domingo, 16 de julho de 2023

Diccionário Universal de Educação e Ensino (1886) - 2ª parte

continuação... 

Igreja de S. Paulo

O cemiterio catholico é, como dissemos, no recinto da incendiada igreja de S. Paulo. Serve-lhe de frontaria e de entrada o frontispicio do templo que as chammas pouparam e se acha em bom estado de conservação. É uma fachada grandiosa pelas suas proporções adornos e materiaes. Porém a sua architectura é falta de gosto e sobrecarregada de decorações. Compõe-se de quatro corpos de differentes ordens de architectura. O primeiro é adornado de dez grandes columnas jonicas entre as quaes se abrem tres portas que dão entrada para o cemiterio. O segundo é decorado com outras dez columnas da ordem composita e quatro estatuas mettidas em nichos. O terceiro tem por ornatos seis columnas corinthias, uma estatua de Nossa Senhora em um nicho cercado de figuras de anjos quatro quadros com baixos relevos de figuras symbolicas e ainda outras decorações. O quarto corpo é ornado de quatro columnas, tres estatuas e diversos emblemas da Paixão de Jesus Christo tendo por corôa um frontão em cujo tympano se vê representado o Espirito Santo. O templo de S. Paulo foi uma das mais ricas e notaveis construcções que os jesuitas levantaram no Oriente. Era o principal monumento de Macau e tinha celebridade n'uma grande parte da Asia. Para a edificação do cemiterio demoliram-se as paredes lateraes da igreja até meia altura e construiram-se junto d'ella dous lanços de galerias abobabadas sustentados por pilares. A parte superior é um terrado e serve de passeio na parte inferior abriram-se catacumbas nas paredes e sepulturas no pavimento. No lugar occupado outrora pela capella mór edificou-se  a capella do cemiterio. O que era recinto da antiga igreja está arruado e plantado de cedros. Este cemiterio é administrado e foi feito pela confraria da misericordia no anno de 1837 sob a direcção do padre Joaquim José Leite, superior do collegio de S. José. 
O cemiterio dos chins é em sitio ermo. Os seus tumulos alvejam por entre latadas de flôres. As ruas da cidade são pela maior parte tortuosas estreitas e pouco aceadas principalmente as que ficam mais proximas ao mar todavia em outro tempo foram muito mais immundas. 
As casas construidas de pedra e caiadas exteriormente têm uma apparencia regular e mostram aceio. Algumas edificadas no gosto singelo e elegante da architectura ingleza e pertencentes a subditos da Grã Bretanha são de mui agradavel aspecto. Onde se vêem mais casas d'esta architectura é na Praia Grande, á beira mar sobre um caes extenso e magnifico com desembarcadouros commodos. É o melhor e mais lindo sitio da cidade.

Comércio

Macau é perfeitamente abastecida não só dos mantimentos necessarios á vida mas tambem de muitos de regalo. Acha-se sempre provida de excellentes carnes, de muita variedade de aves, peixes, hortaliças, legumes e fructas. Recebe todas ou quasi todas estas provisões do territorio chinez, circumstancia que obrigará em todos os tempos o governo e os moradores de Macau a procurarem viver em boa harmonia com o celeste imperio.
Tem esta cidade bons mercados cobertos e d'estes o melhor em edificio e mais notavel pela variedade e valor das mercadorias que expõe á venda é o bazar chinez. Os chins têm singular geito para fazerem exposição de productos de industria Sabem dispô-los com verdadeiro gosto artistico e de maneira a fazer realçar cada um dos objectos. Tanto no bazar como nas lojas observam á risca esta pratica.
O commercio é a industria quasi exclusiva de Macau pois que não tem fabricas nem terrenos para lavoura. Todavia possue algumas pequenas industrias manufactoras muito aperfeiçoadas posto que exercidas em geral pelos chins. Os trabalhos em que estes artistas mais sobresahem são os da ourivesaria e os da esculptura em marfim, tartaruga e madeira de que fazem artefactos de pasmosa delicadeza.
Os arrabaldes da cidade são limitadissimos pois que todo o territorio que ahi possuimos mal chega a ter uma légua de comprimento e meia na sua maior largura acrescendo a isto a ingratidão do sólo. Entretanto contam-se em volta da cidade várias hortas e jardins e três aldêas habitadas por chins.

Gruta de Camões

Há em Macau uma curiosidade natural e ao mesmo tempo sitio histórico, de mui subido apreço. É a gruta de Camões onde o príncipe dos poetas portuguezes, inspirado pelo amor da pátria, compôz alguns cantos ou deu os últimos traços no seu poema sublime os Lusíadas, com que glorificou Portugal e se immortalisou a si próprio. É formada esta gruta por grandes rochedos com duas entradas divididas por um penedo de figura cónica no qual descança a parte superior da rocha. Sobre a gruta está um esbelto pavilhão ou mirante d'onde se descobre em dilatado horisonte a bahia e a cidade de Macau e parte do porto da Taipa ou Typa, sempre animado por uma immensidade de navios europeus e barcos chinezes. Acha-se esta gruta em um quintal particular. O seu actual proprietario, o snr. Lourenço Marques mandou ha pouco fazer em Lisboa um busto em bronze do grande poeta para ser collocado n'aquella célebre lapa. Foi feito o modelo pelo snr Bordallo Pinheiro e os trabalhos de fundição foram executados nas officinas do arsenal do exercito pelo snr. Felisberto José Pereira. Está feito o busto com bastante perfeição. Tem de peso 49 kilogrammas.


População
A população de Macau tem tido muitas e grandes variações em resultado de alguns acontecimentos de Portugal e ainda mais dos successos de que tem sido theatro a China, desde o anno de 1842 em que a expedição ingleza ao cabo d'uma curta lucta conseguiu fazer abrir aos europeus os portos do celeste império. A emigração dos chins do território do império para dentro da cidade ou d'esta para outra qualquer parte é que fórma aquellas grandes variações. Em certas épocas chegou Macau a não ter mais de dez mil moradores. Quando a guerra assolou Cantão em 1854 elevou-se aquelle número a mais de sessenta mil. Presentemente poder-se-ha calcular em trinta e cinco mil almas a totalidade da população, sendo cinco a seis mil portuguezes, vinte e cinco a trinta mil chins, e quinhentos a seiscentos estrangeiros, em grande parte inglezes, francezes, americanos e hollandezes. A população de Macau em 1871 era a seguinte: Christãos 5500; Mouros parses, etc 2500; Chins de terra 53 700; Chins maritimos 10 000; Total 71 700. 
Clima

A salubridade do clima, a bondade e variedade de víveres e também a do sitio, attrahem a Macau em certa época do anno muitos negociantes inglezes de Hong Kong que a procuram como lugar de repouso e de recreio. Assim tambem serve muitas vezes de hospedaria ás legações europeas na China. D'este trato tem colhido a cidade muitos proveitos d'entre os quaes mencionaremos a edificação de lindas casas de campo e a introducção de muitas commodidades e confortos da vida hoje usados na Europa.

Importações e Exportações

No mesmo anno (1871) as importações tiveram o valor de 7993 contos de reis e as exportações 5014 contos. Os géneros que mais avultaram foram o chá e o opio. 

Ensino

Há em Macau um seminário, uma aula de pilotagem, três escolas primárias para o sexo masculino e uma para o sexo feminino. Em 1874 a frequência do seminário foi de 160 alumnos, a da aula de pilotagem de 9 e a das escolas primarias de 127. 

Excerto de "Diccionário universal de educação e ensino. Util á mocidade de ambos os sexos, ás mães de familia, aos professores, aos directores e directoras de collegios e aos alumnos que se preparam para exame Contendo o mais essencial da sabedoria humana e toda a sciencia quotidianamente applicavel, especialmente ao ensino. tudo simplificado ao alcance dos alumnos e pessoas meramente desejosas de instrucção, com elucidações tão profícuas aos mestres quantos proveitoas no trato das famílias. Redigido com a collaboração de escriptores peculiares por Emile-Mathieu Campagne diretor de Collegio. Trasladado a portuguez e ampliado nos varios assumptos relativos a Portugal por Camilo Castelo Branco".  Vol. 2. Nova Edição Portugueza Illustrada. Porto, 1886

Nota: As imagens não fazem parte da obra referida; para facilitar a leitura acrescentei títulos ao longo do texto.

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