Os livros publicados no século 17 são raros e nestes incluem-se os relatos de viagens feitos maioritariamente por religiosos. Para o post de hoje seleccionei um registo ainda mais raro e que conta uma viagem do Ocidente ao Oriente, por via terrestre, levada a cabo por um civil.
Henri de Feynes (1573-1647), também conhecido por Monsieur de Monfart, inicia a viagem 1608 chegando à China no ano seguinte, tendo passado por Macau. Terá sido o primeiro francês a realizar esta façanha.
Poucos anos depois da chegada a França, um inglês que visita Paris tem conhecimento da viagem e com base nos apontamentos de Feynes publica o relato da viagem, num livro impresso em Londres em 1615 intitulado "An Exact and Curious Survey of All the East Indies, Even to Canton, the Chiefe Cittie of China - All Duly Performed by Land, by Monsieur de Monfart, the Like Whereof was Never Hetherto, Brought to an End: Wherein Also are Described the Huge Dominions of the Great Mogor, to Whom that Honorable Knight, Sir Thomas Roe, was Lately Sent Ambassador from the King: Newly Translated Out of the Travailers Manuscript"
Tradução do título do livro
"Um levantamento preciso e curioso de todas as Índias Orientais, até mesmo de Cantão, a cidade principal da China - tudo devidamente realizado por terra, por Monsieur de Monfart, como nunca foi até agora, levado até ao fim: onde também são descritos os Enormes Domínios do Grande Reino de Mogor*, para quem o Honorável Cavaleiro, Sir Thomas Roe, foi recentemente enviado Embaixador do Rei: recentemente traduzido dos manuscritos do viajante".
* Império Mogol, Mugal ou Mogul, autodesignado Gurkani existiu entre 1526 e 1857 e chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano.
Nessa altura os portugueses já se tinham 'estabelecido' em Macau (desde ca. 1555/7) mas este era ainda o início de uma parte importante da história do território que merece uma breve referência. Feynes passa duas vezes por Macau, antes e depois de ir a Cantão. Excerto da pág. 20
"From Malaca I went to Macao (near a months travail) which is a Citty situated on the sea coast at the foot of a great Mountaine where in times past the Portugalls had a greate fort and to this day there be yet many that dwell there. This is the entrance into China but the place is of no great importance; they are Gentiles and there the inhabitants begin to bee faire complextioned. Thence I travailled 2 months to the Cochinchines."
"De Malaca fui para Macau (cerca de um mês de viagem) que é uma cidade situada na costa marítima, no sopé de uma grande montanha, onde em tempos passados os portugueses tiveram um grande forte e até hoje ainda há muitos que lá habitam. Esta é a entrada na China, mas o lugar não tem grande importância; eles são gentios e lá os habitantes começam a se preocupar. Daí eu viajei durante dois meses até à Conchinchina".
Notas:
Samuel Purchas, na obra Pilgrimes, de 1625, inclui várias extratos deste relato.
Em 1630 foi publicada uma versão em francês:"Voyage faict par terre depuis Paris Jusques a la Chine. Par le S.r de Feynes gentilhomme de la maison du Roy, Et ayde de Mareschal de Camp de ses armées. Avec son retour par mer."
Nesta edição Macau surge nas páginas 153 e 154 e com a grafia "Maquau". O conteúdo é muito semelhante ao da versão inglesa. Excerto: "Ce lieu n'est pas autrement de consequence, ny sort à priser pour l'humeur grossiere des habitants, qui son tour payés et addonnez à l'idolatrie."