quarta-feira, 15 de março de 2023

O comércio do chá de Macau: legislação séc. 19

"(...) A distancia entre Lisboa e Macau é de milhares de léguas. Pois o chá preparado naquella nossa possessão* com destino a ser exportado não podia ser remettido directamente para Lisboa senão num navio sob bandeira portugueza. Mas visto que apesar desse privilegio a bandeira portugueza não entrelinha tal navegação, signal de que com elle nada lucrava, por isso o resultado era aproveitar os navios de vapor inglezes encarreirados para Inglaterra. Acontecia porém que a qualidade de navio estrangeiro lhe impedia de tomar qualquer carga directamente para Lisboa. Conduziam, portanto, o chá até um porto de Inglaterra e embora o vapor inglez passasse em frente do porto de Lisboa não podia aqui descarregar aquelle genero, podia porém transporta-lo até um porto de Inglaterra e desse porto vir depois para Lisboa nesse navio ou noutro qualquer. Pois esse processo que dantes vigorava com relação a Macau e Africa oriental é o que ainda vigora pelo artigo 1315 com relação à Africa occidental, Madeira e Açores, e isto é contradictorio, é contraproducente, é visivelmente absurdo.
Quantas vezes tem acontecido querer alguem remetter de Lisboa para um ponto da Africa occidental um volume qualquer por exemplo um barril de vinho, uma sacca de arroz e não ser possível fazer tal remessa num navio que tenha bandeira estrangeira que muitos aqui aportariam com igual destino se não fora a restricção e ser necessario esperar pelo longo praso que medeia entre as viagens de uma carreira nacional. Ora esta disposição tem grandes inconvenientes. (...)"
in Appendice ao codigo commercial portuguez approvado pela carta de lei de 28 de Junho de 1888/ Discussão na Câmara dos Pares. Coimbra, 1893.
* O chá não era de facto produzido em Macau; as folhas vinham do Sul da China e eram preparadas no território sendo depois exportadas. Em 1867, por exemplo, existiam 14 fábricas de chá em Macau, dando emprego a 430 pessoas. Era uma das principais exportações do território.
Vejamos alguns excerto do que escreveu Corte Real, José Alberto Corte Real no livro "O comércio e indústria do chá em Macau e a lei de 27 de Dezembro de 1870" impresso na Typ. Mercantil de Macau em 1879. Recorde-se que antes desta lei o chá de Macau era exportado directamente para Portugal.
"(...) Ascende a mais de um milhão de patacas o valor de chá produzido pelas fábricas aqui estabelecidas, além do movimento comercial e de outras indústrias que desta se derivam, e da importância que por conseguinte tem sobre a riqueza particular e pública da colónia e navegação de seus portos." (...)
Acrescente-se ainda para contexto dois pontos:
- havia proteccionismo do governo de Lisboa ao chá oriundo da então chamada África portuguesa;
- contratação em Macau de dois chineses, Lau-a-Pan (mestre) e Lau-a-Teng (ajudante e tradutor), que chegaram a São Miguel (Açores) no dia 5 de Março de 1878 para ensinar as técnicas tradicionais de cultivo e preparação do chá. É desses tempos que remonta a Gorreana, a mais antiga, e atualmente única, plantação de chá da Europa.
PS: sobre a chegada do chá de Macau aos Açores em breve publicarei um post.

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