Semanário macaense A Colónia, 21.12.1918
Teria sido Macau, nas mãos dos seus velhos habitantes, alguma cousa que possa comparar-se á alegre e pitoresca cidade que os nossos olhos de europeus se comprazem em admirar e em venerar? Que o digam Cantão, Shiu-heng, Chin-san, e todas as cidades que nos rodeiam e que nos entristecem com o seu aspecto miserável, doentio e soturno. A China, vendo-se bem, só teve a lucrar com a nossa presença aqui, tendo sido nós, os pioneiros da civilização, quem lhe abriu as portas ao comercio do Ocidente, dando-lhe mercados inexgotaveis para as suas sedas, para as suas inimitaveis obras de arte e para os milhares de produtos que os seus povos laboriosos sabem arrancar á terra ou á industria. E as ideias de liberdade devem também ter vindo comnosco, dando-se até a singular coincidencia de que a sua Republica foi proclamada momentos depois da nossa gloriosa Revolução!...
Semanário macaense A Colónia, de 22.3.1919
A 60 milhas ao Sudoeste de Macau, encontra o navegante um grupo de duas ilhas interessantíssimas e destinadas talvez a desempenhar um papel de relevo e de importancia na Historia da Humanidade. A primeira (…), se encontra uma encantadora capela, mandada erigir em 1868 para sufrágio da memoria do grande vulto que se chamou S. Francisco Xavier. Não poderia ser mais pitoresco nem mais docemente impressionante o local onde foi construido o piedoso monumento!...
Semanário macaense O Liberal, de 11 e 18.10.1919
Macau está quasi como era em 1910 (…). Macau era digna de melhor sorte. Ha aqui um povo trabalhador, honesto, inteligente, que tem sido deitado á margem, espesinhado, ludibriado; e -isto é que custa dizê-lo - e, muitas vezes, teem sido os seus proprios irmãos, os filhos do mesmo sangue e da mesma raça que assim o teem deprimido, achincalhado!... (…) Outro dos problemas que se debatem aqui na Colonia, problema importantíssimo e que á Republica, á gloriosa Republica do 5 de Outubro, cabe resolver, é o da delimitação de Macau (…). Curioso é que nem todos os chinas pensam como esses portugueses sem dignidade nem coração: em Cantão descobrimos um mapa do Kwangtung, edição moderna e dedicada ás escolas oficiais, em que os limites de Macau são já qualquer coisa razoavel. Compreende: a peninsula até ás portas do Cerco; a ilha da Taipa; a ilha de Coloane; a ilha de D. João; a parte norte da Ilha de Wong-cam e as aguas inteiras do Porto interior, com as duas ilhotas de Malao-Chao. Não e tudo; mas já é alguma coisa. (…)
É preciso que a Republica se lembre de Macau e que estabeleça a carreira para o Oriente. (…) A Metropole terá tudo a ganhar (…); esgotada como está a Europa por 5 anos de guerra, é daqui, do Extremo-Oriente, que poderá refazer os seus mercados e suprir os seus deficits. As sedas, o chá, o tabaco, as madeiras, o minério, os charões e as porcelanas, podem muito bem ser trocados, aqui no nosso entreposto comercial, pelos vinhos, azeites, conservas e cortiças do nosso belo País. (…) Disto sim, meus senhores e não dos rendimentos dos vicios é que nós deveremos viver. (…) Mas....ha ainda um problema que a Republica tem a resolver e que muito interessa á Colonia. É o da instrução.
Semanário macaense A Colónia, de 8.3.1919
Constou-nos (…) que o Governo de Hongkong pensa em destinar um bairro especial para alojamento dos numerosos portugueses que habitam a visinha Colonia. É a Camões City, denominação infeliz que, dada a qualquer dependencia de uma cidade nossa, representaria uma homenagem ao grandioso e sublime cantor dos Luziadas, mas que (…) representa uma irrisão, um escarnéo que, para sempre, ficaremos a dever aos nossos velhos aliados!... Diz-se que esta separação do elemento português (macaense, quasi todo) tem por fim calar a boca aos japoneses que, pouco a pouco, haviam invadido os mais pitorescos e salubres logares da florescente possessão, pouco faltando para que se instalassem comodamente... no proprio palacio do governo. E, para que os dilectos Filhos do Sol do Nascente se não mostrassem ofendidos com uma enxotadela tão fora de proposito, estendeu-se a determinação a individuos de outras raças, pretendendo-se formar com eles interessantes grupos poeticamente distribuídos pelas encostas verdejantes da encantadora ilha!... (…) Mas o reconhecimento deste direito de defeza não vai ao ponto de se achar justo que se persiga ou se coloquem em situação aviltante os povos irmãos (…) esquecendo o governo de Hongkong o quanto a cidade deve aos macaenses, desde a sua fundação até á defesa desinteressada e patriotica que eles, nos dias amargos da guerra, se prontificaram a fazer dos seus muros e das suas edificações!...Então choviam os elogios (…) Era aqui em Macau que, se as coisas corressem com justiça e com dignidade, se deveria arranjar emprego e colocação para os pobres filhos desta terra, evitando-se que andassem por esse mundo á mercê de tais enxovalhos e de tão injustas classificações.
Semanário macaense O Liberal, de 15.5.1920
Sr. Presidente – (…) Creio bem que Macau é muito pouco conhecida em Portugal. Está muito longe, e talvez isso dê razão a essa ignorância. Mas, sr. Presidente, Macau é uma das nossas colonias mais belas, mais valiosas, mais florescentes e mais ricas. (…)
Temos vivido ali de olhos fechados, numa somnolencia criminosa! (…) A Lapa fornece a agua a Macau pois como essa ilha está em litigio, dá-se a circunstancia curiosa de que, sempre que ha qualquer questão com a China, Macau fica aterrada, sem se saber o que os chineses farão á agua, se a cortam ou se a envenenam! Não houve tempo ainda, em 4 séculos, de tratar da questão das aguas!... E não houve tempo também de cuidar, até agora, dos esgotos, porque a verdade é que Macau não tem ainda um sistema de esgotos!... Nem esgotos, nem coisa alguma!...Fala-se por lá também na construção de casas baratas, porque em Macau a propriedade é hoje caríssima, mercê da afluência de chinas que as constantes revoluções ali têm trazido. (…) Creio que foi o nosso inimitável Eça quem disse que Macau era terra chinesa governada por um mandarim português. Ora isto é falso, excepção feita, as vezes, do mandarim... Na população de Macau ha um núcleo importante de portugueses, gente ilustrada, instruída e cheia de patriotismo e de abnegação, gente que confia em absoluto no espirito de justiça da nossa jovem Republica. E é o conhecimento que eu tenho desse bom povo ilustrado e sofredor que me obriga a pedir ao Parlamento que não me leve a mal o apresentar-lhe agora um projecto que tenda a melhorar as suas tristes condições de existência (…)
Diário de Noticias, de 18.6.1920
Fala-se em Angola e em Moçambique, cita-se S. Tomé, a Guiné e Cabo Verde e, no entanto, pouca gente conhece... Macau!... (…) Mas o que é difícil é precisamente conseguir-se que os governos lhe deem a consideração e a importância a que tem incontestável direito!... A Metrópole lembra-se, em geral, de Macau quando, dos seus cofres, pretende sacar as dezenas e até mesmo centenas de contos com que usa tapar buracos na administração de outras colonias menos prosperas ou mais mal governadas. Fora disto - que não interessa evidentemente a Macau - tudo lhe regateia e tudo lhe dificulta. Há quatro séculos que se firmou ali o nosso domínio e, no entanto, Macau, a pérola do Oriente, a estancia favorita do sublime cantor dos Lusíadas, encontra-se desprovida de tudo o que representa conforto, higiene, bem estar e até... defesa!... Desconhecemos mesmo quais sejam os limites do território nacional!... (…)
É o Monte Carlo do Extremo-Oriente: mas um pobre Monte-Carlo que não seduz, que não enfeitiça, que não se enche de louçanias e de tentações para atrair a si os forasteiros, os turistas que rodopiam pelas cidades que a rodeiam. E, no entanto, a natureza, que tão dura se mostrou para com as ásperas regiões do sul da China, foi extraordinariamente pródiga para com Macau, dotando-a de uma baia elegantíssima, a Praia Grande, e dando ás suas colinas relevos interessantíssimos e extremamente graciosos. É um pequeno Eden, sem conforto nem outras atracções que não sejam as naturais.