Faleceu no passado dia 3 de Outubro em Macau Alberto Magalhães Alecrim, residente em Macau há mais de meio século e com múltiplas referências aqui no blogue. Uma vida recheada que aqui se recorda com recurso a um artigo da autoria de Pedro Daniel Oliveira, publicado no jornal O Clarim (23.3.2012) quando Alecrim comemorou 80 anos de vida.
"A vida de Alberto Alecrim dava um livro. Ou melhor, um «best-seller». O antigo colaborador d’O CLARIM, que cortava a transmissão dos jogos do Sporting na Emissora de Radiodifusão de Macau, sempre que equipa do seu coração estava a perder; que participou, pelo menos, numa peça de patuá, escrita pelo macaense «Adé» dos Santos Ferreira; e que «obrigou» Stanley Ho a pagar-lhe uma viagem de avião, após o fiasco que foi a inauguração da rota marítima para Taiwan, folheia agora um rol de memórias, poucos dias após ter completado oitenta primaveras.
Alberto Magalhães Alecrim, nascido no Porto a 16 de Março de 1932, passou por Goa, antes de chegar a Macau, em 1965, para desempenhar o cargo de director na Emissora de Radiodifusão de Macau (actual Rádio Macau). «Quando o Sporting estava a perder só havia uma coisa a fazer: “Devido às más condições de propagação atmosféricas não nos é possível transmitir o relato de futebol. Pedimos desculpa aos nossos ouvintes”, era anunciado aos microfones da rádio», relembra o octogenário. «Fazíamos a transmissão dos jogos a partir do antigo Comando da Polícia. Naquele tempo, ainda não havia satélite; a Emissora Nacional era quem transmitia os jogos de futebol para as colónias portuguesas. Velhos Tempos!».
Alecrim entrou, pelo menos, na peça de patuá «Qui Nova, Chencho», do saudoso «Adé» dos Santos Ferreira. No «sketch» «Chencho vai escola», o papel principal foi desempenhado pelo falecido Tarcísio da Luz. «Só dizia aldrabices e punha todos a rir. Eu era o professor de português. O “Adé” tinha, efectivamente, muito jeito para escrever peças de patuá», recorda. Os pseudónimos do irreverente Alecrim fizeram furor nas páginas d’O CLARIM, nos períodos antes e pós-25 de Abril de 1974. «Quando comecei a escrever era director o padre José Barcelos Mendes [segunda vez]. Os tempos foram marcados pela censura do Estado Novo, por isso não podia arriscar que fosse conhecida a verdadeira identidade dos meus pseudónimos. Assumiam um tom jocoso, porque era a melhor crítica que podia fazer ao anterior regime. Aliás, O CLARIM esteve uma vez fechado pela censura, mas já não me lembro por causa de quê».
Mundial de 74
Alecrim continuou com os pseudónimos depois da Revolução dos Cravos: «Sempre gostei de fazer passar as minhas mensagens de forma subtil e engraçada», explica. Um desses «nomes» começou por despertar a atenção dos leitores a cerca de dois meses do início do Campeonato do Mundo FIFA de 1974. Embora as selecções de Portugal e da China não estivessem apuradas para disputar a fase final, que decorreu de 13 de Junho a 7 de Julho, tal facto não impediu O CLARIM de ter um enviado especial na antiga Alemanha Ocidental (RFA)... «Era eu quem escrevia e assinava como sendo: “Do nosso correspondente – Friedrich Wuntergisch”. O engraçado é que nunca lá estive durante o mundial», revela Alecrim. Na edição do dia 14 de Abril de 1974, numa crónica datada do dia 11, alegadamente despachada de Munique, o assunto andava bastante molhado: «A tremenda carga de água que desabou sobre esta capital provocou naturais transtornos na população, obrigando muita gente a arregaçar as calças ou socorrer-se duma embarcação para ir almoçar ou entrar a horas na repartição». O mote estava dado para o que aí vinha: «O pluviómetro acusou tanta água, que até os jornalistas se ressentiram, deixando-os sem possibilidades de informar os seus leitores acerca dos preparativos do Mundial de Futebol (...)». Na rubrica «Broa D’Avintes» havia outro pseudónimo que ficou para a história: «Era o Rolando do Bolhão, em honra do Mercado do Bolhão, no Porto», confidencia agora.
O «Macmosa»
Um dos episódios hilariantes aconteceu, em Setembro de 1988, durante a viagem inaugural do navio «Macmosa», que marcava o início das ligações marítimas entre Macau e Kaohsiung (Taiwan). «Fui nessa travessia com o João Guedes e o António Duarte, entre outros. A meio da viagem o navio foi “apanhado” num tufão. O pessoal dos comes-e-bebes enjoou. Não havia comer para ninguém», explica Alecrim.
«Naqueles tempos, quem mandava era o comandante do navio. Mas em Macau era diferente: quem mandava era o dono da embarcação, ou seja, Stanley Ho, que ordenou para seguir em direcção a Taiwan, porque voltar para trás dava azar. A viagem demorou dois ou três dias. No regresso, eu e um jornalista de Hong Kong fizemos barulho, porque não queriamos voltar no navio. O Stanley Ho foi “porreiro”: pagou-nos a viagem de avião até Hong Kong», descreve ainda. Escusado será dizer que o «Macmosa» passou a ser um alvo apetecido do Rolando do Bolhão...
"A vida de Alberto Alecrim dava um livro. Ou melhor, um «best-seller». O antigo colaborador d’O CLARIM, que cortava a transmissão dos jogos do Sporting na Emissora de Radiodifusão de Macau, sempre que equipa do seu coração estava a perder; que participou, pelo menos, numa peça de patuá, escrita pelo macaense «Adé» dos Santos Ferreira; e que «obrigou» Stanley Ho a pagar-lhe uma viagem de avião, após o fiasco que foi a inauguração da rota marítima para Taiwan, folheia agora um rol de memórias, poucos dias após ter completado oitenta primaveras.
Alberto Magalhães Alecrim, nascido no Porto a 16 de Março de 1932, passou por Goa, antes de chegar a Macau, em 1965, para desempenhar o cargo de director na Emissora de Radiodifusão de Macau (actual Rádio Macau). «Quando o Sporting estava a perder só havia uma coisa a fazer: “Devido às más condições de propagação atmosféricas não nos é possível transmitir o relato de futebol. Pedimos desculpa aos nossos ouvintes”, era anunciado aos microfones da rádio», relembra o octogenário. «Fazíamos a transmissão dos jogos a partir do antigo Comando da Polícia. Naquele tempo, ainda não havia satélite; a Emissora Nacional era quem transmitia os jogos de futebol para as colónias portuguesas. Velhos Tempos!».
Alecrim entrou, pelo menos, na peça de patuá «Qui Nova, Chencho», do saudoso «Adé» dos Santos Ferreira. No «sketch» «Chencho vai escola», o papel principal foi desempenhado pelo falecido Tarcísio da Luz. «Só dizia aldrabices e punha todos a rir. Eu era o professor de português. O “Adé” tinha, efectivamente, muito jeito para escrever peças de patuá», recorda. Os pseudónimos do irreverente Alecrim fizeram furor nas páginas d’O CLARIM, nos períodos antes e pós-25 de Abril de 1974. «Quando comecei a escrever era director o padre José Barcelos Mendes [segunda vez]. Os tempos foram marcados pela censura do Estado Novo, por isso não podia arriscar que fosse conhecida a verdadeira identidade dos meus pseudónimos. Assumiam um tom jocoso, porque era a melhor crítica que podia fazer ao anterior regime. Aliás, O CLARIM esteve uma vez fechado pela censura, mas já não me lembro por causa de quê».
Década 1970 |
Alecrim continuou com os pseudónimos depois da Revolução dos Cravos: «Sempre gostei de fazer passar as minhas mensagens de forma subtil e engraçada», explica. Um desses «nomes» começou por despertar a atenção dos leitores a cerca de dois meses do início do Campeonato do Mundo FIFA de 1974. Embora as selecções de Portugal e da China não estivessem apuradas para disputar a fase final, que decorreu de 13 de Junho a 7 de Julho, tal facto não impediu O CLARIM de ter um enviado especial na antiga Alemanha Ocidental (RFA)... «Era eu quem escrevia e assinava como sendo: “Do nosso correspondente – Friedrich Wuntergisch”. O engraçado é que nunca lá estive durante o mundial», revela Alecrim. Na edição do dia 14 de Abril de 1974, numa crónica datada do dia 11, alegadamente despachada de Munique, o assunto andava bastante molhado: «A tremenda carga de água que desabou sobre esta capital provocou naturais transtornos na população, obrigando muita gente a arregaçar as calças ou socorrer-se duma embarcação para ir almoçar ou entrar a horas na repartição». O mote estava dado para o que aí vinha: «O pluviómetro acusou tanta água, que até os jornalistas se ressentiram, deixando-os sem possibilidades de informar os seus leitores acerca dos preparativos do Mundial de Futebol (...)». Na rubrica «Broa D’Avintes» havia outro pseudónimo que ficou para a história: «Era o Rolando do Bolhão, em honra do Mercado do Bolhão, no Porto», confidencia agora.
O «Macmosa»
Um dos episódios hilariantes aconteceu, em Setembro de 1988, durante a viagem inaugural do navio «Macmosa», que marcava o início das ligações marítimas entre Macau e Kaohsiung (Taiwan). «Fui nessa travessia com o João Guedes e o António Duarte, entre outros. A meio da viagem o navio foi “apanhado” num tufão. O pessoal dos comes-e-bebes enjoou. Não havia comer para ninguém», explica Alecrim.
«Naqueles tempos, quem mandava era o comandante do navio. Mas em Macau era diferente: quem mandava era o dono da embarcação, ou seja, Stanley Ho, que ordenou para seguir em direcção a Taiwan, porque voltar para trás dava azar. A viagem demorou dois ou três dias. No regresso, eu e um jornalista de Hong Kong fizemos barulho, porque não queriamos voltar no navio. O Stanley Ho foi “porreiro”: pagou-nos a viagem de avião até Hong Kong», descreve ainda. Escusado será dizer que o «Macmosa» passou a ser um alvo apetecido do Rolando do Bolhão...
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