A primeira grande exposição organizada na China sobre a vida de um missionário católico ocidental, o jesuíta italiano Matteo Ricci, abriu hoje em Macau, quando se assinalam os 428 anos da sua chegada à região.
A exposição, intitulada “Matteo Ricci: O Mestre do Ocidente”, reúne mais de 180 peças de instituições de Itália, China continental, Taiwan e Macau, e chega ao Museu de Arte de Macau, onde ficará patente até 31 de outubro, depois de ter passado por Pequim, Xangai e Nanjing no âmbito das comemorações dos 400 anos da morte do missionário.
“Macau desempenhou um papel muito importante no intercâmbio cultural entre o Ocidente e o Oriente, o que coincidiu com a chegada de Ricci (a 07 de agosto de 1582) à região, onde iniciou a sua missão de disseminação da religião católica, ao mesmo tempo que promoveu o entusiasmo pelos conhecimentos ocidentais na China e vice-versa”, justificou o diretor do museu, Chan Hou Seng.
Como porta de entrada para a China, Macau “serviu de laboratório para os europeus aprenderem a dialogar com outras culturas e religiões”, observou o presidente do Instituto Ricci de Macau, Artur Wardega, em declarações à Agência Lusa ao salientar que era na região que muitos missionários aprendiam chinês e plantaram as raízes da cultura europeia, da religião, às artes e ciências.
O mapa do mundo desenhado por Ricci e que coloca a China no centro do globo “para não ofender o imperador chinês” é talvez a principal peça da mostra em Macau, explicou em declarações à Agência Lusa o curador da exposição, Filippo Mignini.
“Como a terra é redonda, Ricci apercebeu-se de que poderia trocar a ordem dos continentes e colocou a China no meio com receio de que se colocasse a Europa no centro, como apresentavam os mapas ocidentais, ofendesse o imperador chinês”, disse ao salientar que o imperador da China expôs o mapa no palácio de Pequim, em 1608.
Instrumentos musicais, modelos de edifícios europeus, textos escritos em chinês e uma réplica do primeiro dicionário português-chinês, que inclui a primeira tentativa de romanização dos caracteres chineses, são outras das atrações da exposição e que relatam o primeiro grande intercâmbio intercultural entre a Europa e o Império do Meio liderado por Matteo Ricci.
Ricci foi o primeiro missionário europeu autorizado a estabelecer-se em Pequim, em 1601, e é, com Marco Pólo, o italiano mais conhecido na China.
Enquanto plataforma de ligação entre o Ocidente e o Oriente, reconhecida pela China, Macau quis não só homenagear mas eternizar, com uma estátua, a figura do missionário jesuíta cujo exemplo continua a estimular o diálogo cultural entre as duas civilizações.
A estátua de bronze, em tamanho real, da autoria do escultor Wong Ka Long, foi hoje erigida junto às ruínas do antigo Colégio de São Paulo - a primeira universidade de tipo ocidental no Oriente, fundada no século XVI - no mesmo dia do mês em que Ricci chegou a Macau a bordo de uma das caravelas dos portugueses que partia de Lisboa em direção ao Oriente.
Artigo da autoria de PNE da agência Lusa em Macau a 7 Agosto 2010.
Informações adicionais neste post http://macauantigo.blogspot.com/2009/09/matteo-ricci-1552-1610.html
Mapa de 1602 feito por Ricci a pedido do Imperador da China |
De família nobre, o P.e Matteo Ricci nasceu a 6 de Outubro de 1552 em Macerata, na Itália, sendo o primeiro de 13 filhos. Desde pequeno revela uma inteligência apurada e dotes para a matemática. Depois de ter frequentado o colégio dos jesuítas na cidade natal, o seu pai convence-o a cursar Direito, em Roma. Interrompe o curso para ingressar na Companhia de Jesus e logo após um ano emite os primeiros votos. Estuda no Colégio Romano Teologia e Filosofia, a par de Ciências Naturais, Astronomia, Cartografia e Matemática, sob a tutela do padre Cristoforo Clavio, que incute no jovem religioso a apetência pela ciência.
Passagem por Coimbra
Entretanto, vai nascendo no seu coração a vontade de partir para terras longínquas como missionário. O superior-geral da Ordem acede ao seu pedido enviando-o para o Oriente. Mas primeiro passa por Coimbra, onde cursa Teologia na universidade, e parte de Lisboa juntamente com 13 colegas jesuítas em direcção a Goa, onde chega depois de seis meses de navegação a 13 de Setembro de 1578. Aqui lecciona nos colégios jesuítas línguas clássicas e conclui os seus estudos. É ordenado sacerdote em 1580. O P.e Alexandre Valignano, visitador da Companhia nas missões da Índia e Japão, pede-lhe que parta para a China. É assim que chega a Macau para aprender a língua chinesa e preparar-se para mais tarde atingir a China.
Numa época em que os estrangeiros eram olhados com suspeição e tidos como intrusos perigosos, o P.e Ricci, juntamente com o P.e Miguel Ruggieri, entra na China em 1583. Depois de receber autorização para permanecer, inaugura um ano mais tarde a primeira residência missionária em Zhaoqing. Aqui são bem recebidos pelo governador da cidade, que admira a sabedoria e santidade dos dois jesuítas. Põem-se imediatamente a trabalhar, fazem o primeiro esboço do catecismo chinês, Matteo Ricci traduziu em língua chinesa o mapa-mundo, que viria a ter três edições, e introduziu o relógio mecânico, coisa nunca antes vista pelos Chineses.
Por ordem do novo vice-governador, os missionários têm de deixar Zhaoqing e transferem-se para Shaozhou, onde Ricci fundou a segunda residência em 1589. Facto significativo nesta altura é a decisão de o missionário começar a vestir-se à maneira chinesa, segundo a indumentária dos eruditos que vestiam hábitos de seda.
Sonha com a China
Convicto de que para transmitir a fé cristã ao povo chinês seria necessário, em primeiro lugar, converter as classes dirigentes e as elites, o jesuíta alimenta o sonho de chegar à capital para encontrar-se com as autoridades do império. A estratégia desenvolver-se-á por etapas. Começa por deixar Shaozhou com destino a Nanchang, onde chega em 1595. Aqui abre a terceira residência missionária e publica a sua primeira obra em chinês, «Tratado da Amizade».
Concretiza a sua primeira tentativa de chegada a Pequim em 1598, mas tem de deixar a cidade por causa da guerra na Coreia. Estabelece-se em Nanquim, onde funda a quarta residência missionária. Em 1600, realiza nova tentativa para chegar a Pequim, mas no caminho é preso e permanece em prisão até Janeiro de 1601. A terceira tentativa teve êxito: a 24 de Janeiro de 1601 recebe autorização do imperador Wan-Li e entra em Pequim, na Cidade Proibida, onde passa a residir definitivamente. O imperador recebe no seu palácio o missionário, que o presenteia com um mapa-mundo, dois relógios, moedas de prata, e outros objectos de valor. O imperador fica extremamente agradado, retribuindo-lhe com a oferta de alojamento no palácio e custeando a sua permanência em Pequim. O jesuíta Giuliano Raffo escreveu que com Matteo Ricci «pela primeira vez o Cristianismo obtém cidadania na China».
Conversão das elites
Graças a Ricci, o Evangelho chegou às classes dirigentes e penetrou na família imperial, com a conversão de vários familiares do imperador. Em 1601, baptizou o jovem erudito Li com o nome de Paulo, depois converte o celebre doutor Paulo Siu, futuro chanceler do império. À sua chegada os católicos eram cerca de 20, aquando da morte chegavam aos 2500 e em por volta de 1666 já se contavam 250 000 cristãos. Devido ao prestígio do jesuíta missionário, o catolicismo na China desenvolvia-se livremente. No seu tempo, construíram-se mais de 60 igrejas e havia 200 missionários.
A 11 de Maio de 1610, Ricci morre aos 57 anos em Pequim, depois de uma breve doença. O imperador concede-lhe o privilégio de ser sepultado na capital, o que acontece pela primeira vez na história da China. O seu túmulo encontra-se no cemitério de Zhalan, perto do Colégio Administrativo de Pequim, nas imediações do Templo dos Cinco Pagodes. Em 2001, no 4.º centenário da chegada de Ricci a Pequim, João Paulo II afirmou: «O túmulo do padre Matteo Ricci em Pequim lembra-nos o grão de trigo que é lançado à terra para produzir fruto abundante. Isto constitui um apelo eloquente, seja a Roma seja a Pequim, a retomar o diálogo iniciado há 400 anos com tanto amor e acontecimento.»
Texto de António Carlos Simões, Missionário Comboniano
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