Há 100 anos partia de Macau para Pequim, onde foi leccionar francês e literatura francesa na universidade local, o padre Jean François Régis Gervaix (1873-1940) missionário francês da Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris ordenado em 1898. Nesse ano ano partiu para a China sendo colocado em Cantão de onde partiu em 1916 para Macau como membro do Padroado Português. Esteve ao serviço da Diocese de Macau até 1925, sendo professor de francês no Seminário de S. José.
Muito activo na vida cultural da cidade é da sua autoria o "Resumo da história de Macau" publicado em 1927 sob o pseudónimo Eudore de Colomban em "colaboração com o capitão de artilharia Jacinto José do Nascimento Moura", que também foi o editor da obra.
Trata-se de uma síntese da História de Macau que resulta de um concurso promovido em Abril de 1923, pelo então governador Rodrigo José Rodrigues (1879-1963) empossado nesse ano. O objectivo era a elaboração de um manual de história para ser ministrado nas escolas do território. O concurso teve a duração de quatro meses e apenas um trabalho foi apresentado.
Na portaria nº 67, publicada no Boletim Oficial do Governo da Província de Macau a 21 de Abril de 1923 pode ler-se:
"Tendo reconhecido quanto, entre a mocidade das escolas oficiais da Província é quase completo o desconhecimento da história da colónia, notável precisamente pelos feitos que aqui ocorreram e a enobrecem. Considerando o valor deste conhecimento na educação e formação da consciência cívica da juventude, o Governador da Província de Macau determina o seguinte: Está aberto o concurso, perante o Inspector da Instrução Pública, pelo prazo de 120 dias, a contar da data desta portaria, para uma história de Macau destinada ao ensino nas escolas; obra vazada nos moldes das histórias de Portugal adoptadas nas escolas da metrópole, nomeadamente as de J. Seguier, Fortunato de Almeida e outras. A obra deve ligar e relacionar continuamente a história de Macau com a história pátria, deve ter em atenção os leitores a que se destina, a sua idade, o seu vocabulário e não empregar palavras ou forma de linguagem que estejam fora da sua compreensão. Deve ser sucinta, clara e grandemente ilustrada com fotogravuras e imagens educativas, evitando-se composições fantasiosas".
Anúncio - jornal A Pátria 1928 |
Colomban/Gervaix escreve no livro: "Bem merece Macau recolher os frutos que semeou com tanto trabalho, e compete a todos os portugueses, metropolitanos e macaenses, unirem-se e redobrar de esforços e iniciativas, para que o nome português seja hoje, como foi outrora, no País dos Amarelos, sinónimo de diplomacia e iniciativa nos seus governadores, de bravura nos seus soldados, de fé nos seus missionários, de patriotismo, trabalho, honestidade e altruísmo em todos os seus habitantes."
Amigo do padre, seria o capitão Jacinto Moura a empenhar-se na publicação da obra - o governador voltara logo em 1924 para Portugal - quatro anos depois de ficar pronta:
"Como português e amigo de Colomban, não podia conformar-me com a perda do seu pequeno trabalho, que, se não era perfeito, representava, além do seu valor intrínseco, um alto exemplo de apreço por assuntos, que a nós, portugueses, mais que a ele, deviam interessar. Solicitei-lhe, portanto, insistentemente a publicação do seu trabalho. Colomban acedeu, por fim, sendo-me, porém impostas as condições de o aperfeiçoar e de lhe dar o meu nome, sem fazer a mais leve referência ao seu. Se a primeira delas era quase insuportável, a segunda era-me absolutamente impossível aceitar. Colomban, vencido pela amizade, consentiu por fim, que o seu nome ocupasse o devido lugar, cabendo-me a mim não só refundir e aumentar o seu trabalho como todos os encargos e direitos... Assim, e apenas com os obséquios e conselhos de alguns amigos, a quem fico muito reconhecido, surgiu o presente livro."
O padre Gervaix foi um dos fundadores do "Instituto de Macau" em Junho 1920. Numa conhecida foto de grupo - imagem acima - numa homenagem a Camões na gruta com o mesmo nome, podem ver-se da esquerda para a direita: Eng. Eugénio Dias de Amorim, Camilo Pessanha, D. José da Costa Nunes, Com. Correia da Silva (Paço d'Arcos), Humberto S. de Avelar,, Alm. Hugo de Lacerda Castelo Branco, Dr. José António F. de Morais Palha, Padre Régis Gervais (é o quinto da direita para a esquerda), José Vicente Jorge, Dr. Manuel da Silva Mendes, Dr. Telo de Azevedo Gomes e Ten. Francisco Peixoto Chedas.
No ano em que chegou a Macau Gervaix publicou no jornal O Progresso (16.7.1916) um poema em francês de homenagem a Camilo Pessanha:
"Je ne sais que ton nom, j’ignore ton visage,
Qu’on dit celui d’un sage,
D’un poete, sacré par le choix merité
De la posterité…
Car ton nom passera lumineaux d’âge en âge,
Comme un feu qui surnage
A l ‘horizon qui fuit sur l’abîme agité
De l’immortalité…"
Em 1936 Gervaix parte de Macau para Hong Kong onde fica até 1938. Regressa então a França onde morre a 4 de Novembro de 1940, com 67 anos. O padre/monsenhor Manuel Teixeira, seu aluno, considerou-o "o grande historiador francês de Macau"
Na edição da RC nº 19 (português e inglês) Abril/Junho 1994, monsenhor Manuel Teixeira escreve que "O seu mau génio acompanhou-o sempre e quando embirrava com um aluno, este era reprovado no fim do ano. - 'Messieur Sousá apanhará uma raposá; Messieur Pirés apanhará uma raposá", dizia ele. E assim sucedeu: tanto o Sousa como o Pires, meus companheiros, apanharam raposa no fim do ano. Como dedicava todo o seu tempo à história, não dava temas ou exercícios nem os corrigia. Fazia o ditado da sua cabeça sobre qualquer acontecimento local. No fim, um de nós ia ao quadro e escrevia o seu ditado; havendo qualquer erro, ele corrigia-o e os outros corrigiam os seus ditados pelo quadro preto."
Deixou inúmeros artigos sobre a história da presença portuguesa e da Igreja no Oriente. Uma fonte também importante são as dezenas de cartas que enviou da China e foram publicadas na revista Missions Catholiques (Paris). Foi membro de várias instituições internacionais, v. g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia. Grande Colar e Sócio da Academia Portuguesa de História.
Curiosidades:
- Em 1925 publicou no Boletim Eclesiástico da Diocese "Histoire populaire de Macao".
- Assinou ainda textos na imprensa macaense sob o pseudónimo Gervásio.
- Em 1928 Colomban viria a editar o seu texto, mas em francês, na cidade de Pequim sob o título "Histoire Abregee de Macau" em dois volumes.
- Em 1980 a obra (em português) foi reeditada.
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