terça-feira, 18 de agosto de 2015

Pelos meandros do labirinto


O livro A Paixão Chinesa de Wenceslau de Moraes de Danilo Barreiros é de algum modo um livro perigoso, pois lê-lo e escrever sobre ele abre para um labirinto infinito de referências e de evocações no seio das quais estão reunidas todas as condições para nos perdermos. Tanto a vida e a obra de Wenceslau deMoraes como a obra e sobretudo a vida de Danilo Barreiros produzem imediatamente um fascínio ao qual é quase impossível resistir. Estamos na presença de dois aventureiros que transformaram as suas vidas em romances, recheados de peripécias tão variadas quanto apaixonantes. Mas o mais importante ainda é que não estamos a falar de misantropos, de aventureiros mais ou menos solitários, mas antes pelo contrário de personalidades que entreteceram ao longo das suas vidas múltiplas relações com figuras da vida cultural, social e cultural do seu tempo, com outras vidas, portanto, se não tão apaixonantes quanto as suas, pelos menos tão importantes e de atenção obrigatória.
Através de Danilo Barreiros e Wenceslau de Moraes entramos em contacto estreito com Camilo Pessanha, José Vicente Jorge, Sun Yat-Sen, Lou-Kau, Lou-LimIok, Zeng Guanying, entre muitas outras figuras ligadas à história da vida social de Macau. “E fugi, e voei, e fui deixando farrapos de alma (…)”. Tereza Sena não podia fugir ao significado desta frase que mais parece um verso de um poema autobiográfico, e por isso a escolheu para epígrafe da sua introdução, para se referir a Wenceslau de Moraes, que sendo o motivo desta obra não é o seu autor. Sobre Wenceslau de Moraes, a obra que, se outros méritos não tivesse teria pelo menos esse de deslocar a atenção sobre o aventureiro e escritor da sua ligação e paixão ao mundo nipónico e lembrar que antes do Japão, Wenceslau de Moraes, está também por uma estranha paixão ligado à China, embora através de Macau. Sabe-se que o Japão foi o maior amor da sua vida e que algumas vezes não se terá mesmo referido nos melhores termos a Macau e à China, contudo no balanço existencial da sua ligação ao Oriente, Macau e a China representaram um papel insubstituível, pois aqui viveu entre 1931 e 1945, o que não pode ser de somenos, aqui casou, mesmo que não tenha sido segundo os cânones do Direito Civil Português e aqui foi pai por duas vezes e afinal as únicas, que se saiba. Wenceslau José de Sousa Moraes nasceu em 30 de Maio de 1854, na Travessa da Cruz do Torel em Lisboa. Com 17 anos assentou praça voluntariamente em Caçadores 5, que abandonou para entrar na Marinha, concluindo o curso de Escola Naval aos 21 anos. Foi depois promovido a guarda-marinha indo servir em África Iniciou então um período de viagens a Moçambique com paragens na costa africana e Madeira. Em 1880 foi promovido a segundo- -tenente, e em 1885 fez a sua segunda estadia em Moçambique seguindo para Timor. Durante essa viagem fez escala em Zanzibar, Colombo, Singapura, Batávia, Macáçar e finalmente, Timor, onde apenas permaneceu um ano, pois foi obrigado a regressar por ordem médica. Em 1886, com 32 anos, foi promovido a capitão- -tenente. Dois anos mais tarde, em 1888, foi para Macau onde permaneceu até 1898 desempenhando missões no Sião e em Hong-Kong. Nesse primeiro ano começou a escrever a sua primeira obra, Traços do Extremo-Oriente, que foi publicada em Portugal em artigos avulsos no jornal O Correio da Manhã, sob o pseudónimo de A. da Silva. Wenceslau José de Sousa Moraes, seguiu a carreira da Marinha por questões financeiros, mas jamais se adaptou. Foi professor de matemática no Liceu de Macau, onde se tornou amigo de Camilo Pessanha e com quem partilhava muitos dos valores e interesses, em particular os literários e poéticos. Iniciou a sua ligação à escrita muito cedo, através da qual exprimia os seus anseios e desabafos mais profundos, a sua estrutural inadequação à sociedade convencional das mesquinhas preocupações. Em 1889 passou a viver com Vong Ioc Chan, uma jovem anglo-chinesa conhecida por Atchan (à qual há referência num episódio em Traços do Extremo-Oriente), e nesse mesmo ano visitou pela primeira vez o Japão que tanto o encantou. Desta paixão chinesa nasceram dois filhos, José de Sousa Moraes e João de Sousa Moraes. Separou-se da família devido ao seu cargo de oficial, mas assegurou sempre a subsistência dos três e a educação dos filhos até que estes atingissem a idade para se sustentarem e ajudarem a mãe. Ambos foram baptizados na igreja de São Lourenço em Macau, o mais velho em 1 de Setembro de 1892 e o mais novo em 2 de Setembro de 1905, estudaram em Hong Kong e visitavam a mãe durante as férias do colégio. O contacto com Atchan e os filhos foi mantido pela troca de correspondência através de Feliciano Francisco do Rosário, um macaense que servia de benévolo intermediário epistolar. Desta correspondência temos conhecimento pela obra de Danilo Barreiros A Paixão Chinesa de Wenceslau de Moraes, Desde a sua primeira visita turística ao Japão em 1889, durante a qual passou por Nagasáqui, Kobe e Iokohama, que Wenceslau de Moraes referiu a imensa atracção que sentia pelo País do Sol Nascente. A morte da sua mulher japonesa foi crucial. Uma ferida da qual nunca se terá curado verdadeiramente. Aos 59 anos deu início à sua niponização integral na cidade de Tokushima, pequena cidade do Sul do Japão, visitando o túmulo de O-Yoné. Depois viveu com Ko-Haru, sobrinha de P-Yoné e foi com a morte desta que mergulhou finalmente na mais completa solidão (…) Wenceslau de Moraes acabou por adoptar progressivamente todos os costumes japoneses até os religiosos que segundo ele se adpatava melhor à sua vida solitária.

Leopoldo Danilo Barreiros nasceu em 11 de Outubro de 1910 tendo partido muito novo à descoberta do mundo. Viveu em Macau entre 1931 e cerca de 1945, terra da qual nunca se desligou afectiva e culturalmente. Em Macau foi professor, jornalista e empenhado activista da Cruz Vermelha Internacional durante a II Guerra Mundial, tendo sido ainda um entusiástico bibliógrafo e coleccionador. Licenciou-se em Direito depois do regresso a Portugal, e exerceu o notariado e a advocacia. Publicou, entre outros estudos, O Testamento de Camilo Pessanha e As Marcas da Porcelana Chinesa. “Em Lisboa, foi um dos fundadores da Casa de Macau e viveu sempre com a cabeça em Macau, mas nunca mais lá foi…”. Leopoldo Danilo Barreiros faleceu no ano de 1994.
Artigo da autoria de Manuel Afonso Costa publicado no jornal Hoje Macau de 13.3.2015

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