Na edição de 8 de Fevereiro 2011 o jornalista do “The New York Times” Andrew Jacobs assina uma grande reportagem intitulada “Misturas distintas persistem numa esquina da China” sobre a cultura macaense. http://www.nytimes.com/2011/02/08/world/asia/08macao.html?_r=2
No JTM foi publicado um artigo que traduz a essência da reportagem e que a seguir se reproduz agradecendo mais uma vez aos autores e ao JTM.
Andrew Jacobs inicia a sua reportagem sobre Macau com uma referência ao multiculturalismo do território, que, aponta, é evidenciado pela cultura macaense. “Há muito tempo termos como ‘multiculturalismo’ e ‘cozinha de fusão’ entraram no léxico moderno. Aida de Jesus e os seus antepassados foram misturando linguagem, alimentos, e o ADN por distantes cantos do globo”, escreveu o jornalista, introduzindo assim a sua conversa com a macaense Aida.
No JTM foi publicado um artigo que traduz a essência da reportagem e que a seguir se reproduz agradecendo mais uma vez aos autores e ao JTM.
Andrew Jacobs inicia a sua reportagem sobre Macau com uma referência ao multiculturalismo do território, que, aponta, é evidenciado pela cultura macaense. “Há muito tempo termos como ‘multiculturalismo’ e ‘cozinha de fusão’ entraram no léxico moderno. Aida de Jesus e os seus antepassados foram misturando linguagem, alimentos, e o ADN por distantes cantos do globo”, escreveu o jornalista, introduzindo assim a sua conversa com a macaense Aida.
E prossegue: “uma ‘chef’ de 95 anos, cuja ancestralidade é traçada a partir de Goa, Malaca e outros pontos do antigo Império português, Senhora de Jesus, como ela prefere ser chamada, cresceu a celebrar o Natal e o Ano Novo Chinês, com refeições baseadas em chouriço português, ‘bok choy’ e galinha cafreal, - um prato de frango com um ‘pedigree’ africano. Senhora de Jesus falava português na escola, cantonense na rua e um crioulo animado conhecido como patuá com ‘as meninas’”.
“Nós, macaenses estamos sempre a misturar”, disse Senhora de Jesus (...) “Somos muito adaptados”.
“Mas actualmente os macaenses estão a nadar contra a maré demográfica que ameaça submergir o seu ‘cocktail’ cultural”, observou o jornalista. “Sempre superados em número pelos imigrantes chineses e comerciantes portugueses, que lotaram esta mancha densamente povoada do Delta do Rio das Pérolas, os macaenses, que ficaram no território após a criação da RAEM 1999, são certamente uma minoria. Menos de 10 mil macaenses residem em Macau, por contraste, a população é de 500 mil habitantes, sendo de cerca de 95 por cento chineses, taxa que continua a subir”, acrescentou.
Photo: Thomas Lee for the International Herald Tribune Aida de Jesus worked on recipes as her daughter Sonia Palmer had a sausage sandwich at the family-owned Riquexo Cafe and Restaurant. |
“Há provavelmente mais macaenses a viver na Califórnia e no Canadá do que em Macau”, apontou Miguel de Senna Fernandes, advogado e escritor, “cujo pai narrou a vida de macaenses comuns numa série de romances”. “Agora que somos parte da China, estamos diante de uma força muito poderosa e absorvente”.
“Mas isso não faz Miguel Senna Fernandes desistir”, sublinhou o jornalista. “Além da organização de eventos sociais, através da Associação dos Macaenses, Miguel também surge como o D. Quixote do patuá, que está listado pela Unesco como uma língua em extinção. O escritor ajudou a publicar um dicionário de expressões em patuá, e nos últimos 18 anos encenou uma peça de teatro anualmente que faz reviver o que os locais chamam de “Dóci Papiaçam”, isto é, fala doce”.
"Miguel de Senna Fernandes, identifica vestígios do seu fascínio pelo patuá na convivência com a sua avó, que falava o crioulo com os amigos durante o ‘chá gordo’ (...) Como frequentemente as expressões eram impróprias para os ouvidos de um miúdo de oito anos, a avó de Miguel traduzia-lhe as expressões de forma mais suave, seguindo-se uma repreensão para que continuasse a estudar o português correcto”, relatou Andrew Jacobs.
“Os antigos consideravam que o patuá era mau português, mas desde essa altura que estou viciado”, explicou, na reportagem, Miguel Senna Fernandes.
Andrew Jacobs refere ainda que “o patuá está entre os últimos dos crioulos que uma vez floresceram na constelação dos portos que compõem as explorações portuguesas na Ásia e em África”.
“Ao contrário de colonizadores britânicos, que mantiveram uma certa distância de seus súbditos em Hong Kong, - território que fica apenas a uma hora de viagem de ferry de Macau -, os portugueses casavam-se frequentemente com mulheres locais, que depois se convertiam ao catolicismo”.
Alan Baxter, linguista da Universidade de Macau e um especialista em crioulos baseados no português, explicou ao jornalista “que as raízes do patuá remontam ao século XVI, quando os comerciantes portugueses e seus seguidores faziam negócios com os africanos, indianos e malaios, tendo, em seguida, rumado para as outras colónias do império”.
“Imagine que estava num lugar novo, privado dos conhecimentos da língua local e que conseguia apenas apanhar os pedaços úteis para se conseguir alimentar”, enfatizou o linguista, explicando a evolução do crioulo.
“As contribuições do cantonense para o patuá vieram muito mais tarde, a partir do final do século XIX, após as muralhas que separavam os bairros portugueses dos bairros chineses terem sido derrubadas e os dois grupos terem começado a misturar-se”, indica o jornalista, usando as palavras de Baxter.
Posto isto, Andrew Jacobs “brinca” ele próprio com o crioulo, dizendo que “hoje em dia os macaenses dão a sua roupa suja a um ‘mainato’ – palavra derivada do malaio - e chamam às pessoas que lhe são queridas de ‘amo chai’, - uma mistura da palavra portuguesa amor e da expressão cantonense que significa pequeno”. “Os verbos não se conjugam, os nomes são repetidos para sugerir o plural e as palavras são, por vezes, colocadas de uma maneira que imita a estrutura clássica dos idiomas chineses”, adicionou.
“No início, esta forma de linguagem serviu bem os macaenses, promovendo o seu papel de ponte entre os governantes portugueses e os habitantes de Macau, predominantemente chineses. Depois, quando os macaenses começaram a enviar os seus filhos para as escolas portuguesas, tornaram-se indispensáveis como gerentes e burocratas. Mais recentemente, quando a China assumiu a administração do enclave depois de mais de 400 anos de domínio português, os macaenses dominaram o funcionalismo público do território”.
Antes de entrar no capítulo dos casinos, Andrew Jacobs realça a magia da zona mais antiga do território. “Embora a maioria dos visitantes hoje em dia seja rapidamente sugada para os casinos - entre os quais está o Venetian, um dos maiores do mundo - aqueles que percorrem as ruas de calçada estreita são facilmente atingidos pela coexistência do Oriente e do Ocidente. Templos budistas impregnados de incenso, igrejas barrocas, pastelarias portuguesas, mercearias de venda de barbatanas secas de tubarão estão amontoados sem descontentamento”.
Segundo escreve, “esse mesmo entrelaçamento é evidente na vida dos macaenses muitos dos quais consagrados católicos, mas que dão aos seus filhos pequenos envelopes vermelhos com dinheiro no Ano Novo Lunar. Por altura do Festival do Meio Outono, - um outro feriado chinês -, vão para as ruas transportando lanternas em forma de coelho”.
“Muitos de nós fomos educados na Europa, mas nenhum macaense ousaria mudar de casa sem consultar primeiro um especialista em feng shui”, explicou, na reportagem, Carlos Marreiros, arquitecto que desenhou o Pavilhão de Macau na Expo Xangai 2010. “Sou cristão, mas eu também acredito que Deus é um grande oceano e que todos os rios de religião correm para o encontrar”.
Andrew Jacobs continua: “nos anos que antecederam a criação da RAEM, milhares de macaenses apreensivos partiram, com muitos a instalarem-se em Portugal. Mas, ao longo da última década, Pequim tem-se mantido fiel à sua promessa de dar a Macau 50 anos de autonomia relativa, pelo que a emigração tem abrandado e um pequeno número, mas constante, tem regressado”.
“Uma atracção irresistível tem sido o crescimento económico desenfreado, estimulado principalmente pela Indústria do Jogo, que no ano passado ajudou a impulsionar o crescimento de 20 por cento da economia. Com os casinos abastecidos pelos jogadores do Continente, as receitas do Jogo de Macau estão agora a quadruplicar aquelas verificadas na Strip de Las Vegas. O impacto sobre a população local tem sido irregular. Uma lei que proíbe os não residentes de trabalhar como ‘croupiers’ e ‘dealers’ ajudou a proporcionar empregos bem remunerados aos residentes, mas o crescimento do sector drenou, inesperadamente, as escolas de professores. Tem sido também uma atracção irresistível para os jovens, estando um número crescente a abandonar a escola ou a rejeitar uma ida para a universidade para ir directamente trabalhar para os casinos”.
“Tanta prosperidade trouxe também outras desvantagens: a especulação imobiliária desenfreada que está a deixar a população local de fora do mercado de habitação. A Macau ensonada que provoca saudosismo a muitos, está cada vez mais submergida pela buzina e ritmos maníacos, que geralmente estão associados a Hong Kong”, observou o jornalista do NYT.
“Está tudo a acontecer de forma muito rápida: a construção é rápida, o negócio é fácil e todos estão mais stressados”, disse, por sua vez, José Sales Marques, último presidente do Leal Senado, que agora trabalha para promover melhores relações entre Macau e a Europa. “A prosperidade é maravilhosa, mas no final do dia todo o dinheiro não pode comprar uma cultura e uma identidade”.
No final do texto, Andrew Jacobs mostra ainda como a música pode perpetuar uma cultura: “Filomeno Jorge está determinado a manter viva uma vertente dessa identidade. Todas as quartas-feiras, ele agita os outros sete membros da sua banda, Tuna Macaense, a tocar um repertório diversificado que inclui, surpreendentemente, fados portugueses, baladas cantonenses e canções pop filipinas. Os pilares são, contudo, as músicas ‘vintage’ em patuá, algumas datadas de 1935, altura em que o grupo foi fundado por José dos Santos Ferreira, poeta e letrista creditado por trazer legitimidade cultural ao dialecto macaense. A Tuna Macaense chegou a ter ao mesmo tempo três dezenas de membros, tendo ficado conhecida por fazer actuações sem aviso prévio em casamentos e festas de aniversário”. (...)
“Apesar da Tuna Macaense ser abençoada com espectáculos frequentes, o Filomeno Jorge, está cada vez mais preocupado com a procura de sangue novo para a banda, uma busca até agora sem êxito”. “Todos nós temos mais de 50 anos. Depois de morrermos, a nossa música vai morrer, e eu não posso deixar isso acontecer”, disse Sr. Jorge a Andrew Jacobs, que termina a reportagem com esta afirmação.
Artigo da autoria de O.P. publicado no JTM de 9-2-2011
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