Reproduzo aqui uma carta escrita por uma macaense no dialecto local em 1865. Foi publicada pela primeira vez no Tassi-yang-kito de Macau, no seu número 14 de 3 de Janeiro de 1865.
Refere-se aos melhoramentos efectuados na cidade no ano de 1864, mas não só... entre parentesis vou colocar algumas traduções, quem souber mais, que diga...
Carta de Siára Pancha a Nhim Miquéla
Minha querida Miquéla,
Macáo 3 de janero de 1865.
Tanto tempo eu já querê responde vosso carta, mas sempre sintí doente, porisso tanto tarda este resposta. Vôs minha Miquéhi nadi fica reva cô eu; vós sabe qui eu mutu querê pra vôs, e se nunca escreve mas asinha san prómódi já tá múto vela. Otro dia acun-ha mofina di aqia abri janella, eu ergui cedo, sai fora, apanha vento, fica constipado. Priméro toma sincap (um chá), misinha de vento, raspa mor- dicim, mas nunca pôde fica bom, cada dia sintí corpo más fraco, perna azedo. Dótòr fala sam doença d'idade, mas eu nunca sintí assim, chomá mesre. Ahoi, qui tudu gente fala sam capaz, elle já cura. Agora senti um poço forte, mas mestre nômquêro que eu fazè mutu força, e manda toma ninho di pastro.
Nosso Macáo, minha Miquéla tem grande novidade. Governo novo (novo governador Coelho do Amaral) sam capaz e já virá tudo (transformar). Mas um pôco tempo tudo logo fica virado. Rua agora já nom-tèm pedra , sam otro lai modo, fazè duro cô téra (transformação das ruas de Macau, que eram calçadas com lages de pedra, para o sistema MacAdam. Fazé gosto olá di bonito.
Pra vanda de mar, na praia grandi, já bota qui tanto arvi (árvores, que quase não existiam em Macau) ; tudo gente cioso (ócio) e intrimittido fala numpresta, qui sabe qui foi, mas eu nunca sintí assim. Campo de Sam Francisco ja ficha (Campo de S. Francisco, espaço arborisado junto ao antigo convento de S. Francisco, que Coelho de Amaral transformou em jardim, fechado com uma balaustrada), fazè jardim, escada grande já nomtcm, fazé ali muro ;
ali riba, aquelle calvário (Montículo na parte superior do antigo convento de S. Francisco, pouco mais ou menos no sitio onde mais tarde foi edificada a bella vivenda do chefe do serviço de saúde de Macau, o illustre medico e escriptor sr. dr. Gomes da Silva. N'esse montículo faziam os franciscanos uma espécie de calvário) , qui já principia, logo fica grandi. (foi Coelho de Amaral que transformou o antigo convento no quartel que albergou parte da guarnição militar de Macau.)
Porta di Campo e di Santo Antone (Portas de Campo e de Santo António: na antiga muralha do lado norte da cidade, havia as duas portas que Coelho de Amaral mandou demolir) já nomtêm tamèm, agora sam rua largu, tudo aquelle arvi fronte di Gularte sua casa já corta, china china fala core sangui (quando se cortaram essas arvores, os chinas, que respeitam tudo quanto é antigo, censuraram essa medida e disseram que as árvores até verteram sangue), mas eu senti china sam tolo. Aquelle porcaria di fonti perto di cano real tam á tapa, abri poço alá vanda. Tadu poço agora tem sua cobertor bem feto, e bomba di novo invençám.
Sim minha Miquéla agora pôde ólá tudo aquelle lugar, certo nadi crc que sam Macáo. Santo Antone qui bem feto! Aquelle bariga di adro já vái dentro, fica bonito, e rua mas um pôco grandi. Padri nunca contente, mas qui cuza logo fazê ! A note já nômtem aquelle escuridám costumado, hoze candía tem três bico, e china china si querè furta azote vai carta mati. Genti di Senado sempre durmido, nomtêm aquelle génio di Governo, que tem ôlo vivo, e nadi iscapá nada. Cedo, cedo, já tem na rua, tira telhêro di botica, rancá pagode di porta di china china, corta rua fazè drèto, qui fazê gosto ólá.
Refere-se aos melhoramentos efectuados na cidade no ano de 1864, mas não só... entre parentesis vou colocar algumas traduções, quem souber mais, que diga...
Carta de Siára Pancha a Nhim Miquéla
Minha querida Miquéla,
Macáo 3 de janero de 1865.
Tanto tempo eu já querê responde vosso carta, mas sempre sintí doente, porisso tanto tarda este resposta. Vôs minha Miquéhi nadi fica reva cô eu; vós sabe qui eu mutu querê pra vôs, e se nunca escreve mas asinha san prómódi já tá múto vela. Otro dia acun-ha mofina di aqia abri janella, eu ergui cedo, sai fora, apanha vento, fica constipado. Priméro toma sincap (um chá), misinha de vento, raspa mor- dicim, mas nunca pôde fica bom, cada dia sintí corpo más fraco, perna azedo. Dótòr fala sam doença d'idade, mas eu nunca sintí assim, chomá mesre. Ahoi, qui tudu gente fala sam capaz, elle já cura. Agora senti um poço forte, mas mestre nômquêro que eu fazè mutu força, e manda toma ninho di pastro.
Nosso Macáo, minha Miquéla tem grande novidade. Governo novo (novo governador Coelho do Amaral) sam capaz e já virá tudo (transformar). Mas um pôco tempo tudo logo fica virado. Rua agora já nom-tèm pedra , sam otro lai modo, fazè duro cô téra (transformação das ruas de Macau, que eram calçadas com lages de pedra, para o sistema MacAdam. Fazé gosto olá di bonito.
Pra vanda de mar, na praia grandi, já bota qui tanto arvi (árvores, que quase não existiam em Macau) ; tudo gente cioso (ócio) e intrimittido fala numpresta, qui sabe qui foi, mas eu nunca sintí assim. Campo de Sam Francisco ja ficha (Campo de S. Francisco, espaço arborisado junto ao antigo convento de S. Francisco, que Coelho de Amaral transformou em jardim, fechado com uma balaustrada), fazè jardim, escada grande já nomtcm, fazé ali muro ;
ali riba, aquelle calvário (Montículo na parte superior do antigo convento de S. Francisco, pouco mais ou menos no sitio onde mais tarde foi edificada a bella vivenda do chefe do serviço de saúde de Macau, o illustre medico e escriptor sr. dr. Gomes da Silva. N'esse montículo faziam os franciscanos uma espécie de calvário) , qui já principia, logo fica grandi. (foi Coelho de Amaral que transformou o antigo convento no quartel que albergou parte da guarnição militar de Macau.)
Porta di Campo e di Santo Antone (Portas de Campo e de Santo António: na antiga muralha do lado norte da cidade, havia as duas portas que Coelho de Amaral mandou demolir) já nomtêm tamèm, agora sam rua largu, tudo aquelle arvi fronte di Gularte sua casa já corta, china china fala core sangui (quando se cortaram essas arvores, os chinas, que respeitam tudo quanto é antigo, censuraram essa medida e disseram que as árvores até verteram sangue), mas eu senti china sam tolo. Aquelle porcaria di fonti perto di cano real tam á tapa, abri poço alá vanda. Tadu poço agora tem sua cobertor bem feto, e bomba di novo invençám.
Sim minha Miquéla agora pôde ólá tudo aquelle lugar, certo nadi crc que sam Macáo. Santo Antone qui bem feto! Aquelle bariga di adro já vái dentro, fica bonito, e rua mas um pôco grandi. Padri nunca contente, mas qui cuza logo fazê ! A note já nômtem aquelle escuridám costumado, hoze candía tem três bico, e china china si querè furta azote vai carta mati. Genti di Senado sempre durmido, nomtêm aquelle génio di Governo, que tem ôlo vivo, e nadi iscapá nada. Cedo, cedo, já tem na rua, tira telhêro di botica, rancá pagode di porta di china china, corta rua fazè drèto, qui fazê gosto ólá.
Otro dia Voluntário inglez d'Hongkong já vem Macáo ! Qui lai di bonito! eu já vai ólá também. Macáo parece França, tudo gente fallá. Tem tifin, rivista di tropa, salva di vinte unha tiro, balsa á note qui bonito, gasta cô tudo aquelle flamancia três mil fora pataca. Algum gente qui nunca gosta assilai cuza, já vai ólá cova de Sam Francisco Xavier eu tamèm muito quere pra santo, mas nunca vai.
Agora tá gavartá Sam Paulo; acha un-ha buracu na Monte, ôtro na frontipicio di igreja e gente antigo fallá sam. caminho di basso di téra qui vai di igreja pra fortaleza na tempo de paulista, porisso agora gavartá tudo aquelle mato, pra descobri caminho. Tudu gente fallá ali tem tanto pataca qui jisuita interá, eu acha graça; pôde crê? Padri padri que cusa pôde tem ? coitado ! Eu sintí sam historia. Mesmo caminho, qui sabe? Elôtro qui cuza fazê cô caminho basso di téra ? Elòtro nunca sam heregi como pedrèro livre, que cusa fazê di lugar pra esconde ? Minha Miquéla nomêstê esquece di manda nova di tudu qui ólá ali ; si marido tem vagar manda tamem escreve. Gente tá fallá qui moda di balam já cava pra nhonhonha, eu sinti qui si sam assim sam fortuna.
Eu tamêm nompôde gosta di assilai cusa; quando vento grandi, sam mutu pirigoso, e quando incustá na janela, ou fica capido impurado pra traz, frôvê sangui.
Dá bença pra criança criança e nomêstê esquece de tudu aquelle receta que eu já manda quando apanha saván. Nomêstê lembra sam brinco, eu fallá cô experiência: tudu gente ri, qui foi eu pila costa a note intêro, mas eu inda tá vivo, elôtro tudu qui faze cusa de moda tá more mas asinha.
Eu já manda dos amchôm di achar di gamên, un-ha balsa di sucri pedra, dos jara di jagra para vôs e criança criança, mas nunca acha resposta, porisso eu fica cô pençám.
Já intra anno novo; mutu bom anno, filicidade, vida, saúde para vôs, marido e tudo criança criança. Nosso senhor deçá cria. Eu tá muto lembra para vós, querê manda um pôco de alua mas nômpôde, paciência. Masqui nompôde, acetá bom vontade d'este vela chacha qui mutu querê pra vôs.
Dá lembrança pra Pepe, fala cô elle múto contente eu já fica, ouvi fala, elle já fica bom de espinhéla. Vosso tio padri tamêm manda lembrança, elle coitado nunca sam nada já. Nhum Quimquim já vai viazi, imbarcá de piloto na navio que leva chuchai, ganha tanto pataca.
Vosso chacha
Pancha.
P. S. — Vós logo sintí grandi differença na minha modo di escreve. Eu já aperfeçoá bastante neste um pôco tempo. Tudu este escola novo de machu e femia, e aquelle gazeta Ta-ssi-yaiig-kuo ']á. fazê indretá bastante nosso Hngu.
Eu tamêm nompôde gosta di assilai cusa; quando vento grandi, sam mutu pirigoso, e quando incustá na janela, ou fica capido impurado pra traz, frôvê sangui.
Dá bença pra criança criança e nomêstê esquece de tudu aquelle receta que eu já manda quando apanha saván. Nomêstê lembra sam brinco, eu fallá cô experiência: tudu gente ri, qui foi eu pila costa a note intêro, mas eu inda tá vivo, elôtro tudu qui faze cusa de moda tá more mas asinha.
Eu já manda dos amchôm di achar di gamên, un-ha balsa di sucri pedra, dos jara di jagra para vôs e criança criança, mas nunca acha resposta, porisso eu fica cô pençám.
Já intra anno novo; mutu bom anno, filicidade, vida, saúde para vôs, marido e tudo criança criança. Nosso senhor deçá cria. Eu tá muto lembra para vós, querê manda um pôco de alua mas nômpôde, paciência. Masqui nompôde, acetá bom vontade d'este vela chacha qui mutu querê pra vôs.
Dá lembrança pra Pepe, fala cô elle múto contente eu já fica, ouvi fala, elle já fica bom de espinhéla. Vosso tio padri tamêm manda lembrança, elle coitado nunca sam nada já. Nhum Quimquim já vai viazi, imbarcá de piloto na navio que leva chuchai, ganha tanto pataca.
Vosso chacha
Pancha.
P. S. — Vós logo sintí grandi differença na minha modo di escreve. Eu já aperfeçoá bastante neste um pôco tempo. Tudu este escola novo de machu e femia, e aquelle gazeta Ta-ssi-yaiig-kuo ']á. fazê indretá bastante nosso Hngu.
Desenho de Chinnery (ca. 1830) da zona do Fortim de S. Pedro na Praia Grande
Outros termos e suas origens:
Carambola. — E' o fructo da Averrhoa Carambola (Linn.), que, por ser esquinado pelas suturas longi- tudinaes das carpellas, apresenta, quando cortado horizontalmente, secções em forma de estrella.
A carambola espalhcu-se depois em todas as regiões tropicaes do mundo, conservando o nome originário.
WcTáo. — Telhado.
Anona. — On Nona, fructo da Anona miiricaía, cuja polpa é branca, a casca verde c as sementes negras.
D'ahi a comparação.
Pateca. — é o nome por que em Macau são conhecidas as melancias; o Cucumis melo (Linn.) tem também o nome de melão em Macau.
Figuéra. — é o nome dado pelos macaistas á bananeira
Lichia. — é o delicioso fructo de sapindacia conhecida por Euphoria litchi (Desf.) ou Nephelium litschi, tão apreciado pelo paladar europeu, e cujo gosto lembra o da uva moscatel. A casca, bastante dura, é vermelha e a polpa branca e sumarenta como a d'essa uva. lem no meio um caroço castanho escuro.
Cachorro — Em macaista não se usa o nome de cão, mas unicamente o de cachorro. Os dois avanos (abanos) sáo as orelhas, e a bandeira a cauda.
Jangom. — é o nome dado pelos macaistas á maçaroca de milho
Dreto (direito) - é a linha de pescar ; torto c o anzol ; morto é a isca; e vivo e o peixe que virá preso ao anzol.
Martinho. — E' um pequeno pássaro preto, muito apreciado em Macau, porque falia como os papagaios e domestica-se muito facilmente. Náo consegui ainda apurar a sua designação scientifica. Metido na prisan quer
dizer mettiio na gaiola.
Macaran. — Macarrão, que se mette secco no caldo e se tira molhado.
Balichan, Baltchão, ou Datxáo, como também se diz na índia. O halichao de Macau e muito empregado como tempero para certos guisados ou acepipes. E' uma massa ou antes molho, composto de camarões muito pequenos, pisados e misturados com sal, aguardente, pimenta, malagueta, etc. e conservado crú. Quando se emprega nos guisados é que se frege uma pequena porção, que se mistura com o refugado, etc. Na Índia usa-se d'esse baixão para preparar o balxão de mangas, o de bilimbis, de tomate, etc, conforme a substancia que se lhe mistura.
Buli, buli, significa bulindo, mexendo.
Chuchu, significa espetar, provavelmente derivado de chuço.
A mãe é o almofarii{ e o filho a mãó do gral. Dale significa dar, bater.
Ama. — Creada.
Sincap — E' o conhecido chá estomachico e anti-collicativo. Tem a forma de pequenos tijolos rectangulares, que se desfazem em agua quente. Deve beber-se sem assucar.
Mestres. — Curandeiros chinezes, a miúde consultados pelos habitantes da colónia, de preferencia aos médicos europeus.
Cajtiflí — Hábil, competente.
Ninho de pastro/Ninho de pássaro - é o ninho da andorinha salangana; Tem o aspecto gelatinoso e é muito empregado nas sopas, para dar força aos anemicos.
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