do Ultramar e ao 25 de Abril. Foram longas horas de conversa. Uma memória prodigiosa. Uma força impressionante. Entrevistei muita gente. Da família e fora dela. Viajei virtualmente por sítios desconhecidos. Macau foi uma surpresa. Foram 10 meses de trabalho intenso e gratificante. "Há Biscoitos no Armário" é uma viagem e uma lição de amor. O Armário existe mesmo. É um Armário mágico. Está na sala da casa da família. Um Armário cheio de afectos, onde os netos e bisnetos encontram sempre os biscoitos favoritos de cada um. Foi com esta alegoria que surgiu o fio condutor da narrativa. Foi com o medalhão da porta do Armário que a Mafalda Diniz estilizou a capa (pode-se ver num post abaixo). Acabado o livro, fiquei sem trabalho... Não sei se vá de férias ou se comece a pensar no próximo livro. Há um alívio e, simultaneamente, um desassossego."
Excerto:
“Bonjour Madame! e os alunos entravam noutro mundo. Um mundo europeu e distante. Um mundo longínquo. Um mundo erudito, quase incompreensível. Uma língua de adultos. Uma língua fora de contexto. Uma língua curricular. Este era o desafio de Maria Manuel. Tornar acessível uma disciplina pouco apelativa. O francês fora importante em Macau no século XIX. Mas agora o inglês tudo dominava. Quem falava francês no oriente? Para que servia? Maria Manuel conseguiu desmistificar as dificuldades que se imaginavam na língua gaulesa. Bonjour Madame! A memória ficou para sempre nos alunos. Gerações que cantaram Au clair de la lune, Frère Jacques, Sur le Pont d´Avignon. Êxitos populares. Melodias de sempre. Canções que ainda hoje lembram a Madame. As aulas de Maria Manuel eram inesquecíveis. Os seus métodos inovadores cedo cativaram os alunos. Utilizava o gira-discos e os discos de vinil de 45 rotações. Nas aulas passava músicas e canções francesas da moda. Despertou o interesse por uma língua pouco utilizada naquelas paragens. Conquistou, rapidamente, a estima dos alunos. Tornou-se numa professora memorável. Ainda hoje todos sabem quem é a Madame. Com ela, as aulas eram animadas. Corriam num ápice. Madame Machado não deixava ninguém desatendido. A sua visão funcionava como um verdadeiro radar, detectando tudo e todos. Os alunos aprenderam a complicada conjugação dos verbos e a hermética gramática francesa. A pronúncia era tarefa mais difícil. Mais um desafio que se venceu. Maria Manuel deixou saudades, quando partiu em 1973. O Liceu ficou sem uma grande professora. Uma mulher com um enorme sentido humano. Alguém que olhava os alunos como filhos. Uma mulher inolvidável. Franzina, de aparência frágil, pele alva, cabelos negros. Boca larga e sorriso pronto. Olhar penetrante, lúcido e sagaz. Maria Manuel Machado possuía uma elegância e uma finura no trato que ressaltavam. Destacava-se das outras docentes. O volume da voz. O seu timbre. Tudo nela era diferente. Uma presença. Uma personalidade determinada e generosa. A sua elegância era natural. A sua conversa, espontânea. A sua alegria, contagiante. Se estava triste ou preocupada, não deixava transparecer. Tinha uma postura clássica. Simples, mas sempre muito arranjada. O penteado, a roupa, as jóias, o calçado, tudo era clássico. Tudo condizia maravilhosamente, de uma forma sóbria. Nada de modernices. Nada de coisas à chinesa. Muito feminina. Sempre chique. Sempre discreta. Sempre bem. Maria Manuel era muito imaginativa. Uma especial predilecção pelo trabalho de mãos. As aulas de apoio à Mocidade Portuguesa Feminina beneficiavam do seu talento. Com ela, a empatia era imediata. Um relacionamento que não se explica. Havia nela uma fé, uma crença, uma certeza, que tudo vencia. Uma força que se reconhecia. Um querer que tudo fazia. Maria Manuel sempre foi muito mais do que a mulher de um oficial do exército. Trilhou a sua carreira com competência e profissionalismo. Mais que uma professora, Maria Manuel é uma educadora. Uma educadora nata. O seu tom nunca foi imperativo. Ensinar para ela é natural. Aprender com ela é um prazer. Nunca uma obrigação.
“Bonjour Madame! e os alunos entravam noutro mundo. Um mundo europeu e distante. Um mundo longínquo. Um mundo erudito, quase incompreensível. Uma língua de adultos. Uma língua fora de contexto. Uma língua curricular. Este era o desafio de Maria Manuel. Tornar acessível uma disciplina pouco apelativa. O francês fora importante em Macau no século XIX. Mas agora o inglês tudo dominava. Quem falava francês no oriente? Para que servia? Maria Manuel conseguiu desmistificar as dificuldades que se imaginavam na língua gaulesa. Bonjour Madame! A memória ficou para sempre nos alunos. Gerações que cantaram Au clair de la lune, Frère Jacques, Sur le Pont d´Avignon. Êxitos populares. Melodias de sempre. Canções que ainda hoje lembram a Madame. As aulas de Maria Manuel eram inesquecíveis. Os seus métodos inovadores cedo cativaram os alunos. Utilizava o gira-discos e os discos de vinil de 45 rotações. Nas aulas passava músicas e canções francesas da moda. Despertou o interesse por uma língua pouco utilizada naquelas paragens. Conquistou, rapidamente, a estima dos alunos. Tornou-se numa professora memorável. Ainda hoje todos sabem quem é a Madame. Com ela, as aulas eram animadas. Corriam num ápice. Madame Machado não deixava ninguém desatendido. A sua visão funcionava como um verdadeiro radar, detectando tudo e todos. Os alunos aprenderam a complicada conjugação dos verbos e a hermética gramática francesa. A pronúncia era tarefa mais difícil. Mais um desafio que se venceu. Maria Manuel deixou saudades, quando partiu em 1973. O Liceu ficou sem uma grande professora. Uma mulher com um enorme sentido humano. Alguém que olhava os alunos como filhos. Uma mulher inolvidável. Franzina, de aparência frágil, pele alva, cabelos negros. Boca larga e sorriso pronto. Olhar penetrante, lúcido e sagaz. Maria Manuel Machado possuía uma elegância e uma finura no trato que ressaltavam. Destacava-se das outras docentes. O volume da voz. O seu timbre. Tudo nela era diferente. Uma presença. Uma personalidade determinada e generosa. A sua elegância era natural. A sua conversa, espontânea. A sua alegria, contagiante. Se estava triste ou preocupada, não deixava transparecer. Tinha uma postura clássica. Simples, mas sempre muito arranjada. O penteado, a roupa, as jóias, o calçado, tudo era clássico. Tudo condizia maravilhosamente, de uma forma sóbria. Nada de modernices. Nada de coisas à chinesa. Muito feminina. Sempre chique. Sempre discreta. Sempre bem. Maria Manuel era muito imaginativa. Uma especial predilecção pelo trabalho de mãos. As aulas de apoio à Mocidade Portuguesa Feminina beneficiavam do seu talento. Com ela, a empatia era imediata. Um relacionamento que não se explica. Havia nela uma fé, uma crença, uma certeza, que tudo vencia. Uma força que se reconhecia. Um querer que tudo fazia. Maria Manuel sempre foi muito mais do que a mulher de um oficial do exército. Trilhou a sua carreira com competência e profissionalismo. Mais que uma professora, Maria Manuel é uma educadora. Uma educadora nata. O seu tom nunca foi imperativo. Ensinar para ela é natural. Aprender com ela é um prazer. Nunca uma obrigação.
Em Macau, durante a primeira comissão, de 1954 a 1960, Maria Manuel dava aulas de francês na Escola Comercial Pedro Nolasco e no Liceu de Macau, o Liceu Nacional Infante D. Henrique, a funcionar ainda na zona de Tap Seac que, em cantonês, quer dizer Torre de Pedra. Tap Seac era uma várzea pantanosa, um foco de peste, onde os insectos proliferavam. No inicio do século XX, fez-se o aterro e iniciou-se o bairro, com edifícios de estilo neo-clássicos, tipicamente de arquitectura colonialista. Um bairro hoje classificado pela UNESCO. De 1924 a 1958 aqui funcionou o Liceu. Mais tarde, durante a segunda comissão, de 1967 a 1973, o Liceu funcionava, então, ao lado do Hotel Lisboa. Um edifício que, na gíria, se chamava Cinzento. As cores das paredes em Shangai Plaster, muito ao estilo Estado Novo. Ficava na antiga Avenida Oliveira Salazar (hoje Avenida Dr. Mário Soares). (...) Mais tarde, muito mais tarde, já em Lisboa, uma coisa que sempre emociona Maria Manuel é encontrar um antigo aluno de Macau. Nas ruas da Baixa, num eléctrico ou num autocarro. Reconhecem-na. Falam-lhe. Ela continua a ser uma referência. Um marco. Conversas intermináveis, feitas de respeito e nostalgia. Em 1996, a Associação dos Antigos Alunos do Liceu de Macau convidou Maria Manuel para o centenário do Liceu. Foi a última vez que foi a Macau. Uma comoção enorme. Estava tudo pago. Estadia e tudo. Maria Manuel comemorou lá os seus setenta e cinco anos, a 21 de Outubro de 1996. Os antigos alunos são, agora, respeitáveis senhores e senhoras de cinquenta anos. Todos em cargos importantes de empresas ou da Administração. Gente que nunca a esqueceu. Gente para quem nunca deixou de ser a Madame.”
Obrigado pelo realce.
ResponderEliminarJorge Pinheiro