terça-feira, 30 de junho de 2020

"Viaje de la China" do padre Adriano de las Cortes

Adriano de las Cortes, foi um jesuíta espanhol (1578-1629) que chegou às Filipinas em 1605 tendo a partir de então desempenhando várias funções missionárias no arquipélago que estava a ser  ocupado por Espanha. 
A 25 de Janeiro de 1625 largou de Manila a bordo da Nuestra Señora de Guia com destino a Macau onde iria resolver questões de âmbito económico. A viagem seria interrompida por uma violenta tempestade que provocou o naufrágio da nau espanhola ao largo da província de Guangdong. Entre os sobreviventes estava o padre jesuíta. Seriam aprisionados pelas autoridades chinesas durante um ano e 4 meses até serem libertados a 21 de Fevereiro de 1626. Seguiram para Macau e cerca de dois meses mais tarde embarcaram rumo a Manila onde chegaram a 20 de Maio. Cortes morreu 3 anos mais tarde, a 6 de Maio de 1629, em Manila.
Durante a estadia na China conseguiu redigir um manuscrito de 174 folhas (frente e verso) onde fez um relato do sucedido bem como uma descrição pormenorizada de como era o Celeste Império no início do século 17, incluindo dezenas de ilustrações (desenhos) feitos pelo padre Cortes
O manuscrito está divido em duas partes: Primera parte de la Relación que escribe el P. Adriano de las Cortes de la Compañía de Jesús del viaje, naufragio y cautiverio que con otras personas padeció en Chauceo, Reino de la Gran China con lo demás que vio en lo que de ella anduvo e Segunda parte de la relación, en la cual se ponen en pinturas y en plantas las cosas más notables que se han dicho en la primera parte, citándose a los capítulos de ella y añadiendo algunos nuevos puntos y declaraciones sobre cada una de las pinturas.
Na época a obra foi de circulação restrita e durante séculos permaneceu nos arquivos espanhóis até à publicação de uma edição comentada em 1991 com o título "Viaje de la China" de Beatriz Moncó Rebollo. Em 2001 surgiu uma edição em francês.
Curiosidade: "Macan" é como o padre Cortes se refere a Macau.
Excertos:
Aos vinte e três do mês de Junho [de 1625], foi Nosso Senhor servido de nos consolar com segundas novas e cartas, depois da de cinco de Março, a que já acima fizemos referência, sendo esta recebi-da em três de Maio, escritas em Cantão, e a seis do mesmo mês de Junho. Entre elas vinham duas para mim, do padre procurador do Japão, o padre João Rodrigues, e do padre procurador da China, Simão da Cunha, membros da Companhia (de Jesus), os quais nos enviavam, a mim e ao padre Miguel Matsuda, pelos chineses portadores (das referidas cartas), algum vestuário, para socorrer a necessidade que neste particular aspecto sofríamos, e também 20 pesos para outras necessidades, e para repartir pelos demais, juntamente com uma esmola de 14 pesos, recolhida entre alguns dos mercadores portugueses que estavam na cidade de Cantão. Ainda que o dinheiro destes socorros, um e outro, fosse pouco, tanto pelo risco em enviá-lo, como por se esperar que muito em breve se alcançaria licença do tutão para nos libertarem com tudo o que fosse necessário para o caminho, os chineses que o traziam apropriaram-se da metade, ou mesmo mais, com mentiras e embustes, como se lhes importasse mais esta paga do que o bem que mais tarde lhes poderíamos fazer.
É curioso como não conseguem soltar da mão a prata que recebem por qualquer meio, ficando to-dos os chineses verdadeiramente ofuscados com a vista da mesma, de uma forma que não se encontra em nenhuma outra nação. A um dos nossos portugueses, perguntou um dos mandarins se era verdade que nos haviam trazido prata de Macau, porque os soldados que nos dão de comer tinham dito aos mandarins de Chauchiufu que nô-la tinham trazido; e caso a tivéssemos, deveria-mos comer dela e avisá-los, para que deixassem de nos sustentar. Respondeu-lhe o nosso português que sim, (prata), mas que era pouca para tantos, pois o portador chinês tinha ficado com grande parte dela. Retorquiu o mandarim: "Até me espanta terem-vos dado alguma (refere-se a prata), pois entre nós dificilmente conseguimos recuperar a prata que tivermos de passar para as mãos de outro chinês, ainda que tenha de fugir e de desaparecer para sempre; e isto ainda que seja de filho para pai. Pois se este vos deu alguma, não deveria ser senão chinês cristão de Macau".
Avisaram-me (seria de Macau) que tinham recebido algumas cartas, minhas e de outros dos meus companheiros, depois de terem sido levantadas as barreiras que havia pelos caminhos, que serviam a outros intentos do tutão e para negócios que com certos mercadores chincheus tinha, mas que também impediam a passagem das nossas cartas para Macau e de Macau para nós.
Soube-se também, com algum pesar, que a sobredita (envio e recebimento de cartas) tinha sido impedida por a cidade de Macau ter estado cercada por mar e por terra, para que nela não entrassem mantimentos, e muito apertada pelo tutão e pelos seus chineses. As coisas tinham-se finalmente acalmado, estabelecendo-se de novo um clima de paz e de harmonia com os chineses, depois da cidade ter derrubado o lanço de muro que caía para a parte da terra, cumprindo assim ordens do rei da China, que havia recebido acusações antigas, e muito falsas, contra a cidade de Macau. Sucedeu isto na mesma altura da nossa perdição, quando dela se veio a saber em Cantão e em Macau.
Em seguida, o acima citado padre João Rodrigues e uns fidalgos cidadãos da cidade de Macau estavam em Cantão, de caminho para a cidade de Chao-ching, chamados pelo tutão para assinarem as pazes e saudarem o dito tutão em nome de Sua Majestade e da cidade de Macau. Pretendiam ainda obter dele uma chapa, que logo nos enviariam, com autorização para que fôssemos libertados do reino de Chauchiufu e levados a Cantão.
Transporte do Mandarim - imagem da edição espanhola de 1991

Sugestões de leitura: 
- Historia de la Provincia de Philipinas de la Compañia de Jesus, Segunda parte (1616-1716), de Pedro Murillo Velarde, 1749.
- Voyage en Chine du père Adriano de las Cortes s.j. (1625), Traducteur: Pascale Girard , Juliette Monbeig, 2001

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