Pela mala da India vieram noticias de Macau até 15 de Junho. Consta por ellas que aquella cidade estava tranquilla e em boa intelligencia com os chinas, a ponto de haver alli quem julgue que não são já precisos os nossos navios de guerra cuja despesa onera inutilmente o nosso governo. A notícia mais notavel que veio de Macau foi a de um grande temporal que houve naquelles mares e de cujos pormenores extrahiremos o seguinte.
Na sua viagem para Wampoa a corveta D. João I commandada pelo sr Guimarães Junior soffreu aquelle temporal, desde o dia 30 de Abril até 19 de Maio, sendo obrigada a pôr de capa rigorosa por espaço de cincoenta e oito horas, e a correr depois com o tempo por espaço de vinte e duas horas. Representando pratico daquelles mares que a corveta se não podia aguentar por mais tempo com o vento e mar que faziam, e contra a monção, o commandante convocou um conselho dos seus officiaes e todos concordaram que era de indispensavel necessidade arribar a Macáo.
Os praticos asseveram que ha muitos annos não houve naquellas regiões um temporal tão forte. Foram immensos os desastres que soffreram os navios que navegavam por aquellas costas. Quatro navios inglezes que tinham sahido de Hong Kong para diversos pontos e entre elles o vapor de guerra inglez Salamandra chegaram a Ammoy com grandes avarias. No baixo do Prato naufragou um navio inglez. O governador de Hong Kong logo que soube deste naufragio mandou sahir o brigue de guerra Piloto e o Renard para salvarem a tripulação naufragada.
O vapor perdeu-se desgraçadamente no mesmo baixo. No dia 30 o brigue pôde receber os naufragados que se achavam asilados num ilheo e conduziu-os a Hong Kong. A corveta de guerra americana Marion que tinha sahido de Macao no dia 24 de Abril com destino a Changai, encalhou na costa da Ilha Formosa e viu- se precisada a alijar ao mar seiscentas balas; por fim teve a fortuna de se safar mas com o fundo todo arruinado.
A fragata hespanhola Bilbou esteve encalha da nuns penedos; partiu a quilha ficando em miseravel estado, a ponto de ser condusida a reboque por um vapor. Arribaram a Hong Kong muitos navios, entre elles, alguns dos chamados Clipers, que são construidos de modo proprio para navegar contra a monção.
Alem destes desastres é natural que houvesse muitos outros de que ainda não houvesse noticia. A corveta D. João I foi, de todas as notícias havia, o navio que menos soffreu e as suas varias foram reparadas em cinco dias; e no dia 27 de Maio sahiu outra vez para Wampoa. A disciplina introduzida na corveta D. João I pelo sr Guimarães Junior, e o sangue frio e coragem com que ele se portou durante o temporal, assim como o modo como todos os officiaes da mesma corveta se conduziram foram as causas que salvaram aquele navio dos maiores desastres. Veio d'ahi grande consideração para o Guimarães Junior e para a nossa marinha; os nossos marinheiros são hoje naquellas regiões julgados como excellentes e aptos para o melhor serviço."
in O Patriota 2.09.1851 (jornal publicado em Lisboa)
Contexto da época: O governador Ferreira do Amaral tinha sido assassinado pouco tempo antes (1849) e o cônsul português em Xangai acabara de ser reconhecido pelas autoridades chinesas pelo que a corveta D. João I saiu de Macau com destino a Xangai a 25 de Abril de 1851 mas o temporal não o permitiu tendo regressado ao território a 21 de Maio onde ao fim de alguns dias seguiu viagem para Whampoa.
A corveta D. João I, feita de madeira de teca, foi construída em Damão em 1828, a partir de uma outra corveta que fora abatida, a Infante D. Miguel, aproveitando os materiais do desmancho desta corveta e lançada ao mar em 9 de Outubro de 1828. Tinha boas qualidades náuticas.Tinha quase 46 metros de comprimento e 10,5 de largura. Com capacidade para trasportar uma guarnição de quase 200 homens estava equipada com 2 peças de bronze de calibre 18, 1 peça de bronze de calibre 3, 16 caronadas de ferro de calibre 32.
Começou por prestar serviço em Portugal, depois Brasil, Açores, Madeira e novamente Brasil. Dali, em 1850, largou do Rio de Janeiro para Macau, conduzindo o novo Governador Capitão-de-mar-e-guerra Pedro Alexandrino da Cunha. Em Janeiro de 1851, a "D. João I" largou de Macau para Hong-Kong, conduzindo o novo Governador, Capitão-de-mar-e-guerra Francisco António Gonçalves Cardoso.
A Corveta D. João I numa imagem da Marinha Portuguesa |
Regressou a Lisboa e em 1852 levantou ferro para Macau com escala pelo Cabo da Boa Esperança e Timor. Em 1854, conduzindo o Governador da província e o ministro plenipotenciário francês, largou de Macau para Ning-Pó, fazendo escala por Hong Kong e Amoy. Em Julho de 1854 travou combate com os piratas chineses com completo êxito. Em 1860 teve como missão transportar Francisco Guimarães, Governador de Macau, ao Japão, a negociar um tratado de paz, amizade e comércio com os japoneses. Em 1861, largou em segunda viagem ao Japão, com escala por Xangai, para se proceder ali à ratificação do tratado do comércio luso-japonês. Devido ao mau tempo não chegou ao seu destino. Depois de uns anos em Lisboa em 1869 foi reforçar a Estação Naval de Macau.Na década de 1870 prestou serviços nos Açores e Angola onde seria desarmada em 1874 e ali ficou até pelo menos 1892 já não navegando.
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