sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Galera "Orozimbo"

Na imagem uma aguarela feita ca. 1806 com a representação da galera "Orozimbo", de Baltimore. O navio ostenta uma bandeira dos EUA com o número de estados na época (as estrelas em branco sobe fundo azul) e as 13 colónias que lhes deram origem (listas brancas e vermelhas). Propriedade de um norte-americano foi um dos primeiros navios construídos na Baía de Chesapeake (Mathews County) por Hunley Gayle. O nome "Orozimbo" é em homenagem a um chefe inca, personagem fictícia de uma peça de teatro muito popular na década de 1790.
O navio de 524 toneladas foi construído no condado de Mathews, Virgínia, e navegou entre Baltimore e Liverpool até 1818. Depois fez pelo menos uma viagem à China. Entre 1832 e 1860, navegou como navio baleeiro de New Bedford e terminou no comércio transatlântico de madeira sob registro britânico em 1862.
Em Junho de 1829 a galera Orozimbo estava no Rio de Janeiro (Brasil) prestes a partir rumo a Macau segundo uma notícia do "Jornal do Commercio - Folha Commercial e Politica" de 12.6.1829:
"Para Macao A Galera Americana Orizimbo forrada e pregada de cobre, da primeira classe, Capitão Alleu; quem quizer carregar ou hir de passagem dirija-se aos Consignatarios J. Birckead e Comp. ou aos Correctores dos navios Hudson e Weguelin."

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Ano novo chinês em 1837

Carta escrita em Macau a 27 de Janeiro de 1837 por Henrietta Shuck e dirigida ao pai:
In a few days from this time the Chinese New Year will commence. Precisely at the beginning of the New Year's day they bathe their bodies in perfumed water, dress in their nicest clothes and, remaining at home, worship their household gods and fire off crackers. After they have concluded family worship, they go to worship the gods at the temples. All mercantile business is stopped for eight or ten days during which time visits of rejoicing are made to their friends and relations that are all returned and they invite each other to indulge in the joy of the Chuntseu, The wine of spring. From the Yuetan, or New Year's day, to the fifteenth of the month, they choose lucky days to suspend flower lanterns on the houses and temples. Those days are lucky, they consider, when the wind blows from the North, West, East, North or North-East. I expect the place will be quite in an uproar and we shall have nothing but noise and bustle for a number of days.
In "A Memoir of Mrs. Henrietta Shuck - The First American Female Missionary to China", Jeremiah Bell Jeter, 1846.
Ilustração não incluída na obra referida

Tradução/Adaptação:
"Dentro de poucos dias terá início o Ano Novo Chinês. Exatamente no início do Ano Novo, os chineses banham os corpos em água perfumada, vestem as suas melhores roupas e, permanecendo em casa, adoram os seus deuses e acendem fogos de artifício. Depois de concluírem o culto familiar, vão adorar os deuses nos templos. Toda a actividade comercial é interrompida durante oito ou dez dias, durante os quais são feitas visitas aos amigos e parentes, convívios para desfrutar da alegria do Chuntseu, o vinho da primavera. Desde o Yuetan, ou dia de Ano Novo, até ao décimo quinto dia do mês, escolhem dias de sorte para pendurar lanternas de flores nas casas e templos. Consideram que são dias de sorte, quando o vento sopra de Norte, Oeste, Este, Norte ou Nordeste. Imagino que o local ficará bastante agitado e não teremos nada além de barulho e agitação durante vários dias."

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Incenso e panchões no Ano Novo Chinês




A queima de incenso e o rebentamento de panchões - cartucho de pólvora revestido normalmente por papel vermelho - são dois dos principais rituais do Ano Novo Chinês. A produção destes dois produtos, em especial dos panchões, chegou a ter um papel muito importante na economia local existindo várias fábricas. Os rótulos acima atestam algumas: Kwong Man Lung, Kwong Yuen, Yiic Loong/Iec Long...
Vista da Fábrica de Panchões Iec Long na ilha da Taipa. Década 1930
Emissão filatélica de 1989

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

"Chinese fireworks" na Macau oitocentista

Um testemunho das celebrações do ano novo chinês em Macau no final da década de 1830.
A testimony of Chinese New Year celebrations in Macau in the late 1830s.

"(...) Immediately on my arrival at Macao, after being wounded, the Chinese new year commenced. This is for ten days a general season of holiday keeping and feasting amongst this extraordinary people. It is the time when the trader must settle his affairs and woe to the credit of the poor man who is not on that day prepared to clear off all demands on his purse. The rejoicing and noise in the hotel at which I was lodging from the junketting and jovialty of the servants, was exceedingly annoy ing and the constant discharge of fire works from sundown to sunrise and from thence to sunset nearly distracted me.
These fireworks were principally small Chinese crackers with much longer ones amongst them which in the feu de joie of crackers occasionally exploded like the report of a heavy gun.  During this holiday, keeping the street from the windows of my room, had a most lively appearance and particularly so as the Chinese were passing and repassing in their gayest apparel. From its being the cold season their usual clothing was much increased one part of which added materially to the grotesque appearance of the wearer. It consisted of leggings secured at the ankle similar to the tight pantaloon. It was then drawn up to the upper part of the thigh being cut in an angular shape from the inside of the leg to the hip from whence a strap secured it to the upper part of the dress consequently their loose and large inexpressibles hung out in a most extra ordinary manner. It appeared to me the only part of the dress in which the Chinese indulge in a variety of colours. The whole figure when thus dressed was in the eyes of a stranger truly ridiculous. The lank spindle shanks with the thick shoes short jacket just reaching to the hip small cap fitting close to the shaven crown with the long tail dangling behind nearly to the ground made them look more like monkeys than human beings.
In a large open space before the windows the Chinese would frequently indulge in a novel game of shuttlecock, seven or eight forming a ring would throw the shuttle in the air and the object then was to keep it up by striking it with the hands or feet but they were no adepts at this game their very thick shoes being much against their activity. In the Straits of Malacca I have seen the Malays keep up a bamboo ball for a great length of time twisting the feet in the most extraordinary manner while kicking at it. It is a game that requires much suppleness of limb and a great deal of activity.
There was also a small temporary cajanshed erected in sight, a sing-song,* being opposite to it to this building; when finished a rich Chinese family sent miniature pagodas and other tasty ornaments made of wood and coloured paper before each of these was a gaudily coloured round pillow with a firework in the centre of it. When all was ready these pillows were brought out one at a time and the match being lit it was placed on the ground and exploded throwing up a small feathered arrow on which was marked its respective prize and whoever caught it received the specified ornament one arrow however might be considered a blank as the party catching it had to provide a similar entertainment the following year. Though a vast concourse was assembled only a particular class sought after these arrows."
*A kind of Chinese play
Excerto de "Narrative Of The Expedition To China, From The Commencement Of The War To The Present Period. Volume 2. John Elliot Bingham, 1842.


Tradução/Adaptação:
“Imediatamente após a minha chegada a Macau, depois de ter sido ferido, começou o ano novo chinês. Esta é uma temporada de festas durante dez dias entre este povo extraordinário. É o momento em que o comerciante deve resolver seus assuntos e ai do crédito do homem pobre que não estiver naquele dia preparado para liquidar todas as suas dívidas. A alegria e o barulho no hotel em que eu estava hospedado, por causa da festa e da jovialidade dos criados, eram extremamente irritantes, e a constante descarga de fogos de artifício, do pôr-do-sol ao nascer do sol, e daí até o pôr-do-sol, quase me distraía.
Esses fogos de artifício eram principalmente pequenos panchões chineses, com outros muito mais longos entre eles, que ocasionalmente explodiam como o disparo de uma arma pesada.  Durante esses feriados, mantendo a rua longe das janelas do meu quarto, pude apreciar os chineses passavam na rua vestidos com roupas alegres. Por ser a estação fria, tinham mais roupa do que habitualmente suas roupas habituais aumentaram muito, uma parte das quais aumentava materialmente dando uma aparência grotesca a quem as usava. Consistia em leggings presas no tornozelo, semelhantes a umas calças muito justas. Em seguida, era puxado até a parte superior da coxa sendo cortado em formato angular desde a parte interna da perna até ao quadril, de onde uma tira o prendia à parte superior do vestido. Toda a figura, assim vestida, era verdadeiramente ridícula aos olhos de um estranho. As pernas esguias com os sapatos grossos, a jaqueta curta chegando até o quadril, o pequeno boné ajustado perto da cabeça rapada, com a longa cauda pendurada para trás, quase até o chão, faziam com que parecessem mais macacos do que seres humanos.
Num grande espaço aberto diante das janelas, os chineses frequentemente se entregavam a um novo jogo de peteca/chiquia/péla (jiangsi) - ver ilustração acima -, sete ou oito formando um anel, atiravam a petanca para o ar e o objectivo era mantê-la em pé, golpeando-a com as mãos ou os pés. Mas não eram mestres no jogo já que os seus sapatos muito grossos não ajudavam. No Estreito de Malaca, vi os malaios segurarem uma bola de bambu durante muito tempo, torcendo os pés da maneira mais extraordinária enquanto a chutavam. É um jogo que requer muita flexibilidade dos membros.
Havia também um pequeno palco temporário, um teatro chinês,* construído em frente a este edifício; quando as exibições terminaram, uma rica família chinesa enviou pagodes em miniatura e outros enfeites feitos de madeira e papel colorido colocando ainda fogo de artifício no centro. Quando tudo estava pronto e o fósforo aceso deu-se uma explosão de onde saiu uma pequena flecha emplumada na qual estava um papel com algo inscrito. Quem apanhasse essa flecha teria de proporcionar um entretenimento semelhante no ano seguinte. Embora uma vasta multidão estivesse reunida, apenas uma classe específica procurava essas flechas."

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Feliz Ano Novo Lunar da Serpente

Em 2025 o ano novo lunar começa a 29 de Janeiro e o dragão dá lugar à Serpente. No início de um novo ciclo, a celebração mais importante no calendário lunar é marcada por símbolos e rituais que assinalam a renovação, a união familiar e a prosperidade. As casas são limpas e agraciam-se os deuses para assinalar a chegada da Primavera.

domingo, 26 de janeiro de 2025

sábado, 25 de janeiro de 2025

Tratamento grátis de "todas as moléstias" em 1847

Boulle, era um cidadão francês (de Marselha), que chegou a ser gerente de uma hospedaria na Praia Grande. O anúncio do tratamento grátis de "todas as moléstias, com particularidade das chronicas" foi publicado no Boletim do Governo de Macau em 1847.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

"Incêndio no Bazar" (1856) e "Palácio Iluminado" (1855)

Edição de 19 de Abril de 1856 - "A illustração luso-brazileira: jornal universal"
Incendio do bazar chinez em Macau
“Em 4 de Janeiro pelas duas horas da tarde, manifestou-se fogo no centro do bazar, ou bairro chinez, n´uma loja ou botica, como lá se dizem. O vento forte, que soprava rijo, espalhou-se rapidamente: ás 5 horas rondou para leste, e algum tempo depois voltou ao norte, o que fez com que as chamas avançassem em todas as direcções. O incêndio durou até ás 11 do dia seguinte.
Arderam umas 1:500 casas entre grandes e pequenas, incluindo mais de 600 lojas. As propriedades e valores perdidos sobem a mais de um milhão de patacas, ou para cima de 1:000 contos. Houve também alguma perda de vidas.
Ás 7 horas da tarde do mesmo dia, outro fogo se manifestou em sitio afastado do bazar, n'uma espécie de pequena doca, onde estavam fechados uns 100 tancares, ou botes chinezes, que serviam de habitação a mulheres publicas chins. Em poucos minutos tudo ardeu, e d´aquellas infelizes morreram 17, mulheres e creanças. O resto salvou-se dificultosamente através d´um postigo que conseguiram abrir na porto da doca, que estava cerrada á chave.
As autoridades, e força militar de mar e terra, e todos os cidadãos de Macau, trabalharam quanto poderam para atalhar o incendio, e evitar os roubos e desordens que sempre em taes ocasiões pratica a população chineza. Tambem prestaram valiosos auxílios as guarnições das fragatas francezas Virginie e Constantine, que estava surtas no porto.
Os melhores meios e os mais bem dirigidos esforços para atalhar na China fogos similhantes, são afinal pouco eficazes. O bazar ou bairro chinez de Macau, é um labyrintho de ruas e de casas, mais estreito, tortuoso e complicado do que o nossos bairro d´Alfama. Em varias partes são apenas corredores cobertos de esteiras, por onde os viandantes com dificuldade podem transitar. As casas são muito frágeis, construídas na maior parte de madeira. Em taes circumstancias quasi o único remedio de terminar um incendio, é derrubar todas as propriedades que se lhe avizinham, ao que os chins sempre repugnam. (...)
Nota: na sequência deste grande incêndio o governo tomou medidas para que não se voltasse a repetir, mas de pouco ou nada serviu.
"Illuminação do Palácio do Cônsul brasileiro* em Macau no festejo pela exaltação de S. M. D. D. Pedro V ao throno

"No dia 26 de Dezembro último, tendo chegado pouco antes a Macau a notícia da acclamação de S. M. El-rei D. Pedro V, ora felizmente reinante, a cidade do Nome de Deus quiz festeja-la com todas as demonstrações de alegria. (...) À noute a illuminação foi esplendida; a folha franceza** donde copiamos a nossa estampa diz assim: "Até os Chinas quizeram rivalisar com os portuguezes fazendo ao seu modo fogos de artificio dramaticos e pavilhões alumiados por differentes cores; (...) de todos os edificios o que se distinguiu mais pela riqueza e bom gosto das decorações foi a residência do barão do Cercal, consul geral do Brazil; mais de três mil lumes estavam habilmente collocados segundo um desenho que o filho do barão*** fizera imitando o que no género tinha visto de mais perfeito".
* O cônsul do Brasil em Macau era o Barão do Cercal (desde 1851), Alexandrino António de Mello (1809-1877). O Palácio referido, localizado na Praia Grande, ficou pronto em 1849 e a partir de meados da década de 1880 passou a ser o Palácio do Governo de Macau, primeiro por arrendamento e depois por compra à viúva do Barão do Cercal.
** Edição de 15 de Maço de 1856 do jornal "L'Illustration jornal universele"
*** O filho do Barão era António Alexandrino de Mello (1837-1885).

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

"Tractado de amisade e commercio" com o reino do Sião

"Receberam-se noticias de Macau até 12 de janeiro. Conservava-se o socego publico. O governador, o conselheiro Guimarães havia partido para Sião, a bordo do brigue de guerra Mondego, no dia 8 daquelle mez, afim de, na qualidade de plenipotenciario da corôa portugueza, negociar um tractado de amisade e commercio com o governo daquelle reino."
Edição de 21 de Março de 1859 da "Archivo Universal - Revista Hebdomadaria"
Na edição de 25 de Abril desse ano dá conta do resultado da "embaixada" ao Reino do Sião (Tailândia) lidera pelo governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães (1808-1883), um dos governadores que mais tempo esteve no cargo, entre 1851 e 1863:
"Macau - O governador deste estabelecimento achava-se ao tempo das ultimas noticias em Bankok, capital do reino de Siam onde concluira a 10 de fevereiro o Tratado de amisade e commercio entre Portugal e aquelle reino, tendo-nos sido concedidas as mesmas vantagens que á Inglaterra, Franças e Estados Unidos e a faculdade lavrar minas e fundar fabricas. Naquellas paragens o prestigio* desta pequena nação ainda vale mais que o poder das grandes nações. Este facto falla bem alto."

A relação entre os dois países remonta a 1511, quando Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, sendo a mais antiga de um país europeu com a Tailândia.

Curiosidade: A assinatura anual desta publicação em Macau custava na época "7 patacas hespanholas"

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Vasco Joaquim Rocha Vieira: 1939-2025

Morreu aos 85 anos, o general Vasco Joaquim Rocha Vieira, último governador de Macau (138º) sob administração portuguesa, entre 1991 e 1999, período marcado pelo processo de transição e transferência da administração para a China.
Nasceu em Lagoa (Faro) a 16 de agosto de 1939 e viveu em Moçambique até aos 10 anos. Ingressou no Colégio Militar em 1956 onde recebeu o prémio Alcazar de Toledo, atribuído ao finalista com melhor avaliação de entre todos os alunos da Academia Militar.
Licenciado em Engenharia Civil tirou ainda o Curso Geral de Estado-Maior (de 1969 a 1970) e o Curso de Comando e Direção para General Oficial (1982-1983).
De 1973 a 1974 foi chefe do Estado-Maior Territorial Independente de Macau. Regressado a Portugal no 25 de Abril foi membro do Conselho da Revolução e chefe do Estado-Maior do Exército entre 1976 e 1978. Entre 1978 e 1982 foi representante militar nacional no Quartel-General Supremo dos Poderes Aliados da NATO na Europa, e subdirector do Instituto da Defesa Nacional entre 1984 e 1986. 
Entre 1986 e 1991 foi ministro da República para os Açores. Em 1995 foi nomeado pelo Exército português director honorário da Arma de Engenharia.
Entre as várias condecorações que recebeu destaco: Comendador da Ordem Militar de São Bento de Avis (1981), Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1986), Grã-Cruz da Ordem de Cristo (1996), Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (2001), Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (2015).
Foi Chanceler do Conselho das Antigas Ordens Militares entre 2006 e 2016. Em 2023 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da MUST.
Mais recentemente, foi associado honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e da Liga dos Combatentes. Em 2016 publicou, em coautoria com António Barreto, o livro "O 25 de Novembro e a Democratização Portuguesa".
Em 2012 entrevistei o general Lages Ribeiro, que entre 1991 e 1996 foi o secretário-adjunto para a Segurança, por convite de Rocha Vieira. Aqui ficam as declarações de Lages Ribeiro  - que já antes tinha tido relações com Macau na qualidade de militar - ao blogue Macau Antigo sobre Rocha Vieira enquanto governador:
"Trabalhei com ele seis anos. Foi indiscutivelmente um grande governador. Chegou num período de grande crispação e com um prazo para sair (algo que nunca acontecera). Foi o fechar de um ciclo. O caderno de encargos era muito grande e, quando chegámos em 1991, havia no tesouro um saldo negativo de 200 milhões de patacas. Conseguir realizar, em nove anos, tudo o que estava na carteira do anterior governado mais o imenso rol de tarefas para fazer a transição do território para a RPC, foi uma tarefa dantesca. Pode não ter tido muitas ideias mas foi muito eficaz naquilo que fez. Com certeza teve coisas menos boas, mas quem as não tem?"
Em 1999 no templo de A-Ma, na Barra, com o Presidente da República, Jorge Sampaio. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, descreveu Rocha Vieira como “um dos mais ilustres oficiais do Exército Português na transição para a Democracia e nas primeiras décadas da sua afirmação”. O antigo Presidente da República Ramalho Eanes afirmou à agência Lusa que "O general Rocha Vieira era um homem de exceção pela sua ação de excelência e pela sua responsabilidade social assumida, merecendo ser, justamente, considerado ‘um dos melhores dos nossos maiores'".
Sugestão de leitura:
"Vasco Rocha Vieira – Todos os Portos a que Cheguei", Pedro Vieira (2010).

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A "Bibliographia Macaense" de A. F. Marques Pereira

Na edição de 29.9.1864 do semanário Ta-Ssi-Yang-Kuo, A. Marques Pereira publica o artigo "Bibliographia Macaense". Trata-se de uma "resenha de todos os escriptos portugueses publicados em Macau desde o início do estabelecimento até hoje" e ainda de obras sobre Macau publicadas na China e em Portugal desde que "digam exclusivamente respeito às nossas cousas na China, ou a Macau".
O projecto era ambicioso e nesse artigo António Feliciano Marques Pereira (1839-1881),  vai apresentar apenas a lista por ordem alfabética de autores com textos escritos na imprensa de Macau, Hong Kong e Cantão.
Menos de um mês depois, a 7 de Outubro de 1864, A. Marques Pereira envia uma carta ao editor do Boletim do Governo onde solicita a publicação dos mesmo artigo mas com uma lista actualizada dos "escriptores e editores". A lista foi publicada a 10.1.1864.
Nascido em Portugal em 1839 A. F. M. P. ainda estudou em Coimbra no curso de Direito mas não terminou os estudos e voltou a Lisboa onde nascera e onde seguiu uma carreira como jornalista. Chegou a Macau com 20 anos em 1859 onde o pai, o capitão de fragata Feliciano António Marques Pereira comandava na altura a Corveta D. João I que conduziu o governador Isidoro Guimarães numa viagem ao Japão.
AFMP casou na igreja de S. Lourenço (8.1.1861) com Belarmina Inocência de Miranda, filha de António José Maria de Miranda, que foi secretário do governo entre 1844 e 1851 e morreu em 1863. O casal teve quatro filhos. Um deles, João Feliciano, seguiria as pisadas do pai em prol da divulgação da história de Macau.
AFMP é autor de alguns romances publicados em vários números do Boletim do Governo de Macau*, posteriormente editados na obra "Esboços e Perfis"**, e das obras "Ephemerides commemorativas da história de Macau e das relações da China com os povos christãos" (1868); "Relatorio da emigração chineza em Macau" (1866); "As alfandegas chinesas de Macau: analyse do parecer da junta consultiva do ultramar sobre este objecto" (1870); “O Padroado Português na China” (1873) e deixou por publicar "Portugal e a China. Relatório das Missões Diplomáticas Portuguesas ao Império China em 1862 e 1864".
Foi também um dos fundadores do do semanário "Ta-Ssi-Yang-Kuo" (Daxiyangguo 大西洋國), publicado entre 1863 e 1866.
Entre os vários cargos públicos que ocupou constam: Superintendente da Emigração Chinesa (1860-1865); Procurador dos Negócios Sínicos (1865-1868); capitão da 1.ª Companhia do Batalhão Nacional de Macau; secretário da Missão Diplomática à Corte de Pequim em 1862 e 1864.
Depois de sair de Macau, António Feliciano Marques Pereira ocupou o posto de cônsul de Portugal no Sião/Tailândia (1875) e Singapura (1876). Em 1881 foi para Bombaim, onde ia exercer as funções de cônsul-geral de Portugal na Índia Britânica. Esteve pouco tempo no cargo já que morreria prematuramente a 11 de Setembro desse ano com apenas 42 anos. 

* A partir de 1860 AFMP fica responsável pela parte "não official" do Boletim do Governo. A 28 de Março de 1860 escreve: "É talvez uma triste verdade, mas é uma verdade. Macao, esta bela cidade que se recosta segura e desmedrosa ao sopé do misterioso império, brilhando pela história que lhe reflecte o passado e pela ilustração que lhe ilumina o presente, não tem entretanto buscado na imprensa periódica o poderoso elemento civilizador que, não sofismada, esta sabe oferecer". Era a justificação para a secção noticiosa e literária que iria assegurar n' "O Boletim Oficial do governo de Macao" até criar um jornal...

**Numa crítica literária da época Luciano Cordeiro escreve em "Livro de critica - Arte e litteratura portugueza d'hoje, 1868-1869": "Longe d'esta nesga de terra europeia - em Macau julgamos - vive um homem que mostra poder cultivar com aproveitamento e distincção o romance psychico-social, a julgar por um pequeno livro de romantisações, Esboços e Perfis, em que patenteia uma imaginação vigorosa e cultivada e uma observação fina que se mais profundar e generalisar-se valiosos fructos dará." 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

"Reppresentações theatraes" em 1851

Num Edital de 2 de Maio de 1851 "O Procurador por Ordem do (...) Leal Senado da Câmara, faz saber ao público que qualquer Barraca que se construa desta datta em diante para reppresentações theatraes terá de pagar 10 patacas à mesma Câmara, obtendo-se licença do Procurador da Cidade."
in Boletim do Governo da Província de Macao, Timor e Solor, 10.5.1851

domingo, 19 de janeiro de 2025

Antes e depois: Rua Nossa Senhora do Amparo

Troço da Rua Nossa Senhora do Amparo na década de 1960 e no século 21 (google maps). Ficava no chamado bairro do Bazar, zona de comércio por excelência, muito perto do centro histórico, o Largo do Senado.

O nome tem origem na igreja que ali existiu.

Curiosidade: na fachada do prédio destaca-se o anúncio à marca de cigarros Marvel (EUA), muito popular nas décadas 1950-70 e com preço mais acessível face à concorrência.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Preso por "falso zelo de serviço"

Em 1846 o fiel da Fortaleza de S. Francisco mandou cortar "alguns ramos das árvores, que estão no Campo de S. Francisco" que estavam a impedir a "vista da sentinella". Por causa disso o fiel seria condenado pelo comandante do Batalhão de Artilharia a uma pena de prisão de três dias "na mesma fortaleza" já que "tão prejudicial é a disciplina da relaxação, como um falso zelo de serviço" de um militar que se intrometera "em coisas que não são da sua competência".
 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Viagem no século 17

Os livros publicados no século 17 são raros e nestes incluem-se os relatos de viagens feitos maioritariamente por religiosos. Para o post de hoje seleccionei um registo ainda mais raro e que conta uma viagem do Ocidente ao Oriente, por via terrestre, levada a cabo por um civil.
Henri de Feynes (1573-1647), também conhecido por Monsieur de Monfart, inicia a viagem 1608 chegando à  China no ano seguinte, tendo passado por Macau. Terá sido o primeiro francês a realizar esta façanha.
Poucos anos depois da chegada a França, um inglês que visita Paris tem conhecimento da viagem e com base nos apontamentos de Feynes publica o relato da viagem, num livro impresso em Londres em 1615 intitulado "An Exact and Curious Survey of All the East Indies, Even to Canton, the Chiefe Cittie of China - All Duly Performed by Land, by Monsieur de Monfart, the Like Whereof was Never Hetherto, Brought to an End: Wherein Also are Described the Huge Dominions of the Great Mogor, to Whom that Honorable Knight, Sir Thomas Roe, was Lately Sent Ambassador from the King: Newly Translated Out of the Travailers Manuscript"
Tradução do título do livro
"Um levantamento preciso e curioso de todas as Índias Orientais, até mesmo de Cantão, a cidade principal da China - tudo devidamente realizado por terra, por Monsieur de Monfart, como nunca foi até agora, levado até ao fim: onde também são descritos os Enormes Domínios do Grande Reino de Mogor*, para quem o Honorável Cavaleiro, Sir Thomas Roe, foi recentemente enviado Embaixador do Rei: recentemente traduzido dos manuscritos do viajante". 
* Império Mogol, Mugal ou Mogul, autodesignado Gurkani existiu entre 1526 e 1857 e chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano.
Nessa altura os portugueses já se tinham 'estabelecido' em Macau (desde ca. 1555/7) mas este era ainda o início de uma parte importante da história do território que merece uma breve referência. Feynes passa duas vezes por Macau, antes e depois de ir a Cantão. Excerto da pág. 20
"From Malaca I went to Macao (near a months travail) which is a Citty situated on the sea coast at the foot of a great Mountaine where in times past the Portugalls had a greate fort and to this day there be yet many that dwell there. This is the entrance into China but the place is of no great importance; they are Gentiles and there the inhabitants begin to bee faire complextioned. Thence I travailled 2 months to the Cochinchines."

"De Malaca fui para Macau (cerca de um mês de viagem) que é uma cidade situada na costa marítima, no sopé de uma grande montanha, onde em tempos passados ​​os portugueses tiveram um grande forte e até hoje ainda há muitos que lá habitam. Esta é a entrada na China, mas o lugar não tem grande importância; eles são gentios e lá os habitantes começam a se preocupar. Daí eu viajei durante dois meses até à Conchinchina".

Notas:
Samuel Purchas, na obra Pilgrimes, de 1625, inclui várias extratos deste relato.
Em 1630 foi publicada uma versão em francês:"Voyage faict par terre depuis Paris Jusques a la Chine. Par le S.r de Feynes gentilhomme de la maison du Roy, Et ayde de Mareschal de Camp de ses armées. Avec son retour par mer."
Nesta edição Macau surge nas páginas 153 e 154 e com a grafia "Maquau". O conteúdo é muito semelhante ao da versão inglesa. Excerto: "Ce lieu n'est pas autrement de consequence, ny sort à priser pour l'humeur grossiere des habitants, qui son tour payés et addonnez à l'idolatrie."

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

"The Quarrel between Great Britain and China"

Excerto de um longo artigo intitulado "The Quarrel between Great Britain and China" (Guerra do Ópio) publicado numa edição de 1840 do The Monthly Chronicle:
"We insert for the illustration of this article a map of the bay of Canton, exhibiting all the positions connected with the trade of that city. The map contains also a plan of the city and suburbs of Canton and a plan of the town and harbor of Macao. The two latter are reduced from plans contained in a Historical Sketch of the Portuguese settlements in China published in Boston in 1836 by Sir Andrew Llungstedt, a work containing much curious information. The plan of Canton of which this is a reduced copy is stated to be a fac simile of one of the best native maps of the city with the exception of the lettering which in the original is in Chinese. On the native map the name of the city is written Kwang tung Sang ching which means the capital of the Province of Kwang tung or Canton. The natives usually call it Sang ching or the capital of the province. It stands on the north bank of the Choo Keang or Pearl river about forty miles from the Bocca Tigris or mouth of the river and about ten miles from the island of Whampoa where foreign ships usu ally discharge. The relative position of these places and of Macao Lintin, Hong Kong, Toong koo and other important points will be seen by reference to the map of the Bay of Canton which is compiled from the most authentic charts."

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

"Do Ocidente da Europa aos Confins da Ásia"

Em 1969 o empresário portuguê José Gonçalves de Abreu (1914-2002) - oriundo de Freixo de cima, Amarante e fundador do grupo Tabopan, fábrica de aglomerado de madeira - viajou até ao Japão a convite da Union of Japanese Scientists and Engineers para participar na Conferência Internacional do Controle de Qualidade. A viagem foi feita num DC9 (da MCDonnel Douglas, EUA)  com as escalas Lisboa-Copenhaga-Alaska-Japão-Hongkong-Macau-Tailândia-Irão-Itália-Lisboa.
No regresso haveria de publicar as impressões dessa experiência no livro - bastante ilustrado - "Do Ocidente da Europa aos Confins da Ásia (impressões duma viagem)" publicado em 1970.
Alaska, Tókio, Hong-Kong, Macau, Tailândia e Irão são os capítulos apresentados. Sobre Macau dirá que "A cidade faz lembrar um presépio na sua configuração e de todos os lados de onde se veja, é uma preciosidade."
Excerto:
"A cidade de Macau é uma preciosidade na margem do Rio das Pérolas, que atesta a presença de Portugal naquelas paragens de sonho que trouxe, há cerca de quinhentos anos, ao convívio do Ocidente. As suas ruas e avenidas tipicamente à moda portuguesa, banhadas por um sol quente e acolhedor, a que um mundo de transeuntes em mangas de camisa ou em lindos conjuntos, de largas calças e túnica preta, contrastavam com os trajes garridos dos turistas americanos, davam àquela paisagem a beleza das mais lindas capitais daquele lendário continente. (...) 
Ali, como em qualquer outra parte do nosso Ultramar pode ver-se a nossa forma de vida, plurirracial, em convívio fraterno com todas as raças e todas as cores de pele. Nos restaurantes, nos cafés, a passear pelas ruas, nas escolas, enfim por toda a parte, os portugueses não escolhem os seus pares ou os seus amigos, juntam-se na mais harmoniosa convivência, com todos os habitantes da cidade, quer sejam chineses, mestiços ou provenientes de qualquer outra parte do mundo. Somos assim e não temos que fazer qualquer esforço para sermos tal qual somos. (...)
Durante a nossa permanência em Macau, procuramos ver tudo que a magnífica cidade possui de mais belo e representativo da vida cultural e recreativa portuguesa, dado que, estando tão longe da mãe Pátria, com uma população de mais de 290 mil chineses e somente 10 mil portugueses seria lógico aceitar que pouco ou nada ali haveria a marcar a nossa permanência em tão pequena minoria. Pois ficamos deslumbrados com a satisfação com que o macaísta declina a sua identidade. Sou português, filho de pai português e de mãe chinesa; aqui nasci, sou português e prezo-me muito disso, não conheço ainda a Metrópole, mas tenho uma certa esperança de lá ir qualquer ocasião. Estudo a língua Pátria, frequento a escola portuguesa, falo chinês mas, cada dia, onde posso fazê-lo, isto é, logo que tenha quem fale a língua de Camões, é essa a língua que gosto de falar. (...) 
A presença de Portugal está patente em todos os cantos da cidade. Escolas, repartições públicas, indicações de trânsito, enfim, tudo revela que ali é terra de Portugal, e quando entramos num estabelecimento chinês – praticamente todos são chineses – somos recebidos com visível agrado e dispensam-nos as maiores atenções. (...)
Também encontramos alguns militares que gostosamente ali prestam serviço. É uma alegria que se dá àqueles rapazes, alguns naturais da metrópole, que ali estão cumprindo serviço e que dão à cidade um ar de urbanismo e importância que nos enche de orgulho e satisfação."

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Licença para um monumento em 1872

Na edição de 29 de Outubro de 1872 a Gazeta de Macau e Timor: semanario politico, litterario e noticioso informava que "por portaria do ministério da marinha e ultramar foi concedida licença para ser erigido no largo do senado um monumento ao benemérito governador João Maria Ferreira do Amaral".

O monumento a Ferreira do Amaral só viria a ver a luz do dia  quase 80 anos depois, em Junho de 1940, e ficaria localizado nos então novos aterros da Praia Grande. Nesse mesmo mês no Largo do Senado seria colocado um monumento a Vicente Nicolau de Mesquita. As duas personalidades estão ligadas à história de Macau na sequência do assassinato do governador Ferreira do Amaral em 1849.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

"No ponto mais remoto da nossa Monarchia"

(...). Finalmente, tendo passado a fortaleza da Barra, pelas onze horas parou a lorcha no porto interior da cidade. Era chegado ao logar do meu destino, tendo percorrido 8872 milhas geographicas, ou perto de 3:000 legoas, em 50 dias e algumas horas, e deduzindo 10, somma do tempo das differentes paradas, vim' a andar as 3:000 legoas em 40 dias: achava-me no ponto mais remoto da nossa Monarchia; nesse paiz tão pouco frequentado modernamente pelos Portuguezes da Europa, e que ainda no sentir commum do nosso povo se reputa extraordinário e maravilhoso, julgando-se uma temerária aventura o tentar visital-o. Apesar da hora avançada, e da escuridão da noite, não me soffreo o animo demorar-me a bordo: desembarquei, e exactamente á meia noite eu abraçava respeitoso o venerando Bispo diocesano, meu parente, beijava-lhe suas sagradas mãos, e agradecia a Deos o feliz acabamento da minha viagem. (...)
Gosando de benigna hospedagem na bella residência e palácio episcopal do Bispo de Macao, os primeiros dias que passei nesta cidade foram occupados em receber e fazer algumas visitas, travar novos conhecimentos, e ver a cidade. Em summa saboreei os encantos da no vidade, que para mim tinha uma mudança tão completa de local e trato de pessoas. Nas primeiras sahidas que fiz a cavallo para o campo fui ao forte chinez do Passaleâo, cousa de uma milha para além da Porta do Cerco, ou do limite do nosso território. (...)
Praia Grande numa pintura do início do sec. 19.

Macáo e as ilhas de Timor e SoIor na Polynesia constituem hoje uma provincia ultramarina, cujo centro é a cidade do Santo No me de Deos de Macáo, que jaz em 22° 12' de latitude norte e 122° 40' de longitude-léste do meridiano de Lisboa. 
O território que nos pertence dentro dos muros da cidade, e fóra delle até á Porta do Cerco ou do Limite, terá 8 milhas em circuito, 3 de comprimento, e menos de 1 na maior largura, formando tudo uma península de forma irregular e montanhosa, tendo aproximadamente a configuração de um X na parte mais oriental. 
A população actual portugueza ou christã regula de 40 a 50.000 almas, sendo dois terços ou mais feminina: os habitantes chinas calculam-se de 20 a 25:000. 
A cidade vista do mar é muito bonita, e dizem semelhar em miniatura a perspectiva de Nápoles: em terra nas differentes alturas ha também magníficos pontos de vista. (...)

Carlos José Caldeira in Apontamentos d'uma viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa, Typographia de G.M. Martins, Lisboa, 1852.
Nota: As ilustrações deste post não fazem parte do livro.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Uma espera de cinco minutos... ou melhor... 20 dias

Em 1845 foi inaugurado na Washington Street em Boston (EUA) o "Chinese Museum" (Museu Chinês) que tinham no espólio cerca de 800 objectos relacionados com a arte, agricultura, trajes e outros costumes chineses. Na época a China era um motivo de bastante interesse já que apenas um ano antes os EUA tinham assinado o primeiro acordo de comércio e amizade com o Império do Meio, no templo de Kun Iam em Macau - Av. do Coronel Mesquita - a 3 de Julho de 1844. Ficaria para a história como o Tratado de Wanghia, designação de Mong-ha em chinês, zona de Macau onde fica(va) o templo e que na época, era considerada bastante afastada do centro da cidade.
Da comitiva dos EUA fazia parte George R. West (1811-1877), pintor oficial da expedição que registou para a posteridade várias aguarelas de Macau, incluindo esta onde se vê a entrada do Templo de Kun Iam.

Dois dos protagonistas desse acordo foram Caleb Chushing, o emissário do governo dos EUA - presidente John Tyler - e o secretário da missão, Fletcher Webster. Ambos fizeram inúmeras palestras públicas sobre a viagem, eventos amplamente noticiados na imprensa norte-americana.
Aqui fica um pequeno excerto de uma palestra de Webster feita em Nova Iorque e noticiada por jornais como o New York Courier and Enquirer em 1845. O excerto refere-se ao momento em que a delegação norte-americana aguardava pela chegada do representante do imperador da China.
"(...) The American embassy arived at Macao in February and the months of March, April and May, said Mr W., we passed in studying the and waiting as contentedly as we could for intelligence from Keying who was to meet us. At last we received a letter from him, 1,500 miles to West, saying that he was on his way, had been detained by want of water in the canals, and would be there in five minutes. We waited as patiently as possible in a city without society, walks or anything in the slightest degree amusing; and his five minutes proved to be according to our division of time, twenty days. At last he reached Canton, and finally a messenger announced that he was at Macao and had taken up his lodgings at a great temple a mile and a half out of town. He announced his intention of calling upon us the folowing day at 11'o clock precisely. The Chinese are very particular in all matters etiquette. (...)"

"(...) A embaixada americana chegou a Macau em Fevereiro e nos meses de Março, Abril e Maio, disse o Sr. W., passámos o tempo estudando e esperando da melhor forma que podíamos por informações de Keying, com quem nos íamos encontrar. Finalmente recebemos uma carta dele, 1.500 milhas a oeste, dizendo que estava a caminho, que havia sido detido por falta de água nos canais e que chegaria em cinco minutos. Esperamos com a maior paciência possível numa cidade sem sociedade, passeios ou qualquer coisa no mínimo divertida; os cinco minutos dele transformaram-se, de acordo com nossa divisão do tempo, em vinte dias. Por fim chegou a Cantão e finalmente um mensageiro informou que ele estava em Macau onde se alojara num grande templo, a uma milha e meia da cidade. Anunciou ainda que nos iria visitar no dia seguinte, precisamente às 11 horas. Os chineses são muito exigentes em todos os assuntos de etiqueta. (...)"

sábado, 11 de janeiro de 2025

"Noticias Officiaes" de Macau n'O Vimaranense em 1857


"Receberam-se noticias officiaes de Macau até á data de 13 de Janeiro. Naquelle estabelecimento reinava completo sócego não tendo até agora experimentado damno ou compromettimento algum por effeito das hostilidades entre os inglezes e os chins. A exportação e os viveres para Kong Kong havia sido prohibida pelas auctoridades do imperio mas para Macau continuavam a vir como d'antes e não se recciava que acontecesse o contrario. 
Tinha chegado áquella cidade o novo juiz de direito Angusto Henrique Ribeiro de Carvalho, transferido da comarca de Salcete no estado da India e para alli ia partir no immediato paquete o anterior juiz o conselheiro José Maria de Sequeira Pinto, despachado juiz da relação de Goa. No dia 6 de Janeiro teve logar a abertura do Seminario diocesano no collegio de S. José de Macau em observancia e conformidade da carta de lei de 12 de Agosto do anno findo. Ficavam já funccionando as aulas de theologia dogmatica e moral e das linguas latina e chineza devendo as outras de que se compõe aquelle seminario ser providas com os professores que vão ser mandados deste reino."
in O Vimaranense (Guimarães), 16 de Março de 1857

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

"Delightful walks within the limits of Macao"

Quando se reformou da Marinha dos EUA, Daniel Ammen (1820-1898) escreveu um livro "The Old Navy and the New" - publicado em 1891 - onde relata as suas memórias. Numa das viagens pelo Oriente passou por Macau. Aqui fica um excerto relativo à Primavera de 1846 a bordo do USS Vincennes, tendo como companhia o USS Columbus e onde o destaque são as constantes visitas dos membros das tripulações à gruta de Camões onde existia um busto do poeta.

"(...) Entretanto, os oficiais e tripulantes de Vincennes desfrutaram de agradáveis passeios em Macau e alguns de nós nunca se cansaram de visitar o túmulo de Camões (leia-se gruta, já que nunca existiu um túmulo), um português e um dos grandes poetas cujos nomes perdurarão enquanto o homem existir. A localização e vegetação tornam-no num local encantador. Os Lusíadas é um poema de eleição que regista um romance de viagem que dificilmente deixará de ser lido no futuro. (...)"
Aspecto da Gruta de Camões em Macau em 1846
A imagem não faz parte da obra referida

"(...) Early in March we dropped down to the Bogue and a few days later went to the roads off Macao. The water is shoal for miles out and the lower part of the Canton River or rather the archipelago into which it discharges is quite extended, lying between high and picturesque islands, those nearest the sea being more rocky and less green.
The outer islands have few inhabitants while the inner ones are thickly populated. At that time the island of Hong Kong had very few residents and the foreign population was quite small. Macao had been in possession of the Portuguese for more than two and a half centuries and was for many years the summer residence of the larger number of foreign merchants in Canton. Bordered by broad waters and peninsular in form, just on the edge of the tropics, it was an agreeable residence and many years ago, when the Chinese were more exclusive, it had a large trade, but in 1846 its commercial glory departed.
The very extensive ware houses were empty and pleasant residences for Europeans could be had at a nominal rental.
The Columbus left Macao on the 15th of March for Manila. She was ten days in making the voyage and after less than a week her crew began to die of cholera and she left for Macao, where she anchored on the 9th of April having lost twelve men. What is known as Manila cholera, is not the true Asiatic although the treatment is the same it is not at all infectious and on her return we went on board without fear of attack.
The true Asiatic cholera has visited Manila several times since then and between that disease, earthquakes and typhoons, the inhabitants have had within past years what is called a rough time. 
In the mean while the Vincennes officers and crew enjoyed the delightful walks within the limits of Macao and some of us never tired of visiting the grave of Camoëns, a Portuguese and one of the great poets whose names will live as long as man exists. The situation and trees make it a charming spot. The Lusiad is a choice poem recording a romance of travel that can hardly fail to be read in the future. (...)"

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Macao Trading Co.

O anúncio da "Macao Trading Co." é de 1910 e foi publicado no jornal "Vida Nova". A empresa localizada na Rua Sul do Mercado de S. Domingos (junto ao Largo do Senado) intitulava-se como "único agente nesta cidade da poderosa firma de Hong Kong (Queen's Road), Calbeck, Macgregor & Co." vendendo aos mesmos preços da congénere na colónia britânica "todas as melhores cervejas, vinhos, champagnes, vinhos do Porto, licores, aguas mineraes, etc" e ainda "artigos de vestuario" e "creolina desinfectante".
A Calbeck tinha sucursais em várias cidades na Ásia, desde Singapura, Cantão, Xangai, Tientsin, Hankow, etc...
Curiosidade: Existe actualmente em Nova Iorque um estabelecimento na área da restauração denominado Macao Trading Co./Companhia da Mercadoria inspirado "nos antros de ópio da antiga Macau dos anos 30...um lugar exótico fora do tempo...misterioso, aventureiro, decadente."

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Mudanças no horário do White Cloud em 1868

Este anúncio publicado no jornal The China Mail (Hong Kong) informa sobre a nova hora de partida do vapor a pás White Cloud - que fazia a ligação marítima entre Macau e Hong Kong - a partir de 1 de Junho de 1868.

William Athenry Whyte foi um dos muitos estrangeiros que recorreu a este vapor nesta altura e conta isso mesmo no livro de 1871 "A Land Journey from Asia to Europe - Being an Account of a Camel and Sledge Journey from Canton to St. Petersburg Through the Plains of Mongolia and Siberia". O testemunho vale ainda pelas suas impressões sobre a cidade naquela segunda metade do século 19:

"After a pleasant sojourn of three months I left Canton paying a passing visit to the Portuguese settlement of Macao, the sanatorium of the south of China so called, although for what reason I hardly know as when I was there it was awfully hot.
It is a great place of resort for bridal couples also for the dwellers in Hong Kong who cross over on Saturdays and return on Mondays and indulge in very sumptuous breakfasts on Sundays. There is a great deal in imagination so no doubt many people do fancy Macao very healthy and consequently do not complain so much as they would in Hong Kong which they fancy unhealthy.
I should say Macao was a splendid place for eye diseases for anything like the glare I never experienced anywhere. The principal products of Macao are decidedly very dirty and repulsive beggars. Every other creature seems to be a beggar or a lunatic. The inhabitants are certainly not handsome as may be expected from a mixed breed of Portuguese and Chinese. The population is mainly hybrid, at least seven eighths of the people being of this mixed Chinese type.
On first approach Macao gives one the idea of a strongly fortified place but on inspection one finds it to be all a grand sham. The walls on which antiquated popguns are placed are painted outside being only made of plaster & c something like Vauxhall Gardens used in old times to exhibit.
From one of the batteries a salute on one occasion was fired and the walls crumbled away instantaneously. It looks very picturesque but is very useless. I wonder the Chinese have never taken Macao back. I should not think it would be an enterprise of much difficulty. The scenery about Macao is beautiful. The situation of the town and the bay reminds one very much of Naples. Of course being Portuguese or rather Macanese it is Roman Catholic and from outward appearance most devout. Bells ringing at all hours and half caste looking shovel hatted priests wandering about. All the rites of the Church are adhered to in most exaggerated form which really reminds one very much of the sort of worship one sees in the neighbouring Chinese temple and seems quite as incomprehensible.
The trade of Macao since the cession of Hong Kong to England has nearly died away and at present is most insignificant.
A day or two at Macao as far as sight seeing is concerned is quite enough so I bid adieu to the beautiful spot with its dummy forts, antiquated looking soldiers, gambling shops, pretty boat women, beggars, church bells and half caste population with their monkey faces reminding one a great deal of the monkey house of the Zoological Gardens and embarked on the steamer White Cloud, commanded by the well known and deservedly liked Captain Carroll and soon found myself again in Hong Kong.

Notas: 
O White Cloud - veio de Nova Iorque na década de 1850 - ficaria destruído no tufão de Setembro de 1874. A 5 de Julho de 1875 seria lançado à água um novo White Cloud.
White Cloud é também a tradução literal de uma montanha perto de Cantão.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Afonso Carrão Pereira: 1946 - 2025

Afonso Carrão Pereira, empresário da área da restauração, morreu na sexta-feira com 79 anos. Mais de quarenta anos de Macau, tornaram Afonso Pereira num homem da terra, a que chegou em 1984, e uma figura incontornável da restauração portuguesa no território. Natural de Paialvo, Tomar, Afonso Pereira chegou a Macau para abrir o “Afonso’s” no Hotel Hyatt, na Taipa, cabendo-lhe igualmente tomar as rédeas do restaurante “1999” em Coloane. No Verão de 1990 abriu o “Afonso III”, que foi um dos pontos nevrálgicos da Rua Central durante mais de duas décadas, e ponto de encontro da comunidade portuguesa e de quem não dispensava uma faustosa e bem regada refeição, sem aditivos supérfluos. Após, a mudança para a Rua de Tomás Vieira, o restaurante de Afonso Pereira passou a chamar-se Café Xina, nas traseiras do Hospital Kiang Wu. Aberto em Julho de 2014, trinta anos depois de Afonso Pereira ter chegado a Macau, o Café Xina formou uma dupla de peso nas noitadas de Macau com o bar Che Che, hoje em dia Mico. Após fechar o Café Xina, Afonso Pereira ainda arranjou forças para ter um balcão de comida para fora na Avenida Sidónio Pais, negócio que abriu em colaboração com o filho.
A imagem do chef que transforma a cozinha num local de batalha, com berros e gestos de irascibilidade, tornou-se num cliché propagado pela televisão. Afonso Pereira tornou-se uma figura que gerou alguma controvérsia, especialmente em críticas em sites como o Tripadvisor para clientes habituados a “paninhos quentes”. Na versão em inglês, as críticas dividem entre o fantástico e as estórias de terror, incluindo uma crítica em que o internauta se queixava de ter sido ameaçado com uma barra de ferro pelo dono do restaurante. Quem privou com Afonso Pereira conheceu-lhe o temperamento especial, como um teste de carácter de primeiros encontros. Passado pouco tempo e atingido um conhecimento mútuo, vinha ao de cima a enorme ternura que dava tanto prazer conquistar. A partir daí, já não se estava num restaurante, estava-se em casa de um amigo. Afonso Carrão Pereira foi, durante cerca de quatro décadas, um embaixador da boa gastronomia portuguesa, das porções generosas e da comida feita sem efeitos especiais para publicar nas redes sociais. Homem de um coração imenso, irá deixar muitas saudades. Paz à sua alma. Até sempre, Afonso.
Notícia assinada por João Luz publicada no jornal Hoje Macau 6.1.2025

domingo, 5 de janeiro de 2025

"Cascata do jardim público, em S. Francisco"

"A cascata do jardim publico, em S Francisco, acha-se já concluida. Ficou graciosa. Hontem - domingo - á hora da musica ja funccionou experimentando-se differentes jogos d'agoa de bonito effeito. Parece porem que não seria mau que os tubos conductores fossem de mais largo diametro para que os jorros da cascata se tornassem mais abundantes. Ouvimos dizer que se farão essas pequenas alterações."
in Boletim da Província de Macau e Timor, 23.3.1868

O jardim foi o primeiro de carácter público da cidade. Remonta a 1860, tinha dois pisos, murete e vários portões de acesso. No postal acima pode ver-se do lado esquerdo o murete do lado da Praia  Grande e um dos portões.
Na edição de 1 de Abril de 1882 do jornal O Macaense menciona-se a cascata do "Jardim Publico".
Os aterros da Praia Grande nas décadas 1920/30 fizeram com que o jardim de S. Francisco deixasse de ser murado junto à linha de costa. 
O chamado pavilhão octogonal ali construído por volta de 1928 para café/salão de bilhar seria comprado na década de 1940 por Ho Yin que transformou o espaço em biblioteca (a estrutura do edifício foi aumentada) e doou ao território. No lado junto à Rua do Campo foi feita uma nova rua, a de Sta. Clara (referência ao convento com esse nome que ali existiu), que vai do Clube Militar até ao Cineteatro e passou a dividir em duas partes o jardim. Ao mesmo tempo a Rua da Praia Grande (só passou a ser avenida na década de 1980) passou a ter um cruzamento com a rua do Campo e passou a ligar, entre outras, com a Estrada de S. Francisco e outros arruamentos novos criados nos aterros.