quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

O Diário de William Speiden Jr.

William Speiden, Jr., (1835-1920) era ainda adolescente quando privou de perto com os oficiais que participaram na expedição comandada pelo Comodoro Matthew C. Perry aos mares da China e do Japão em meados do século 19. 
A histórica missão naval norte-americana de Perry foi autorizada pelo presidente dos EUA, Millard Fillmore, como forma de conseguir estabelecer relações comerciais com o Japão e garantir certos direitos e protecções para os marinheiros e cidadãos americanos envolvidos no comércio no Extremo Oriente. 

Speiden subiu a bordo da fragata a vapor Mississippi (imagem acima), em Filadélfia, na Primavera de 1852, para começar a trabalhar como assistente do pai, William Speiden, Sr. (1805-1861).  O pai tinha já uma longa carreira na Marinha dos EUA e o Mississippi era na época um navio de renome. 
O impressionante vapor de roda lateral foi construído com a supervisão do Comodoro Perry, em 1839 no Philadelphia Navy Yard. A construção terminou em 1842 e a embarcação fez de imediato parte da esquadra norte-americana na Guerra do México sob o comando de Perry. 
Como escriturário de bordo na Mississippi, William Speiden Jr. criou um diário que viria a ter dois volumes
"With Commodore Perry to Japan: The Journal of William Speiden Jr., 1852-1855
, entre 9 de Março de 1852 e 16 de Fevereiro de 1855, documentando assim a Expedição Naval dos EUA aos Mares da China e ao Japão, sob o comando do Comodoro Matthew C. Perry. 
No diário dá conta da vida a bordo, da diplomacia, bem como dos portos de escala durante a viagem. O diário contém inúmeras ilustrações (50), incluindo desenhos de Speiden e de outros companheiros do navio, bem como recortes de jornal e obras de arte adquiridas por Speiden, nomeadamente pinturas em aguarela feitas por artistas chineses anónimos que retratam paisagens marítimas e pessoas dos mares da China. 
Speiden tinha apenas 18 anos quando passou por Macau.
Alguns excertos do Diário relativos a Macau:
13 Novembro 1852: O Mississippi aproxima-se de Hong Kong e Macau onde outras embarcações se vão juntar à frota. O secretário de estado norte-americano Edward Everett (1794-1865) prepara uma carta que o presidente dos EUA vai dirigir ao Imperador do Japão e que será entregue por Perry.
7 Abril 1853: O Mississippi chega a Macau e a Victoria, em Hong Kong.
22 a 28 Abril 1853: As embarcações Plymouth, Saratoga, e Supply juntam-se ao Mississipi em Macau.
2 Maio 1853: Speiden coloca no Diário uma pintura de Macau.
5 Agosto 1853: Regresso (de Cantão) a Macau onde a frota vai passar o inverno.
7 Outubro 1853: Joseph Harrod Adams (1817-1853),  neto do presidente John Adams e sobrinho do presidente John Quincy Adams é enterrado no cemitério protestante de Macau (junto ao Jardim Camões); o funeral conta com a presença de oficiais norte-americanos, franceses e portugueses. Speiden escreve o quão envergonhado ficou com o facto dos marinheiros terem regressado ao Mississipi embriagados.
2 Agosto 1854: O Mississipi está de regresso a Macau.
Parte de um dos mapas da expedição Coast of China and Japan Islands;
aqui a costa do sul da China: Macau, Cantão, Hong Kong, etc.

Após terminar a expedição em 1855, William Speiden, Jr., tornou-se encarregado dos armazéns da Marinha dos EUA em Hong Kong entre 1856 e 1864. Entre 1860 e 1861 foi de licença até aos EUA onde se casou com Marion McKeever em Nova Iorque. De 1870 a 1910 trabalhou como agente de alfândega dos EUA no Porto de Nova Iorque onde morreu a 20 de Agosto de 1920.
Jesuit Convent. Macao. Aurtor: Bernhard Heine

A expedição norte-americana liderada pelo comodoro Matthew-Calbraith Perry tinha por objectivo o estabelecimento de relações comerciais com o Japão. Para além dos registos gráficos - são magníficas as ilustrações de Bernhard Wilhelm Heine (1827-1885) - o comodoro mandou fazer um livro tendo por base os seus diários e de outros membros da tripulação. A tarefa da compilação dos mesmos ficou a cargo do Francis L. Hawks.  Acabou tudo publicado em 1856 sob o título de “Narrative of the expedition of an American squadron to the China seas and Japan, performed in the years 1852, 1853, and 1854, under the command of Commodore M. C. Perry, United States Navy, by order of the Government of the United States”.  (Narrativa da expedição de uma esquadra americana aos mares da China e Japão, realizada nos anos de 1852 a 1854 sob o comando do comodoro M. C. Perry, da Marinha americana, por ordem do governo dos Estados Unidos).
Macao from Penha Hill - Autor: Bernhardt Heine

De seguida apresento alguns excertos traduzidos do livro de memórias escrito pelo Comodoro Mathew-Calbraith Perry relativas a Macau. Perry era um observador muito atento.

"A residência do Comodoro em Macau deu-lhe a oportunidade de estender as suas observações deste lugar além do que lhe oferecera a sua casual visita anterior. Macau, outrora tão famoso pelo seu extenso e lucrativo comércio e pela sua riqueza, está agora completamente privado deles, e parece ser sustentado apenas por um pequeno comércio costeiro, pelo dinheiro que gasta uma pequena guarnição e pelas despesas das famílias dos comerciantes ingleses e americanos que têm ali a sua residência de verão; e que, tendo muito dinheiro, o gastam liberalmente. A jurisdição portuguesa exerce-se dentro de pequenos limites. Os estabelecimentos chineses parece que vão absorvendo todo o espaço; de facto, a maior parte da população da cidade compõe-se já de homens e mulheres chineses, que exercem os ofícios mais baixos nos estabelecimentos domésticos, tanto dos portugueses como dos estrangeiros. 
Os chineses são os donos das lojas, das oficinas e do mercado. Difícil é conjecturar o que fazem os portugueses. Com algumas excepções de comerciantes ricos, eles são na maioria pobres e demasiado orgulhosos para trabalhar; contudo, alguns deles são amanuenses nas várias firmas comerciais estrangeiras, ao passo que a grande maioria passa o tempo na ociosidade, gozando do resto das principescas fortunas dos seus antepassados e ainda ocupam, na sua pobreza de mendigos, as magníficas mansões dos antigos tempos da esplêndida prosperidade de Macau.
Há ainda uma amostra de poder militar da parte dos portugueses, que se vê nas colinas circundantes, cobrindo a cidade de fortificações, construídas no estilo do séc. XVII. Estas parece serem suficientes para imporem respeito aos chineses que, se tivessem a mais pequena energia, poderiam facilmente desalojar os portugueses, aos quais não consagram grande afeição, e expulsá-los todos do país. 
A guarnição portuguesa compõe-se de cerca de 200 soldados regulares e outros tantos da milícia local, todos excelentemente disciplinados, e dificilmente se encontram homens mais bem vestidos e aprumados. 
Será bom talvez lembrar que a Companhia Inglesa das Índias Orientais, antes da abolição da sua Carta, fez de Macau uma espécie de entreposto do seu comércio na China, e algumas das residências mais elegantes foram construídas por esta magnânime corporação, ou pelos ostentosos portugueses nos seus dias de riqueza e prosperidade. 
Uma destas magníficas mansões, com um jardim de mais de um acre de extensão, construído com gosto e até hoje conservado em ordem com grandes despesas, podia ser arrendada, aquando da visita do Comodoro, pela pequena soma de 500 dólares por ano; e este lugar tem mais a vantagem de andar romanticamente associado com o nome do poeta Camões, tendo sido o seu favorito retiro e o local onde, como o leitor já sabe, está erecto um monumento à sua memória. 
Foi de Macau, nos dias da sua opulência, que foram despachadas para o Japão muitas das expedições comerciais portuguesas; e foi também em Macau que a Igreja de Roma teve um dos estabelecimentos eclesiásticos mais poderosos, sustentado pelo terrível poder da Inquisição que, nos tempos antigos, exerceu no Oriente toda a força da sua negra e cruel disciplina. Hoje, porém, desapareceram a opulência e os empreendimentos dos seus comerciantes; e o tremendo domínio dos altivos eclesiásticos e o seu sanguinário tribunal caíram nas mãos frágeis de padres empobrecidos, que fazem humildemente apelo à caridade e dependem apenas da liberalidade da reduzida população portuguesa.

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