Deixando estas ilhas, que sao sem conto, a que nao se sabem os nomes, assim habitadas como desertas, torno-me á costa que de Malaca vai contra os chins, de que nao tenho informagáo, mas perguntei a mouros e gentíos, homens de crédito, e me disseram que eram quatro ilhas habitadas; e, por eles, soube somente que passando o reino de Anseáo, e outros muitos, está o reino da China, que dizem que é urna grandíssima térra e senhorio pela térra firme, e de longo da costa do mar, povoada também de gentíos.
O rei déla é gentío, honra muíto os ídolos, está sempre no sertáo, tem mui grandes e boas cidades, nenhum estrangeiro pode entrar pelo sertáo, sómente nos portos de mar negoceiam; seu maior trato é ñas ilhas.
Se algum embaixador doutro reino vem a ele por mar, primeiro que a ele vá, lhe fazem a saber como lhe trazem certas embaixadas e presentes, entáo o manda ir onde ele está.
Os moradores deste reino sao grandes mercadores, sao homens brancos e bem dispostos. Suas mulheres sao de mui formosos corpos, ele e elas tém os olhos pequeños, ñas bar¬ bas tres ou quatro cábelos nao mais, por gentileza, e, quanto mais pequeños tém os olhos, tanto os háo por mais gentis homens.
Andam as mulheres mui ataviadas de panos de algodáo, seda e la.
Os trajos da gente desta térra sao como os de alemáes.
Comem em mesas altas como nos, com suas toalhas mui alvas, para quantos háo-de comer a urna mesa, póem urna faca, bacio, guardanapo e um pouco de prata ; nao tocam com a máo o que comem, chegam muito o prato á boca, e, com urnas tenazes de prata ou pau metem o comer na boca mui a miude, porque comem muito depressa, e fazem muitos man¬ jares de carnes, pescadas e outras muitas cousas. Comem mui bom pao de trigo, bebem muitas maneiras de vinhos; e, muitas vezes, a cada comer, comem carne de caes, e hao-na por mui boa carne.
Sao homens de muita verdade, porém nao sao bons cavaleiros, mas grandes mercadores, tratantes em toda a mercadoria.
Fazem aqui muita soma de porcelanas, que é boa mercadoria para todas as partes, que se fazem de búzios, de cascas de ovos e claras, e outros materiais, de que se faz urna massa que langam debaixo da térra por espago de tempo, que entre si tém por grandes fazendas e tesouro; porque quanto mais se achega o tempo para as lavrar, vale muito mais; o qual chegado, lavram-nas de muitas maneiras e feigoes, délas grossas, outras finas, e, depois de feitas as vidram e pintam.
Aqui se cria mui boa seda, de que fazem muita quantidade de panos de damasco de cores setins e outros panosrasos e brocadilhos. Também há muito ruibarbo, almíscar, prata, aljófar e pérolas, porém nao sao perfeitos em iedondeza.
Neste reino se fazem muitos brincos formosos e doma¬ dos, como cofres mui ricos, pratos de pau, saleiros e outras subtis coisas, e há na térra para isso homens mui engenhosos.
Calgam botas como gente de térra fría. Navegam em juncos, trazem velas de esteiras como em Mogambique e os cabres e enxárcia de certa verga.
Sao deles grandes corsários, navegam para Malaca com toda a mercadoria da China, que ai vendem mui bem, e carregam de muito ferro, salitre, retrós de cores e outras miudezas, como os venezianos soiam trazer antes as nossas partes, e de pimenta de Samatra e do Malabar, que vale na China a quinze e dezasseis cruzados o quintal, e daí para cima, segundo onde a levam, e, em Malaca a compram a quatro cruzados pouco mais ou menos, Também levam anfiáo a que nós chamamos opio, incensó, coral, paño de Cambaia e Paleacate.
Estes chins que vivem de trato e navegagáo, trazem de continuo suas mulheres e filhos dentro ñas naus, onde vivem sempre, e nao tém casas. Confina este reino da China com Tartária da banda do Norte.