Texto de Graça Pacheco Jorge incluído na versão de Junho de 2024 da Newsletter da FJA, especialista em gastronomia de Macau, autora da obra A cozinha de Macau da casa do meu avô, publicada em Macau em 1992 e em 2014 (bilingue), pelo Instituto Cultural de Macau, e em 2003 em Lisboa, pela Editora Presença.
Todas as terras têm a sua gastronomia, mas, sem querem parecer vaidosa, devo dizer que a de Macau é especial.
D. João II reinava em Portugal, grande impulsionador das explorações marítimas, empenhando-se na descoberta do caminho marítimo para a Índia. Morreu sem ver o seu sonho realizado e foi o seu sucessor, D. Manuel I, que teve o privilégio de o concretizar.
As naus que partiram do reino iam carregadas com tudo o que seria necessário para essa aventura por mares desconhecidos, mas as mulheres não embarcavam.
Pelo caminho iam aportando onde podiam, não só para se reabastecerem como também para consertar as naus, maltratadas por ventos e mares revoltos que nunca antes tinham enfrentado. Nessas alturas era nos mercados locais que encontravam legumes e frutas para complementar as suas receitas tradicionais. Uma vez chegados à tão ambicionada Índia, já levavam novos sabores que tinham encontrado na rota e que haviam introduzido nas refeições a que estavam habituados.
Também as especiarias faziam parte da procura, sendo Veneza, na altura, a potência comercial que detinha o monopólio sendo importante que esse valioso comércio fosse pertença do Reino.
Da Índia, Afonso de Albuquerque partiu à conquista de Malaca, lá se estabeleceu e casou os seus marinheiros e exploradores com as mulheres locais, ficando conhecidos como os casados, e dali partiram outras naus a caminho da China, tendo o navegador Jorge Álvares sido o primeiro europeu a arribar à foz do rio da Pérolas.
Quando lhes foi permitido estabelecer e comerciar, na então pequena ilha de pescadores, foi com as suas mulheres, dos portos por onde tinham passado, que criaram as famílias dos futuros macaenses e daí nasceu a gastronomia, com a raiz portuguesa e todos os sabores e saberes das mulheres dos outros reinos.
Todos os filhos da terra, confecionam os mesmos pratos, sejam eles descendentes da Índia, Malaca, África, Timor, ou até do Japão, mas como acontece em todo o mundo, cada família tem o seu segredo, que só se transmite de pais para filhos.
Na minha família materna a influência vem sobretudo da Índia, a minha bisavó tinha nascido em Ponda-Goa, viveu em Macau com o marido, onde nasceu a sua filha, e minha avó, Matilde Pacheco Jorge, de quem herdei o tesouro das suas receitas manuscritas.
Várias são as receitas especiais para dias festivos, reuniões familiares ou épocas do ano, todas elas documentadas e partilhadas pela família.
Quando vim viver para Portugal apercebi-me de que a gastronomia de Macau não era conhecida, era muitas vezes confundida com a Chinesa.
Sem dúvida que a comida chinesa da região de Cantão, onde Macau se situa, teve uma influência importante, não só pela proximidade, como também nos ingredientes e na maneira de os cozinhar, mas são duas gastronomias distintas.
Foi uma das razões que me motivou a escrever um livro, em homenagem aos meus avós, divulgando as receitas da sua casa e para que a nossa gastronomia fosse conhecida e apreciada
Creio que mais receitas importantes não se teriam perdido ao longo dos anos, se tivesse havido mais partilha documentada, receitas essas que iriam sem dúvida enriquecer esta gastronomia tão especial, e infelizmente tão pouco conhecida fora da diáspora dos macaenses.
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