sexta-feira, 21 de março de 2025

"É uma igreja toda pintada de azul e branco"

"Visitei no dia 9 a igreja de Santo Agostinho ouvindo ahi missa com o governador. É uma igreja toda pintada de azul e branco*, uma igreja muito patriota e nacional. Poucas damas ali estavam, mas todas trajando os dós pretos da China ou as saraças da India. Eram de aspecto horribile e davam áquelle ajuntamento um ar funebre, mysterioso e triste. O tecto da igreja é de madeira e tres ordens de columnas de pedra irreprehensivelmente lavadas a cal sustentam arcos que formam tres naves. Tudo tem ornatos mas do genero architectonico recócó e desenxabido do seculo passado. Dois quadros e algumas estatuas sem valor artistico compunham o peculio artistico do templo. A entrada era por um vestibulo sem portas nem para-vento para a igreja e onde se não permittia estar de chapéu na cabeça mas onde se consentia que se fumasse e conversasse em voz alta."
in "No oriente" - Vol. 2, Adolpho Loureiro. 1897

* as cores da monarquia portuguesa.
Nota: O testemunho de Adolfo Loureiro refere-se à estadia no território em 1883.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Turistas em 1960

"O número de turistas entrados na Província, em 1960, ascendeu a 26 534". 
in Rendimento Nacional de Macau, 1960. 
 Templo de A-Ma no Porto Interior
foto não incluída na obra referida
 

quarta-feira, 19 de março de 2025

"Manner of carrying Persons of Rank in China"

"Manner of carrying Persons of Rank in China"/ "Forma de transportar pessoas importantes na China" é a legenda desta ilustração.
Em baixo à esquerda está escrito "Alexander del." - o nome do autor do desenho - e à direita "Engraved by Lydikker" - o nome do gravador da ilustração.
O desenho original é da autoria de George Alexander Cooke (1781 - 1834). A gravura faz parte do livro "A Modern and authentic system of universal geography, containing an accurate and entertaining description of Europe, Asia, Africa, and America being a complete and universal history and description of the whole world, as divided into empires, kingdoms, states, republics".
O livro relata grandes viagens pelo mundo ocorridas até então - Cook, Furneaux, etc.. - e foi publicado em dois volumes em Londres no ano de 1802. E inclui uma descrição da "cave of Camoens" na pág. 398 - num capítulo intitulado Empire of China onde aborda o tema Macau - embora na ilustração não se faça essa referência/identificação.
Poucos anos antes, 1794, já tinha regressado a Inglaterra a primeira missão diplomática inglesa à China, liderada por Lord Macartney e que passou por Macau. Um dos ilustradores oficiais da embaixada foi William Alexander. Entre os muitos desenhos que fez em Macau conta-se precisamente um onde se pode ver a Gruta de Camões na perspectiva apresentada neste livro de 1802 e já antes num dos relatos oficiais da embaixada - livro publicado em 1797 da autoria de George Staunton.
São notórias as semelhanças entre as duas ilustrações. A inclusão dos elementos humanos e da cadeirinha de seda resulta de um trabalho de composição. Repare-se que até o banco onde se pode ver alguém a ler ou a desenhar - do lado direito - está replicado. É muito provavelmente um desenho onde W. Alexander desenhou-se a si próprio. Fez vários...
Arrisco portanto a afirmar que pela primeira vez esta ilustração de George Cook feita há mais de 200 anos é devidamente identificada.

Curiosidade: o pequeno pavilhão chinês no topo do rochedo da Gruta de Camões foi demolido em 1885 quando o Governo de Macau adquiriu a propriedade e depois a transformou em jardim público, o Jardim de Camões, que ainda hoje existe.

terça-feira, 18 de março de 2025

A Procissão dos Passos em 1868

 Detalhe de uma fotografia de John Thomson ca. 1870
1. Largo do Senado 2. Edifício do Leal Senado 3. Calçada do Tronco Velho 4. Traseiras da igreja de Santo Agostinho 5. Convento Santo Agostinho 6. Teatro D. Pedro V

"A imagem do Senhor Jesus dos Passos foi, segundo o costume, levada para a igreja da Sé no sabbado passado saindo da igreja de Santo Agostinho depois das ave marias e levando grande acompanhamento, assim da confraria como de povo. Hontem verificou-se a procissão dos Passos que sahio da Sé Cathedral com as devidas conveniencias. O concurso do povo christão foi extraordinario nas casas e ruas do transito."
in Boletim da Província de Macau e Timor 2.3.1868

segunda-feira, 17 de março de 2025

Foto-legenda: Largo do Senado 1932

Fotografia de Robert Pendleton
 

1. À esquerda estava (não surge na imagem) o novíssimo edifício dos Correios e Telégrafos,  inaugurado no ano anterior.
2. O local onde iria ser construído o teatro/cinema Apollo inaugurado em 1835.
3. Edifício do Leal Senado (quando ainda tinha portas do lado direito do edifício.
4. Sistema de transporte 'pinga'
5. Um Ford Model A; produzido entre 1927 e 1932 foi o segundo maior sucesso de vendas da empresa (depois do Model T); em Fevereiro de 1929 já tinham sido vendidos mais de um milhão de unidades.
6. Entrada para o Majestic Hotel que abriu ao público nesse ano. Na década de 1940 tinha o número telefone 2372 e ficava no nº 11 do Largo do Senado.
7. Jerinxá/riquexó com o condutor ao lado.

domingo, 16 de março de 2025

Captação e distribuição de água potável

No início do século 20 a captação e distribuição de água potável era uma dos maiores problemas do território e o crescimento populacional fez com que tivessem de ser tomadas medidas. Eis em resumo alguns dos principais eventos sobre este tema.
Em 1905 o general José Emílio Castel-Branco é nomeado em comissão de serviço para proceder a estudos sobre captação de água potável.
Em 1919 o coronel Adriano Augusto Trigo assume a Direcção dos Serviços de Obras Públicas e tem como principal missão solucionar o problema do abastecimento de água potável. O projecto incluía a construção de um reservatório na Colina da Guia e outro na Flora para captação de águas pluviais, prevendo também a captação de águas subterrâneas. São ainda construído 7 fontanários. As obras seriam concluídas em 1925,
A 8 de Agosto de 1928 foi iniciado o concurso para arrematação em hasta pública, no Senado, do exclusivo do Serviço de abastecimento de água potável à cidade de Macau. 
A 12 de Setembro de 1928, por escritura pública, o Leal Senado da Câmara de Macau concede à Water Works Company o primeiro exclusivo do serviço de abastecimento de água à cidade mas vicissitudes várias levam a empresa a desistir.
"Planta de Cidade de Macau mostrando o plano geral das obras de exploração, captação e distribuição de água potável" (década 1920)

Em 1929 é constituída a Companhia Loc Wo que abastece com água potável apenas os bairros de Mong-Há, do Patane e do Bazar Chinês. 
A 22 de Janeiro de 1930 é constituída a Companhia das Águas de Macau, S.A.R.L. e em 4 de Junho de 1932 é assinado o contrato do exclusivo entre a C.A.M., S.A.R.L e o Leal Senado.
Em Dezembro de 1934 a empresa rescinde o contrato e o Leal Senado assume a responsabilidade da captação e distribuição de água.
A 13 de Julho de 1935 é constituída a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, Limitada (SAAM), empresa inglesa que também assume a designação The Macao Water Supply Company, Limited. Assina contrato do exclusivo do abastecimento de água à cidade, com o Leal Senado, por um prazo de 60 anos. A grande obra é o reservatório do Porto Exterior (que ainda hoje existe) concluído em 1936. 
Estava resolvido uma grande parte do problema, mas não seria suficiente para a autonomia do abastecimento, verificando-se inúmeras faltas de água ao longo dos tempos. Só a partir de 1983 a questão ficaria totalmente resolvida quando o abastecimento de água ao território passa a ser assegurado pela China.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente

"Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente" é o título de um livro editado pela primeira vez em 1812 por Mendo Trigoso (1773-1821), "em conformidade com um manuscrito por ele encontrado e com a tradução italiana do historiador João Baptista Ramuzio (1485-1557)". Seria reeditado em 1946 - imagem acima - com introdução e notas de Augusto Reis Machado pela Agência Geral das Colónias. 

Biografia resumida:
Duarte Barbosa nasceu em Lisboa ca. 1480 e morreu em Cebu em 1521. Foi um viajante e navegador português tendo servido como oficial do Estado Português da Índia entre 1500 e 1516-17.
Duarte Barbosa era filho de Diogo Barbosa, um servidor de D.Álvaro de Bragança que partiu para a Índia em 1501 na armada conjunta com Bartolomeu Marchionni sob o comando de João da Nova. Em 1500 o seu tio Gonçalo Gil Barbosa, após viajar na frota de 1500 de Pedro Álvares Cabral, foi deixado como feitor em Cochim e, em 1502, foi transferido para Cananor. Os locais descritos por Duarte Barbosa sugerem que terá acompanhado o tio nesta viagem até Cochim e Canano, tendo então aprendido a língua local (malabar). Em 1503 foi intérprete de Francisco de Albuquerque nos contactos com o rajá de Cananor. Em 1513 assinou como escrivão de Cananor uma carta para Manuel I de Portugal onde reclamava para si o cargo de escrivão-mor que lhe fora prometido. Em 1514 Afonso de Albuquerque recorreu aos seus serviços como intérprete na tentativa de conversão do rei de Cochim ao Cristianismo, conforme relatou em carta que enviou ao rei. Em 1515 Albuquerque enviou Duarte Barbosa a Calecute para vigiar a construção de duas naus que serviriam numa expedição ao Mar Vermelho, e na qual poderá ter participado já sob o novo governador. Duarte Barbosa regressou a Portugal onde terá terminado os manuscritos, conhecidos como o "Livro de Duarte Barbosa", entre 1517-18. Inicialmente conhecido através do testemunho do italiano Ramusio, o manuscrito original foi descoberto e publicado no início século XIX, em Lisboa.

"Tendo eu, Duarte Barbosa, natural da muito nobre cidade de Lisboa, navegado grande parte da minha mocidade pelas Índias descobertas em nome de el-rei nosso senhor e, tendo visto e ouvido várias coisas que julguei maravilhosas e estupendas, por nunca terem sido vistas e ouvidas por nossos maiores, resolvi-me a escrevê-las para benefício de todos."

Da obra destaco o capítulo "O Grande Reino Da China" (pp. 217-219) em que se pode estabelecer um certo paralelismo com a Suma Oriental de Tomé Pires em termos do primeiro 'olhar' sobre o Oriente no início do século 16. 
Duarte Barbosa, conhecido como o "Notociarista das Índias" diz que "não tenho informação, mas perguntei a mouros e gentios, homens de crédito" pelo que conclui: "É uma grandíssima terra e senhoria pela terra firma, e de longo da costa do mar, povoada também por gentios. (...) Os moradores deste reino são grandes mercadores. São homens brancos e bem despostos. Suas mulheres são de mui formosos corpos. Teem os olhos mui pequenos e nas barbas tres ou quatro cabelos e não mais, e os que mais pequenos teem os hão por mais gentis-homens." (...) Não tocam com a mão o que comem. chegam muito o prato à boca, e com umas tenazes de prata ou pau metem o comer na boca muito miude porque comem muito depressa. (...) fazem muita soma de porcelanas (...) navegam em juncos (...) aqui se cria mui boa seda(...) também levam anfião a que nós chamamos ópio (...) estes chins que vivem de trato e navegação, trazem de contínuo suas mulheres e filhos dentro das naus, onde vivem sempre e não têm casas. Confina este Reino da China com Tartária da banda do norte". 
O Grande Reino da China
Deixando estas ilhas, que sao sem conto, a que nao se sabem os nomes, assim habitadas como desertas, torno-me á costa que de Malaca vai contra os chins, de que nao tenho informagáo, mas perguntei a mouros e gentíos, homens de crédito, e me disseram que eram quatro ilhas habitadas; e, por eles, soube somente que passando o reino de Anseáo, e outros muitos, está o reino da China, que dizem que é urna grandíssima térra e senhorio pela térra firme, e de longo da costa do mar, povoada também de gentíos.
O rei déla é gentío, honra muíto os ídolos, está sempre no sertáo, tem mui grandes e boas cidades, nenhum estrangeiro pode entrar pelo sertáo, sómente nos portos de mar negoceiam; seu maior trato é ñas ilhas.
Se algum embaixador doutro reino vem a ele por mar, primeiro que a ele vá, lhe fazem a saber como lhe trazem certas embaixadas e presentes, entáo o manda ir onde ele está.
Os moradores deste reino sao grandes mercadores, sao homens brancos e bem dispostos. Suas mulheres sao de mui formosos corpos, ele e elas tém os olhos pequeños, ñas bar¬ bas tres ou quatro cábelos nao mais, por gentileza, e, quanto mais pequeños tém os olhos, tanto os háo por mais gentis homens.
Andam as mulheres mui ataviadas de panos de algodáo, seda e la.
Os trajos da gente desta térra sao como os de alemáes.
Comem em mesas altas como nos, com suas toalhas mui alvas, para quantos háo-de comer a urna mesa, póem urna faca, bacio, guardanapo e um pouco de prata ; nao tocam com a máo o que comem, chegam muito o prato á boca, e, com urnas tenazes de prata ou pau metem o comer na boca mui a miude, porque comem muito depressa, e fazem muitos man¬ jares de carnes, pescadas e outras muitas cousas. Comem mui bom pao de trigo, bebem muitas maneiras de vinhos; e, muitas vezes, a cada comer, comem carne de caes, e hao-na por mui boa carne.
Sao homens de muita verdade, porém nao sao bons cavaleiros, mas grandes mercadores, tratantes em toda a mercadoria.
Fazem aqui muita soma de porcelanas, que é boa mercadoria para todas as partes, que se fazem de búzios, de cascas de ovos e claras, e outros materiais, de que se faz urna massa que langam debaixo da térra por espago de tempo, que entre si tém por grandes fazendas e tesouro; porque quanto mais se achega o tempo para as lavrar, vale muito mais; o qual chegado, lavram-nas de muitas maneiras e feigoes, délas grossas, outras finas, e, depois de feitas as vidram e pintam.
Aqui se cria mui boa seda, de que fazem muita quantidade de panos de damasco de cores setins e outros panosrasos e brocadilhos. Também há muito ruibarbo, almíscar, prata, aljófar e pérolas, porém nao sao perfeitos em iedondeza.
Neste reino se fazem muitos brincos formosos e doma¬ dos, como cofres mui ricos, pratos de pau, saleiros e outras subtis coisas, e há na térra para isso homens mui engenhosos.
Calgam botas como gente de térra fría. Navegam em juncos, trazem velas de esteiras como em Mogambique e os cabres e enxárcia de certa verga.
Sao deles grandes corsários, navegam para Malaca com toda a mercadoria da China, que ai vendem mui bem, e carregam de muito ferro, salitre, retrós de cores e outras miudezas, como os venezianos soiam trazer antes as nossas partes, e de pimenta de Samatra e do Malabar, que vale na China a quinze e dezasseis cruzados o quintal, e daí para cima, segundo onde a levam, e, em Malaca a compram a quatro cruzados pouco mais ou menos, Também levam anfiáo a que nós chamamos opio, incensó, coral, paño de Cambaia e Paleacate.
Estes chins que vivem de trato e navegagáo, trazem de continuo suas mulheres e filhos dentro ñas naus, onde vivem sempre, e nao tém casas. Confina este reino da China com Tartária da banda do Norte.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Quiosque no Largo do Senado: década 1920/30

O quiosque já depois da conclusão do edifício dos CTT.
Seria removido do local pouco tempo depois.
O edifício dos CTT foi construído entre 1928 e 1931 ano em que foi inaugurado.

Mais fotografias neste post

quarta-feira, 12 de março de 2025

Os sinos da igreja Mater Dei

Detalhe de uma pintura de W. Heine ca. 1853

Existiam vários sinos na fachada da igreja Mater Dei (S. Paulo) - em pinturas do século 19 surgem umas vezes três, outras vezes, dois - e mais dois na torre lateral. Os sinos foram removidos após o derradeiro incêndio de 1835 já na segunda metade da década de 1850 pois ainda surgem em pinturas feitas ca. 1850. A torre sineira lateral seria demolida após o fogo.
George Chinnery desenhou/pintou a igreja antes e depois do incêndio. No período anterior ao fogo ainda desenhou a torre sineira e no período posterior essa torre já não surge. (ver exemplo abaixo - com três sinos e sem torre sineira lateral). Chinnery morreu em 1852 pelo que depreende-se que a torre foi demolida  entre 1835 e 1852. W. Heine esteve em Macau em 1853/54, ou seja, após a morte de Chinnery, e no desneho que fez da fachada coloca apenas dois sinos.
Os dois sinos da torre sineira - em bronze - estão actualmente expostos no Museu de Macau.
O mais pequeno foi fundido em 1714, e nele consta a seguinte inscrição:
"Anto. De Seqra. De Nra. sendo Capao. Geral Desta Cide. o Mandov Fvndir Em 2 de Mayo de 1714 annos."
("António de Sequeira de Noronha, sendo Capitão Geral desta Cidade, o mandou fundir em 2 de Maio do ano de 1714." )

No sino maior está o emblema dos jesuítas, IHS, e as inscrições:
"Sonet Vox Tva In Avribvs Meis" 
("A tua voz ecoa nos nossos corações")
“Macao Collo.da Madre de Deos da Compa. de Iesus Anno de 1736"
("Macau, Colégio da Madre de Deus da Companhia de Jesus, Ano de 1736")

terça-feira, 11 de março de 2025

Alexander Rattray 1830-1906

Em 2014, num leilão cujas verbas tinham um fim caritativo, a SJM adquiriu uma aguarela do Porto Interior (de 1857), da autoria do cirurgião naval e pintor escocês, Alexander Rattray (1830-1906), por 1.6 milhões de patacas.
Rattray tem outros quadros feitos em Macau em meados do século 19: um que retrata uma porta na antiga muralha da cidade e outro das ruínas de S. Paulo. Neste última caso, uma aguarela com 26,5 x 21,5 cm. Serviu, entre outros, no navio HMS Salamander, tendo viajado um pouco por todo o mundo. Nos vários locais que visitou pintou inúmeras obras.

PS: Após o incêndio de 1835 os três sinos - que se podem ver na aguarela e que remontam ao século 18 - foram levados para outros locais, nomeadamente a igreja de Santo António. Dois estão actualmente no Museu de Macau.

segunda-feira, 10 de março de 2025

"Fortificações de Macau: Concepção e História"

"Fortificações de Macau: Concepção e História" foi editado pelo ICM em 1985. Trata-se da primeira versão em português de um livro cuja 1ª edição, em inglês - The Fortifications of Macau , INM, foi publicada em 1969, e a 2ª, em 1984, também em inglês: The Fortifications of Macau: Their Design and History, DSTM.
Na edição de 1985 (144 páginas), o autor Jorge Graça acrescentou dezenas de ilustrações e outros documentos sobre o tema.
O arquitecto Jorge Graça morreu em 2021 em Macau aos 87 anos. Nasceu no Porto em 1934 e chegou a Macau para cumprir o serviço militar. No final da comissão foi para Hong Kong onde estudou arquitectura e foi nessa área que trabalhou no governo local. No final da década de 1970 regressaria a Macau onde trabalhou nas Obras Públicas.



Ilustração de Carlos Marreiros para o livro

sábado, 8 de março de 2025

O traje da mulher macaense

"O traje da mulher macaense: da saraça ao dó das nhonhonha de Macau" é o título de uma obra de Ana Maria Amaro editada pelo ICM em 1989.
Saraça: do malaio sarásah, tecido de algodão.
Dó: inicialmente usado pelas raparigas que estavam de luto aliviado e mais tarde também pelas mulheres casadas. As cores predominantes eram o verde escuro, lilás, rosa e preto. Composto por saia de lã às riscas verticais de barra preta com “silvas” bordadas; avental escuro com motivos florais ou geométricos; camisa bordada a azul nos punhos e ombreiras; algibeira e colete em geral azuis, o último sobriamente enfeitado com barra de veludo preta; lenço de cabeça e meio-lenço do peito roxo com ramagens e franjados; meias brancas de algodão rendadas e chinelas.
A autora voltaria ao tema com a publicação do artigo "A mulher macaense, essa desconhecida" na Revista de Cultura nº 24, de 1995.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Mandatos curtos quase no final da monarquia

À esquerda o retrato de Pedro Azevedo Coutinho,  à direita o retrato de José Augusto Alves Roçadas. São dois dos 41 retratos dos governadores de Macau entre 1846 e 1999 que podem ser vistos no Museu do CCCM em Lisboa.

Pedro de Azevedo Coutinho (1865-1942) foi um oficial general da Armada Portuguesa. Governador entre 6 de Abril de 1907 e 17 de Agosto de 1908, teve um curto mandato marcado pela questão dos limites territoriais de Macau. Saiu alegando razões de saúde embarcando rumo a Lisboa a 15 de Maio de 1908, ficando interinamente no lugar Diogo de Sá. Outro dos governadores com um mandato muito curto foi o também militar (Exército) José Augusto Alves Roçadas (1865-1926). Tomou posse a 18 de Agosto de 1908 e saiu a 22 de Setembro de 1909. O mandato ficou marcado ainda pelas questões do antecessor e pela assinatura em Janeiro de 1909 do contrato da concessão do exclusivo para o fornecimento de energia eléctrica à cidade. Como era tradição, este dois governadores têm o nome em duas ruas de Macau.

quinta-feira, 6 de março de 2025

Celebrações sobre a aclamação do rei D. João VI

"(...) On the 26th of Dec. and the two following days a splendid illumination took place at Macao in honour of the Prince of Portugal, being crowned king. In the Senate square was erected the temple of gratitude and in the Franciscan square the temple of loyalty; they were about the height of the generality of houses in Macao being made of paper of different colours and of different devices and when lighted up they had a very neat effect. Mr. Pareira erected a palace for his majesty surrounded by the eight constant virtues Faith Hope & c. From the entrance of the house there were 40 triumphal arches each with two glass chandeliers ornamented with artificial flowers and a number of small lamps. On the trees around Mr Roberts's tomb were hung cages of pigeons with lamps in them and in other parts of the garden were suspended rows of lamps from the trees. The whole had the most beautiful effect that can be conceived to which the lustre the palace being well lighted up did not a little contribute. In and about Mr Pareira's garden there were 10,000 lamps and it is supposed to have cost that gentleman alone about 1000 dollars. The temple of loyalty through the carelessness of one of the attendants suddenly disappeared early on the third evening, a circumstance which may be looked upon by some persons rather ominous. Everything was conducted with the greatest order; no kinds of fireworks were allowed in the streets and they announced the lighting and extinguishing of the candles."
in Asiatic Journal and Monthly Register nº 46 vol 8 Outubro 1819

Tradução/Adaptação
"(...) No dia 26 de dezembro e nos dois dias seguintes, uma esplêndida iluminação ocorreu em Macau em homenagem ao Príncipe de Portugal, sendo coroado rei.* No Largo do Senado foi erguido o templo da gratidão e no Campo de S. Francisco o templo da lealdade; eles tinham aproximadamente a altura da generalidade das casas em Macau, sendo feitos de papel de diferentes cores e  formatos e, quando iluminados, tinham um efeito muito elegante. O Sr. Pereira** ergueu um palácio para sua majestade cercado pelas oito virtudes constantes Fé, Esperança & c. À entrada da entrada da casa havia 40 arcos triunfais, cada um com dois lustres de vidro ornamentados com flores artificiais e uma série de pequenas lâmpadas. Nas árvores ao redor do túmulo do Sr. Roberts*** foram penduradas gaiolas de pombos com lâmpadas e noutras partes do jardim foram suspensas fileiras de lâmpadas nas árvores. O  efeito geral foi o mais bonito que pode ser concebido para o qual o brilho do palácio estando bem iluminado também contribuiu. No jardim do Sr. Pereira e arredores havia 10.000 lâmpadas e supõe-se que tenha custado àquele cavalheiro cerca de 1.000 dólares. O templo da lealdade, por descuido de um dos visitantes, desapareceu repentinamente no início da terceira noite, uma circunstância que pode ser vista por algumas pessoas como um tanto sinistra. Tudo decorreu com a maior ordem; nenhum tipo de fogos de artifício foi permitido nas ruas e eles anunciavam o acendimento e a extinção das velas."
Dia da aclamação no Brasil
Jean-Baptiste Debret  (1768–1848) 
Biblioteca Nacional do Brasil

* A 6 de Fevereiro de 1818, D. João VI (1767-1826) foi aclamado, no Rio de Janeiro, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Já era Príncipe Regente. Em 1792, com a doença de D. Maria I, D. João tornou-se representante da coroa e, em 1799 recebeu o título de Príncipe Regente, que manteve até a morte da rainha em 1816.
A aclamação foi celebrada em Macau a 26 de Dezembro de 1818: ao romper do dia foi feita uma salva real a que se seguiu uma missa pontifical. Às 15 horas foi inaugurado o retrato do Rei, no salão nobre do Senado.
** Referência ao conselheiro Manuel Pereira (1757-1826) que por volta de 1870 construiu a denominada Casa Garden na propriedade que mais tarde viria a ser o Jardim de Camões.
*** Túmulo de ?

Nota: No dia em que foi aclamado rei D. João VI assinou uma alvará relativo a Macau - de onde tinha sido enviado um representante até ao Brasil: 
"Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem, que, querendo dar um autêntico testemunho ao leal Senado da Câmara da Cidade de Macau da consideração que ele merece pelos serviços, que Me tem prestado no desempenho das comissões, de que se acha encarregado, e especialmente pelos fiéis sentimentos de amor, lealdade, que mostrou à Minha Real Pessoa mandando de tão longe um Deputado para felicitar-Me pela Minha Exaltação ao Trono, e para prestar por ele o juramento de preito, e homenagem neste faustosíssimo dia da Minha Coroação: Hei por bem fazer-lhe mercê do Tractamento de Senhoria. E Este se cumprirá como nele se contém."

terça-feira, 4 de março de 2025

Macao est plutôt belle par sa situation pittoresque

Exerto de "La Chine contemporaine, d'après les travaux les plus récents". Traduction de l'allemand par A. J. Du Bosch. Volume 2. Alexandre J. Du Bosch, publicado em Paris e Bruxelas em 1860

Macao, Vue prise du fort Hiang Schan

Macao est plutôt belle par sa situation pittoresque que bien défendue par des obstacles que la nature aurait créés pour sa sécurité. Les rochers environ nants dominent la ville et la mer qui la baigne rend la côte accessible aux plus grands navires. Son exis tence politique a toujours présenté une anomalie historique. Des aventuriers portugais qui parcou raient depuis longtemps l'Océan débarquèrent sur divers points du littoral chinois et surent par leur commerce leurs séductions et un peu par la violence obtenir qu'on reconnût leurs droits. En 1537 après la mort de saint François Xavier à Schan Schan les Portugais furent autorisés à résider à Macao non pas comme colonie indépendante mais ils furent admis aux prérogatives dont jouissaient les autres populations et cette permission ne leur était accordée que tant qu ils se comportaient bien ou tant que cela plairait à l empereur. (...)
La ville se trouve sur une presqu'île de trois milles anglais de long et sur un mille de large elle enclave un golfe superbe tandis que d'un autre côté s'élève un promontoire couvert d'églises de couvents de tours et de constructions bâties d'après le style européen. Une baie étroite et sablonneuse s'étend aux pieds du fort Hiang Schan ses remparts sont destinés à commander la colonie. Un mur très fortifié a été bâti le long de la baie comme c`est l`habitude des Chinois cette fortification établit une barrière entre les chrétiens et les hérétiques. (...)
L`administration portugaise consiste dans un gouverneur, un juge et un évêque, chacun d`eux jouit d'un traitement annuel de six cents livres sterling somme énorme quand on considère leur étroite sphère d'activité. La population chinoise de l'île est soumise aux autorités indigènes. Tous les Européens y compris les Portugais et les étrangers de différentes nations ce qui donne un total de quatre mille personnes sont soumis au gouverneur portugais. Son autorité est si peu reconnue qu il est arrivé aux Chinois d'ordonner à ses nationaux de quitter leur territoire sous peine de perdre leur fortune et leur liberté. Cette situation précaire ne permet aux colons de Macao que de se livrer au commerce encore sont ils si persécutés les malheureux chrétiens que leurs églises sont sans fidèles leurs mai sons sans habitants et le port presque désert.
Si l'on excepte Batavia, Macao a plutôt l'aspect d'une ville européenne que d'une cité de l 'Inde orientale cette résidence ne fait que décroître chaque jour et la nouvelle colonisation anglaise à Hong Kong ne fera que hâter sa ruine. Jusqu aujour d'hui les Anglais passent l'été à Macao quand leurs affaires ne les appellent pas aux factoreries de Canton ils ont implanté ici leur existence nationale. Ils possèdent des bibliothèques, des musées et d'autres établissements scientifiques.
Ilustração da Praia Grande com a colina e ermida da Penha ao fundo.
Meados séc. 19. Não incluída na obra referida

La Pria-Granda de Macao

La Pria ou Praya granda est le seul monument qui soit resté des jours brillants de Macao vue de la mer elle présente le plus ravissant coup d'œil. Sur une étendue de sept cents aunes s'élève en demi cercle une rangée de superbes habitations. L'espace laissé entre elles et l'eau sert de promenade; il est pavé et communique avec les vaisseaux qui sont à l'ancre au moyen de ponts. Ici sont situées les factoreries et l hôtel du gouverneur portugais, deux vastes constructions tout près d'elles est bâtie la maison des percepteurs d'impôt sur laquelle flotte la bannière impériale; à l'extrémité de la rue principale on découvre le sénat, édifice de grande dimension mais sans style; outre les bâtiments de la Praya granda on remarque des maisons d'architecture anglaise, des églises portugaises avec des cloches sonnant fréquemment à toute volée, des temples chinois et des habitations construites d'après les coutumes bizarres de ce peuple.
L'église Saint Joseph la plus belle et la plus étendue des douze sanctuaires de ce genre que les premiers colons portugais élevèrent est consacrée aux apôtres et appartient à un ordre monacal.
Cette ville vue de la mer n'a pas du tout l'aspect d une cité chinoise; le petit nombre d'habitants de cette nation demeurent dans des rues de l'intérieur dans des maisons à un étage qui sont cachées par les hôtels des Portugais et des Anglais ils sont presque tous ouvriers approvisionneurs et courtiers.
A côté du collège Saint Joseph Macao possède encore une autre école et des établissements scientifiques ainsi qu un refuge pour les orphelines. A l'extrémité de la Praya Granda on montre dans un spacieux jardin une grotte naturelle, appelée casa dans laquelle le Camoëns autrefois juge portugais à Macao écrivit dit on la plus grande partie de son immortelle Lusiade. Le mouillage pour les vaisseaux de fort tonnage est situé de l'autre côté de la presqu'île à environ dix milles anglais de Macao. Cette dernière ville se met en rapport avec cet endroit au moyen de bâtiments légers ou de longues barques. Avant les derniers traités chaque navire étranger qui voulait jeter l ancre devait recevoir un pilote qui avait pour mission de prendre connais sance de sa cargaison et de la déclarer à la douane. Quand les droits avaient été acquittés les passagers féminins pouvaient débarquer mais selon l'ordonnance chinoise ne pas chercher à pénétrer dans l'intérieur de l'empire. Cette formalité essentielle une fois accomplie le capitaine obtenait un Tschop ou autorisation de franchir le Bocca Tigris ces règlements ont été quelque peu violés dans les derniers temps et les circonstances ont également apporté des modifications à l'état primitif de ce port ainsi c'est Hong Kong qui a hérité du commerce de Macao, celui de Canton sest partagé entre les cinq places de commerce que le traité de Nanking a ouvertes aux Anglais Macao est donc désormais con damnée au repos le plus absolules familles chinoises de Canton y viennent aux jours brûlants de l'été séjourner quelques mois pour se dérober à la température intolérable de la cité des factoreries.
Les Portugais y fêtent gaiement chaque année le carnaval et ne se font pas scrupule pendant ces jours de folie de railler leur grandeur commerciale antérieure. Vis à vis de la grotte de Camoëns, les Jésuites avaient il ya plusieurs années établi un collége et un observatoire dont on retrouve encore les ruines éparses sur ce site charmant. Les vénérables pères avaient adroitement choisi cette localité où l'on est à l'abri de la mousson qui fait la terreur des vaisseaux réfugiés dans la rade.
Aux motifs que nous avons donnés pour expliquer la décadence de la ville où habita l'illustre Camoëns il faut encore ajouter une cause toute physique c'est l ensablement croissant du port et nous citerons immédiatement un exemple à l'appui de notre dire Lorsque lord Anson vint ici il mouilla avec ses vaisseaux dans la partie de la baie qui avoisine les quatre îles et y fut à l'abri de tout danger tandis qu aujourd'hui il serait tout à fait impossible à un bâtiment semblable d'entrer à pleines voiles dans le port. (...)

PS: assinalando-se neste dia o Carnaval, atente-se na referência a estas celebrações neste registo de 1860.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Associação de Beneficência denominada Hospital Keng-Hu

No Boletim Oficial da Colónia de Macau de 21 de Setembro de 1942 são publicados os Estatutos da "Associação de Beneficência denominada Hospital Keng-Hu" aprovados pela Portaria nº 3:341. No preâmbulo dos estatutos está um resumo da história da associação e do hospital também conhecido por Kiang Wu, a designação ainda hoje utilizada.
Ao fundo o edifício do hospital; nos edifícios em frente funcionaram escolas da referida associação.

domingo, 2 de março de 2025

Contrato com a Eastern & Australian Steamship Company: 1897

Em Julho de 1897 o governo de Macau assina um contrato com a Eastern & Australian Steamship Company Limited com o objectivo de garantir a navegação entre os portos de Timor e Macau. Foi curiosamente um ano depois de Timor deixar de estar subordinado ao governo de Macau passando a constituir um distrito autónomo.



Anúncio de 1897 num jornal da Nova Zelândia

O SS Australian era um dos navios da empresa Eastern & Australian Steam Ship (criada em 1873) que assegurava a rota entre a cidade australiana de Fremantle e Hong Kong e Macau. A empresa efectuava ainda ligações regulares ao Japão.
Neste registo de 2.8.1897 atesta-se a passagem do
SS Australian por Macau seguindo depois para Timor.

sábado, 1 de março de 2025

"Quartel da Polícia"

Na edição de 1 de Julho de 1881 a revista Occidente publica uma gravura - imagem acima - e um pequeno texto sobre o "Quartel da Polícia em Macau":
"O governo do sr visconde de S Januario na India foi assignalado por muitos feitos importantes quer como militar e diplomata, subjugando as revoltas e pacificando o estado de excitação em que se achava a provincia quando para alli foi em 1870, quer como administrador da fazenda publica que organisou e gerio acertadamente. Ao seu governo da India seguiu-se o governo de Macau e aqui continuou a sua magnifica administração. As obras publicas mereceram-lhe especial attenção e entre os edificios importantes com que dotou Macau conta-se o quartel da policia que a nossa gravura representa. É uma magnifica construcção no estylo oriental que se impõe agradavelmente pela sua grandeza e architectura. Ao aspecto exterior corresponde a boa disposição interior podendo accommodar um batalhão regular com as commodidades precisas. Está construido em ponto elevado dominando a cidade e avistando-se de muitos pontos."
Para a conclusão do projecto - inauguração em 1874 - foram necessárias obras suplementares relacionadas com os enormes volumes de terra que resultaram do aterro de parte da colina incluindo a construção de um muro de suporte.  O "orçamento supplementar" foi aprovado a 27 de Dezembro de 1873. (imagem acima)

O que viria a ficar conhecido como Quartel dos Mouros, uma vez que os primeiros a ocupar o edifício inaugurado em 1874 foram polícias mouros (designada Companhia dos Mouros) oriundos de Goa, foi o segundo edifício construído de raiz para albergar forças de segurança na cidade. O primeiro foi o Quartel de S. Francisco, construído em 1865 no local onde existiu o convento com o mesmo nome e que foi demolido passando a albergar o Batalhão de Linha, ou seja, uma força militar. Nesta época também ajudava nas acções de policiamento.
O Corpo de Polícia foi organizado em 1858 pelo macaense Bernardino de Sena Fernandes sendo o comandante até meados de 1863.
Entre os primeiros edifícios que albergaram o corpo de polícia - e também as forças militares  - contam-se residências particulares e antigos conventos, para além das fortalezas existentes que manifestamente não tinham nem espaço nem condições para acolher o cada vez maior número de efectivos necessários para garantir a segurança do território, ao nível marítimo e terrestre. 
A secção "Polícia do Mar" foi organizada em 1862 e em 1868 passou a designar-se "Polícia do Porto", ficando desligada da polícia da cidade. O quartel desta 'nova' polícia "continua sendo a bordo da lorcha Amazona* que servirá de pontão de registro e ao mesmo tempo de deposito das praças de marinhagem da estação naval que sahirem do hospital não estando no porto os navios a que pertençam", pode ler-se no ponto 6 do despacho do governador António Sérgio de Sousa a 3 de Setembro de 1868. 
* A Amazona era uma lorcha de guerra.
Em 1869 o Corpo da Polícia era constituído por 306 homens e 25 cavalos. Destes, 190 homens estavam distribuídos por 15 estações (Santo António, Mongha, Flora, Porta do Cerco, Taipa, coloane, Patane, Lilau, S. Lázaro, Tarrafeiro, etc...)
Entre as diversas forças estavam os "loucanes" (36) que eram os "soldados chineses da polícia". Do uniforme faziam parte umas longas meias brancas por fora das calças e pequenos chapéus feitos de filamento de bambu. Em 1889 a Capitania do Porto de Macau tinha 59 loucanes ao serviço.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Uma carta de dois missionários em 1826

Na edição de 2 de Janeiro de 1827 o jornal londrino The Morning Herald publica uma carta escrita meses antes por dois missionários protestantes onde concluem que só existiam condições para as acções missionárias na China em Cantão e Macau.
(From the Missionary Chronicle) Extract of a Letter from the Rev. D. Tyerman and Geo. Bennett, Esq., dated Calcutta, May 17, 1826, addressed to the Secretary of the Missionary Society :
"We sailed from Batavia in a small brig called the Fly, on the 7th of September, for Singapore, which we reached in safety on the 14th of the same month. After remaining more than a fortnight at Singapore, we sailed for China, on the Ist of October, in the Hon. East India Company's ship, the Windsor, Captain Haveside, and landed at Macao on the 14th of the same month. We remained at Macao nearly three weeks, when we proceeded to Canton, whirls we reached on the sth of November 1825." From the Report given by the Deputation, under the head Chinese Mission, we extract the following passages: "On our arriving at Macao, in China, we had greatly to regret the absence of Dr. Morrison, as he had not returned from England. Having understood that he had left his house ready for our accommodation, we took up our residence in it. "
Description of Macao - The island, or rather peninsula of Macao, is about six miles in circumference, and is a mere rock, exceedingly sterile and barren in appearance. It contains 45,000 inhabitants, of whom 40,000 are Chinese, who live principally in the town of Macao. The other part of the population is composed of Portuguese arid a few English. Here are many Chinese temples, thirteen Roman Catholic churches and chapels, and about one hundred priests and others who live by the altar, and one English Protestant chapel, belonging to the Hon. East India Company, in which the Rev. Mr. Harding officiates, and where most of the gentlemen connected with the Factory attend while at Macao. The climate of this island is good, and the atmosphere salubrious, and the heat by no means oppressive.
Description of Canton - Canton is a vast city, containing about inhabitants, including those who live upon the water in boats. It stretches about five miles up the side of the river, and nearly three miles in the opposite direction. The houses are in general small, and the streets crowded and narrow, but well paved and clean. The appearance of business is astonishing. Within this vast place all is bustle, but the best order every where prevails. Many of the shops are handsome, and the hougs (or warehouses) of the. bong merchants are prodigious establishments. The city of Canton is inclosed by a strong wall, and the gates so well guarded, that though we gained access through several of them, we were obliged immediately to retire again. So far as we could see into the city, within the walls, it appears that the streets and houses are much inferior to those of the suburbs. The factories belonging to the East India Company, and various other merchants, are buildings of great magnitude, though they are all confined within a space not more than a quarter of a mile square on the bank of the river. Here, as well as at Macao , the square, have a small neat chapel, where the Rev. Mr. Harding officiates. "How lamentable is it to sec this immense city wholly given up to idolatry, amd the most gross and ruinous superstitions! Temples of all sizes, every where present themselves, devoted to their several idols. But very lew persons are ever seen performing their devotions in these temples, which are more frequently employed as gambling-houses, tailors' shops, and various other purposes. On the island of Haynan, and on the side of the river immediately opposite to Canton, is one of the most ancient and extensive temples in all China. It covers a vast plot of ground, and supports nearly 100 priests. In one compartment we saw twelve sacred hogs of great size, and fed and kept with the greatest care. Some of them, it is said, are 70 or 80 years old. It was in this temple that Lord Amherst was allowed to take up his residence; in one of the temples within the general inclosure, his chaplain was allowed to officiate, and the Chinese even removed the vast idols out of it during that time; here also the sacranient of the Lord's Supper was administered. In the house of every Chinese and in every shop there is generally a compartment, or recess, fitted up facing the entrance door, and furnished with all the apparatus necessary for their idolatrous worship: with candles and incense burning; and, in the evenings, are seen at the door of almost every house, sticks with incense burning in compliment to their gods. Some of the Chinese appear to be conscientious and diligent in the discharge of what they consider their religious ditties, and are not unfrequently seen with their doors and windows open, exposed to the gaze of every one who may be passing by, performing their evening devotions, many times prostrating themselves before their idols, burning sacred paper and letting off crackers, with which they imagine their gods to be highly pleased. How lamentable! All this vast population perishing for lack of knowledge to let British Christians be fervent in pleading with Goy the cause of this vast empire, that a door may be opened, and that the truth may enter in!"
Obstacles to direct Measures for the Introduction of Christianity into China - Such is the lamented state of China, that we conceive the only way in which it can be assailed is through the medium of the out-posts. A Missionary, as such, cannot exist with safety any where in that vast country but where the East India Company have factories— i. e. in Canton and Macao only. (...)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

The Most Recent Account of China: 1835

Na ediçao de 11 de Fevereiro de 1835 do jornal londrino Morning Herald é publicado um anúncio a uma obra em dois volumes com ilustrações intitulada "Wanderings in New South Wales, Batavia, Pedir Coast, Singapore, and China in 1832, 1833, and 1834." Da autoria de George Bennett é considerada na época como o mais recente relato sobre a China e, já agora, sobre Macau, destacado no anúncio publicado na imprensa.
O anúncio é da editora Richard Bentley, 8, New Barlington-street. e inclui um excerto da crítica feita à obra na edição de Fevereiro de 1835 da Quarterly Review:
"This work carries us pleasantly over a wide diversity of sea and land, and is well calculated to excite and gratify curiosity. We have in it a fuller and livelier description of Macao - lts inhabitants - Portuguese, English, and Chinese - than we have elsewhere met with; and of Canton itself he furnishes sketches which will also reward the reader's attention. The mass of facts which the author has brought together relating to the Oceanic birds is highly curious."

"Esta obra transporta-nos agradavelmente por uma grande diversidade de mares e terras, e está feita de maneira a suscitar e gratificar a curiosidade. Nela temos a mais completa e viva descrição de Macau - dos seus habitantes - portugueses, ingleses e chineses - comparando com o que já vimos noutras obras; e também da cidade de Cantão cuja descrição irá compensar a tenção prestada pelo leitor. A quantidade de factos que o autor reuniu relativos às aves oceânicas é bastante curiosa."

O anúncio foi publicado em inúmeros jornais: Morning Herald, The Examiner, etc....

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

"Loose letter box"

"In future a loose letter box will be placed onboard the Macao steamer. Correspondence fully prepaid in Hongkong stamps, posted in this box, will be treated as paid at Macao"
The Hongkong Government Gazette 18.9.1897

O anúncio é do responsável pelos Correios de Hong Kong e foi publicado no boletim oficial do governo da colónia britânica a 18 de Setembro de 1897. Informa que "No futuro, será colocada uma caixa de correio a bordo do navio a vapor de Macau. A correspondência totalmente pré-paga em selos de Hong Kong, colocada nesta caixa, será tratada como paga em Macau."

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

"Galeria dos Governadores": 1846 a 1999

A "Galeria dos Governadores" é a mais recente exposição permanente do CCCM em Lisboa, um projecto apoiado pela Fundação Jorge Álvares que reúne 41 retratos dos governadores de Macau entre 1846 e 1999. 
Foto CCCM
Os retratos faziam parte da Sala de Retratos do Palácio do Governo em Macau (no primeiro andar do edifício na Praia Grande) e foram para Portugal em 1999 aquando do fim da administração portuguesa do território. Estiveram guardados durante 25 anos e após alvo de restauro estão agora acessíveis ao público.
A galeria está dividida em em cinco secções: "refundação de Macau (1846-1886)”, de João Maria Ferreira do Amaral a Thomaz de Sousa Rosa; “O fim das monarquias imperiais (1886-1910), de Firmino José da Costa a Eduardo Augusto Marques; “Entre duas guerras no mundo (1914-1946), de José Carlos da Maia a Gabriel Maurício Teixeira”, “Os desafios do pós-guerra (1947-1974), de Albano Rodrigues da Fonseca a José Manuel Nobre de Carvalho; e, finalmente, “Os caminhos da Transição (1974-1999), de José Eduardo Garcia Leandro a Vasco Rocha Vieira.

Museu CCCM: Rua da Junqueira, nº 30 Lisboa
Horário: 3ª a 6ª, das 10h às 17h30. Encerra ao Sábado, Domingo e 2ª feira.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Portugal, a China e a "Questão de Macau"

Natural de Santarém, onde nasceu a 6 de Dezembro de 1949, Francisco Gonçalves Pereira (FGP) morreu em 2003. Chegou a Macau em 1982, quando começou a trabalhar nos Serviços de Economia. Mais tarde estabeleceu-se como advogado tendo sido co-fundador do escritórios de advogados (Afonso, Gonçalves Pereira & Rato), sendo também Notário Público em 1991.
Como advogado, FGP permaneceu em Macau até 1998 indo depois para Londres onde iniciou o doutoramento na “London School of Economics and Political Science” e desenvolveu a tese, orientada pelo Professor Michael Yahuda, sobre a questão da reunificação da China”. “Accomodating Diversity: The People’s Republic of China and the “Question of Macao” (1949-1999)” é o título do trabalho que não chegou a completar mas que foi também editado em inglês.
No livro FGP faz uma análise histórica e política sobre o estatuto jurídico-político de Macau entre 1949 (subida ao poder do Partido Comunista da China) e o período que antecedeu a transferência de administração de Macau em 1999. 
Carlos Gaspar escreveu um recensão ao livro publicada na revista Relações Internacionais de Setembro de 2014 e da qual apresento aqui alguns excertos:
«A República Popular da China e a ‘Questão de Macau’» –, que define o quadro indispensável para compreender a evolução de Macau entre 1949 e 1999. Os três momentos críticos nessa relação foram, por ordem cronológica, a decisão de manter o status quo em Macau (tal como em Hong Kong), que foi tomada antes das tropas comunistas chegarem aos limites do Território; a tomada do poder em Macau durante a «Grande Revolução Cultural Proletária»; e, finalmente, o processo de negociação sobre a transferência de poderes, que definiu a constituição da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China e o calendário para a transferência de soberania.(...)
A sua tese defende que o pragmatismo das autoridades chinesas pôde assegurar, ao longo do tempo e em diferentes formas, a co-existência de reivindicações contrastadas sobre a soberania do Território de Macau.
A posição da República Popular da China sobre a questão de Hong Kong e Macau estava tomada em Outubro de 1949, quando os dirigentes comunistas decidiram não invadir nenhuma das duas colónias, cujos titulares – a Grã-Bretanha e Portugal – eram ambos membros fundadores do Pacto do Atlântico Norte e aliados dos Estados Unidos. A nova República Popular não queria abrir uma crise com a principal potência ocidental, que parecia disposta, inicialmente, a deixar cair o regime nacionalista refugiado na Formosa. Porém, os termos dessa decisão foram prejudicados pela Guerra da Coreia e pela intervenção militar da China no conflito, que travou as tropas norte-americanas e assegurou a sobrevivência do regime comunista norte-coreano. Nessa altura, o Secretário do Foreign Office, Ernest Bevin, receava que Hong Kong se transformasse na «Berlim do Extremo Oriente». Mas os dirigentes chineses, ao contrário dos responsáveis norte-americanos, nunca confundiram os dois teatros, o europeu e o asiático, da Guerra Fria. A República Popular da China decidiu deixar estar o Governador britânico em Hong Kong e o Governador português em Macau, embora sem nunca os reconhecer. A Grã‑Bretanha, ao contrário de Portugal e contra a vontade dos Estados Unidos, estabeleceu relações diplomáticas com o regime comunista chinês, logo em Janeiro de 1950. Todavia, essa decisão não teve quaisquer efeitos de diferenciação no tratamento de Hong Kong e de Macau. Em ambos os casos, o regime comunista impôs novas regras, sem pôr em causa a permanência das administrações coloniais de Portugal e da Grã-Bretanha nos dois territórios.
Francisco Gonçalves Pereira descreve um episódio em que as novas autoridades chinesas exprimiram, através dos agentes locais da «frente patriótica», o seu desagrado pela realização de cerimónias do Guomindang na data de proclamação do regime republicano na China, em 10 de Outubro (o «Duplo Dez»), que foram prontamente proibidas pelo Governador português. Tal como do lado chinês, o pragmatismo também orientou a política da administração portuguesa, que pôde manter-se, sem «perder face», dentro das novas regras do jogo (pp. 62-74).
A «Grande Revolução Cultural Proletária», que desabou sobre Macau em Dezembro de 1966, mudou substancialmente essas regras, sem que possa ainda haver uma conclusão definitiva sobre se essas alterações resultaram da força das coisas ou de uma decisão das autoridades centrais chinesas. Com efeito, os incidentes de 3 de Dezembro de 1966 (o «Um Dois Três») coincidiram com a «tomada do poder» pelos «Guardas Vermelhos» em Cantão, que tinha começado em 4 de Novembro com a «autocrítica» dos dirigentes regionais do PCC, nomeadamente Zhao Ziyang, Secretário do Partido Comunista da China do Sul e futuro Primeiro Ministro (pp. 99-107)7. A depuração de Zhao era, por sua vez, inseparável da denúncia do seu patrono Tao Zhu, membro do Comité Pemanente do pcc, cuja deposição marcou uma nova etapa na radicalização da «Grande Revolução Cultural
Proletária» em Pequim. A ofensiva dos «Guardas Vermelhos» fazia parte da estratégia de terror de Mao, que nesse ano comemorou o seu aniversário, em 26 de Dezembro, com um brinde «ao início de uma guerra civil à escala nacional». Os incidentes de Macau forçaram a intervenção de Chen Yi, ainda Ministro dos Negócios Estrangeiros, para evitar a expulsão das autoridades portuguesas (pp. 117- 118). De resto, Salazar e Franco Nogueira, embora reconhecendo o estatuto singular de Macau entre as dependências ultramarinas portuguesas, parecem ter admitido retirar do Território se não fosse possível ficar com um mínimo de dignidade.
Francisco Gonçalves Pereira considera que os incidentes de Dezembro de 1966 marcaram o princípio da definição do «Modelo de Macau»: «Os incidentes deixaram uma marca irreversível no sistema político de Macau em consequência do reforço da hegemonia da elite política local pró-Pequim» (pp. 143-149). Mas, se as autoridades portuguesas não queriam sair de Macau, as autoridades chinesas também não as queriam ver partir e, nesse quadro, «um novo equilíbrio, em que a China tinha um interesse implícito, foi construído a partir do antigo modus vivendi» (p. 144). Na fórmula de Francisco Gonçalves Pereira, essa «convergência implícita» tornou-se um «acordo explícito» na Acta anexa ao comunicado sobre o estabelecimento das relações diplomáticas oficiais entre Portugal e a República Popular da China, assinado em Paris em Fevereiro de 1979 (pp. 170-172). O acordo secreto reconhecia formalmente Macau como um «território chinês sob administração portuguesa » e antecipava que o seu futuro seria decidido, no momento oportuno, por conversações entre os dois Estados.
Para Francisco Gonçalves Pereira, «com o subtil desacoplamento do conceito de soberania e da administração e com o reconhecimento de um princípio de bilateralismo para a resolução de uma disputa histórica, o “Modelo de Macau” apontava para a necessidade de encontrar uma fórmula para a futura transição para o domínio chinês» (p. 172). David Owen, Secretário do Foreign Office, partilhava essa análise e admitiu que a «Macau Solution» pudesse ser aplicada a Hong Kong.
Nesse sentido, deu instruções ao Governador britânico para apresentar às autoridades chinesas uma proposta em que o Reino Unido reconheceria a soberania chinesa sobre Hong Kong em troca do prolongamento da administração britânica para lá de 1997, a data em que terminava o arrendamento legal dos Novos Territórios adjacentes à colónia. David Owen estava adisposto a ir a Pequim receber a resposta chinesa. Como relata Francisco Gonçalves Pereira, a proposta foi apresentada a Deng Xiaoping por Sir Murray MacLehose, durante a primeira visita oficial a Pequim de um Governador de Hong Kong, em Março de 1979. Perante essa proposta inglesa, que a parte chinesa não tinha suscitado, Deng foi forçado pelas circunstâncias a explicar ao diplomata britânico que Hong Kong, no futuro, seria uma «região especial» que poderia continuar a «praticar o seu capitalismo durante muito tempo» enquanto a China continuaria a praticar o seu socialismo (pp. 174-175). Essa política geral, mais tarde conhecida pela célebre fórmula de Deng Xiaoping – «um país, dois sistemas» – tinha sido definida para a estratégia de «reunificação pacífica» com Taiwan, nas vésperas da normalização das relações diplomáticas com os Estados Unidos, em Janeiro de 1979, e seria também aplicada em Hong Kong e Macau.
A tese de Francisco Gonçalves Pereira é a primeira a integrar os dois processos de negociações sobre o futuro de Hong Kong e de Macau, que são um único processo no quadro da política de reunificação chinesa, cuja prioridade tinha sido confirmada por Deng Xiaoping quando foi aprovado o programa das «Quatro Modernizações». Contra a posição dominante, Francisco Gonçalves Pereira demonstra que o primeiro passo foi dado por Portugal, com o acordo de Paris, na sequência do qual a diplomacia britânica se propôs seguir o «Modelo de Macau» para resolver a questão de Hong Kong e continuar no território por tempo indeterminado, o que obrigou Pequim a tomar uma posição. Obviamente, as autoridades chinesas não podiam admitir essa hipótese e Deng teve de persuadir a Primeira Ministra Margaret Thatcher, não sem dificuldades, a negociar os termos da devolução de Hong Kong na data prevista, que ficaram definidos treze anos antes, em 1984, com a assinatura da Declaração Conjunta sino-britânica. Acto contínuo, em Maio de 1985, o Primeiro Ministro Zhao Ziyang propôs ao presidente Ramalho Eanes a abertura das negociações bilaterais sobre o futuro de Macau. As autoridades portuguesas aceitaram e marcaram o início das conversações para um ano mais tarde, depois da eleição do novo Presidente da República (pp. 197-205). Francisco Gonçalves Pereira analisa detalhadamente o processo das negociações entre Portugal e a China. O seu juízo é severo, sobretudo para a parte portuguesa, presa pela ilusão de que seria possível evitar o destino de Hong Kong e manifestamente impreparada para as negociações que se iniciaram em Junho de 1986, sem
qualquer participação de representantes do Território, em contraste com a posição da China, que incluiu personalidades de Macau na sua delegação oficial (pp. 205-215). As suas críticas são justas e fundadas. Mas, como refere Michael Yahuda no seu prefácio, Francisco Gonçalves Pereira conta
uma história fascinante, que mostra como «Portugal, que tinha poucos interesses tangíveis em Macau, foi capaz de defender as suas posições nas negociações com a China, que sempre teve a capacidade para engolir o pequeno território em qualquer altura» (pp. 13-14).Com efeito, à partida, Pequim queria «recuperar Macau» em 1997, ao mesmo tempo que Hong Kong, e tratar o Território português
como uma versão em ponto menor da colónia britânica. Porém, no termo das negociações, a Declaração Conjunta sino‑portuguesa não só separou as datas de transferência de poderes, como fez valer os direitos de nacionalidade portuguesa de todos os habitantes de Macau, incluindo os Chineses nascidos no Território, no quadro de um acordo bilateral adequado à especificidade política, económica e cultural de Macau.
Na última parte da sua tese, Francisco Gonçalves Pereira descreve a etapa final do processo de transição, entre 1986 e 1999, e analisa a especificidade do estatuto constitucional de Macau como uma Região Administrativa Especial da República Popular da China, bem como a sua originalidade no quadro do direito internacional. Não obstante, na conclusão, Francisco Gonçalves Pereira declara-se céptico sobre o futuro do Território que conhecia tão bem. Por um lado, a fórmula «um país, dois sistemas» foi definida para a política de reunificação e, portanto, não é um «arranjo institucional permanente»: o futuro de Macau depende da evolução de Taiwan e da continuidade da estratégia de «reunificação pacífica» da China (p. 266). Por outro lado, tanto as instituições de Macau, como a sua identidade democrática, são relativamente fracas, o que assegura a preponderância da elite política tradicional, muito ligada a Pequim, e limita as virtudes formais da autonomia da Região Administrativa Especial, que se pode vir a tornar uma «autonomia de fachada» (p. 269).
Tal como Hong Kong, Macau embarcou numa «jornada sem precedentes para uma terra incógnita». Mas, como explica Francisco Gonçalves Pereira na sua última crónica da transição de Macau, o antigo Território português tem uma vantagem comparativa: o seu lugar foi sempre entre duas soberanias e a sua identidade define-se por uma capacidade única de sobreviver num quadro de incerteza e de ambiguidade.
Para além das edições em português (1995 e 2010) o livro teve uma edição em língua chinesa em 2013, no 10º aniversário da morte do autor.