A criação do Senado, nos finais do século XVI (1582/1583), decorre do anseio de autogoverno da comunidade mercantil portuguesa radicada em Macau, e também como uma maneira de garantir um enquadramento político-administrativo permanente para uma zona que só intermitentemente era visitada por um representante da Coroa – o capitão da viagem da China e do Japão. Esta forma de governo da cidade de Macau seria aprovada pelo vice-rei da Índia D. Francisco de Mascarenhas e reconhecida pelo seu sucessor D. Duarte de Meneses, sendo monarca Filipe I, que concederia um alvará de 10 de Abril de 1586 para o Senado exercer as suas funções administrativas, nos mais variados aspectos e sectores – excepto o militar – , assim como a condução das relações externas com os Impérios Português e Chinês e outras potências internacionais.
A constituição do Senado de Macau seria semelhante à de um município português do Século XVI. Nele encontramos os cargos de vereador (três), de juiz (dois) e o procurador (um) que, em conjunto, formavam o Senado da Câmara de Macau. Em 1626, o vice-rei da Índia concede ao Senado de Macau, por alvará de 1626, o privilégio de prover directamente a vara de alcaide da Cidade. Por volta de 1643, seriam reconfirmados os direitos e privilégios já concedidos pelos anteriores monarcas, por provisão do vice-rei da Índia, conde de Aveiras, que serão de novo reafirmados em 1689, por um alvará do vice-rei da Índia, D. Rodrigo da Costa. De igual modo a 30 de Dezembro de 1709 por Carta Régia, o rei D. João V, confirma os alvarás outorgados ao Senado em 1689, assim como por Carta de Declaração, de 6 de Janeiro de 1712, o mesmo monarca confirma as competências do Senado. Por volta de 1740, o vice-rei da Índia, na ausência do ouvidor nomeado, aceita que o cargo seja exercido por um juiz ordinário, o que levou à extinção da ouvidoria em Macau – a ouvidoria só veio a ser restabelecida em 1743 – passando as funções de ouvidor para o juiz mais velho do Senado. A partir dos meados do século XVIII, o Estado português tomou medidas centralizadoras para tentar controlar o desempenho do Senado de Macau. Assim em 1783, o ministro da Marinha e Ultramar, em cumprimento das Providências Régias de D. Maria I, enviou ao governador da Índia, “Instruções” para introduzir reformas no Senado de Macau, Portaria de 12 de Abril de 1784. Assim o Senado seria cerceado dos seus principais poderes. No início do século XIX Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão (1807) e a família real refugia-se no Brasil (1808). O Senado de Macau envia ao Brasil um navio com uma valiosa prenda de marfim para a rainha D. Maria I. Em 1810, o príncipe regente (futuro D. João VI) concede ao Senado o título de Leal, assim como em 1818 o título de Senhoria pela aclamação da subida ao trono de D. João VI. Em 1820, desponta a revolução liberal, iniciando-se a fase de monarquia constitucional. D. João VI regressa do Brasil em 1821, as cortes constituintes elaboram a primeira Constituição, que o Rei jura no ano seguinte. Em 1822, em sessão solene do Leal Senado, adere-se à monarquia constitucional e jura-se a Constituição. O Leal Senado aproveita a ocasião para tentar recuperar os seus privilégios, em representação dirigida ao Rei, passando pouco depois a ter nova composição, com a substituição dos conservadores pelos liberais, e recupera, embora por pouco tempo, os privilégios perdidos com as provisões reais de 1783. No ano de 1834, com a Nova Reforma Administrativa Colonial, que reestrutura a administração portuguesa ultramarina, coloca o Leal Senado sob a alçada do governador e vê-se reduzido a um mera Câmara Municipal. A 22 de Fevereiro de 1835 o governador de Macau, Bernardo José de Sousa Soares de Andrea, dissolve o Leal Senado, passando ele próprio a presidir às suas sessões. Por volta de 1837, o governador de Macau, Adrião Acácio da Silveira Pinto, equipara, efectivamente, o Leal Senado, a mera Câmara Municipal, sendo reafirmado em 1844 pela rainha D. Maria II, por Carta de Lei de 2 de Março. Em finais de 1847, o governador Ferreira de Amaral, dissolve o Leal Senado e nomeia uma comissão municipal, por Decreto de 29 de Dezembro, sendo ordenada nova eleição. Também a Procuratura saiu da tutela do Leal Senado, sendo anexada à Secretaria do Governo, em 1863, por ordem da Rainha. O Leal Senado, enquanto mera Câmara Municipal veio a encontrar o seu principal enquadramento no Código Administrativo de 1842, aprovado pelo Decreto de 18 de Março, e posto em vigor na colónia de Macau pela Portaria n.º 47, de 7 de Dezembro de 1868. A composição do Leal Senado conta com seis vereadores, sendo o presidente e o vice-presidente escolhidos entre os seus pares. A sua jurisdição ficou confinada apenas à Cidade de Macau.
Leal Senado ca. 1870 |
Em 1896 seria aprovado o Código de Posturas Municipais do Concelho de Macau e também proibido o Leal Senado de se corresponder directamente com o governo da Metrópole. Durante 1914 haviam sido publicadas as leis orgânicas da administração civil e financeira das provinciais ultramarinas, Leis n.ºs 277 e 278, de 15 de Agosto. Nos termos da primeira, cada província deveria ter a sua Carta Orgânica. A Carta Orgânica de Macau seria atribuída em 1918, pelo Decreto n.º 3520, de 5 de Novembro. De acordo com a Carta Orgânica, as instituições municipais seriam representadas em Macau por uma Câmara, que continuaria a usar a designação de Leal Senado da Câmara da Cidade de Macau, e uma comissão municipal. O Leal Senado era constituído por cinco vogais e igual número de substitutos, eleitos directamente pelos eleitores do concelho. O presidente e o vice-presidente seriam eleitos pelos vereadores. Em Julho de 1918, pelo Decreto n.º 4627, de 1 de Julho, revogou-se aquela carta, tal como a das outras províncias ultramarinas, mas que seria reposta em 1919 pelo Decreto n.º 5779 de 10 de Maio. Pelo Diploma Legislativo n.º 10 de 15 de Março de 1922, seria publicada a “Organização das Instituições Municipais da Província de Macau”, sendo confirmados os municípios das ilhas e de Macau, conservando este último o seu títuto honorífico.
Leal Senado: ca. 1900 |
Por volta de 1933, pelos Decretos-Lei n.ºs 23228 e 23229, de 15 de Novembro seriam publicadas a Carta Orgânica do Império Colonial Português e a Reforma Administrativa Ultramarina, que entraram em vigor a 1 de Janerio de 1934. Esta última reforma seria o principal diploma de enquadramento dos municípios de Macau até à publicação do regime jurídico de 1999. O presidente do Leal Senado era nomeado pelo governador e composto por quatro vogais, sendo dois eleitos por sufrágio directo e dois indirectamente pelas associações, económicas e profissionais do concelho. Por volta de 1948, a organização dos serviços do Leal Senado é alterada, com o intuíto da admissão de mulheres, pela Portaria n.º 4442, de 25 de Setembro, mas apenas para certos cargos como dactilógrafos, arquivísticas, amanuenses e jornaleiros. Em 1955 seria publicado o Estatuto da Província de Macau, pelo Decreto n.º 40227, de 5 de Julho, reafirmando a designação de Leal Senado ao corpo administrativo de Macau, assim como o presidente do Leal Senado seria nomeado e exonerado livremente pelo governador. Durante 1961, verificou-se algumas alterações à Reforma Administrativa do Ultramar, pelo Decreto n.º 43730 de 12 de Junho e Portarias n.º 6802 de 7 de Outubro e n.º 6858 de 30 de Dezembro; em que as câmaras municipais seriam constituídas por um presidente, que em regra geral seria o administrador do concelho, e por quatro vogais eleitos quadrienalmente. Dos vogais, dois seriam eleitos pelos organismos representativos dos interesses morais e espirituais e associações de interesses económicos ou profissionais, ou na sua falta, pelos contribuintes, pessoas singulares de nacionalidade portuguesa, recenseados, com um mínimo de contribuição directa de 1000$00 escudos. Os restantes dois vogais, seriam eleitos por sufrágio directo dos cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral. Em 1963, apareceu a Lei Orgânica do Ultramar Português, pela Portaria n.º 19921 de 27 de Junho, que em relação aos municípios, repôs a ideia de que o presidente da Câmara é designado pelo governador de cada província, podendo recair no administrador do concelho, quando circunstâncias especiais o justificassem. Já em Macau, a composição do Leal Senado, seria formado por um presidente, nomeado e exonerado livremente pelo governador, por quatro vogais eleitos, conforme fosse estabelecido na lei e, ainda, por dois representantes da comunidade chinesa designados pelo governador. Por volta de 1968, pelo Decreto n.º 48575 de 12 de Setembro e Portarias n.º 8848 de 14 de Dezembro e n.º 8936 de 31 de Dezembro, seria definido que as câmaras municipais poderiam ter um vice-presidente, também nomeado pelo governador. Já em 1976 seria publicado O Estatuto Orgânico de Macau, pela Lei Constitucional n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, que atribuía ao governador a competência de superintender no conjunto da administração públicas, em que se incluíam os municípios e à Assembleia Legislativa a aprovação das bases gerais do regime jurídico da administração local. Também em 1984 as deliberações das Câmaras seriam tomadas por votação de todos os membros presentes, incluindo o presidente e o vice-presidente, tendo o primeiro voto de qualidade, pelo Decreto-Lei n.º 60/84/M de 30 de Junho. Por volta de 1986, pelas Portarias n.ºs 95/86/M e 96/86/M de 20 de Julho, seriam dissolvidos o Leal Senado e a Câmara das Ilhas, aquando da revisão de legislação das autarquias locais de Macau, sendo nomeadas comissões administrativas para os dois municípios, sendo comandados por estas até 1989, em que seria implantado novo modelo das autarquias de Macau, pelas Portarias n.ºs 38/89/M, de 27 de Fevereiro, 88/89/M de 29 de Maio e 95/89/M e 96/89/M de 5 de Junho.
Posteriormente em 1989, seguindo a revisão constitucional de 1989, o enquadramento legal dos municípios e dos titulares municipais em Macau resultou dos seguintes diplomas: Regime jurídico, Lei n.º 24/88/M de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º 4/93/M de 5 de Julho; Regime financeiro pela Lei n.º 11/93/M, de 27 de Dezembro; Regime eleitoral para a Assembleia Municipal Lei n.º 25/88/M de 3 de Outubro que remete para a Lei n.º 4/93/M de 1 de Abril e Estatuto dos titulares dos cargos municipais pela Lei n.º 26/88/M de 3 de Outubro. Durante 1996, pela Deliberação da Assembleia Municipal de 23 de Fevereiro, aprovada pelo secretário-adjunto para a Administração, Educação e Juventude em 28 de Março, os serviços do Leal Senado seriam reestruturados passando o Leal Senado a dispor de oito serviços municipais e de 28 divisões. Posteriormente e seguindo o formulado na Lei Básica, os municípios seriam tratados numa secção própria do Capítulo IV da Lei Básica, sendo os serviços referidos na secção 2 (Órgão Executivo), em que os municípios se encontravam num patamar próprio do sistema político da RAEM, tendo apenas funções executivas, no âmbito da prestação de serviços à população. Com a transição político-administrativa de Macau em 20 de Dezembro de 1999, a Câmara Municipal deixou de ostentar a designação de Leal Senado e após várias reformas político-administrativas no século XXI culminou com o aparecimento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM).
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