domingo, 30 de agosto de 2020

Pautas alfandegárias e taxas de consumo

"Pautas alfandegárias e taxas de consumo em relação aos produtos de Macau, aos metropolitanos e aos de outras Colónias" é o título do artigo da autoria de Américo Pacheco Jorge e Henrique Nolasco da Silva publicado no n.º 66-67, Agosto-Setembro, 1936 da "Portugal colonial: revista de propaganda e expansão colonial".

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A expulsão dos jesuítas e a 'entrega' do Colégio de S. Paulo

O Colégio de S. Paulo de Macau foi criado em 1594 e encerrado em 1762, na sequência da  ordem de expulsão das ordens religiosas decretada em Portugal em 1759. O documento que a seguir transcrevo testemunha a "entrega" do colégio ao bispado e ao governo local. Nele ficamos a saber qual era o 'recheio' dos "32 cubículos". Mas antes, proponho um pequeno resumo de contexto.

Em 1759 por ordem do Marquês de Pombal (chefe de governo) decreta-se ilegal a Companhia de Jesus e seus missionários, considerados inimigos do rei que no seguinte ordena a expropriação dos bens patrimoniais da Companhia de Jesus em todo o país, nomeadamente igrejas, escolas e outros estabelecimentos de propagação da fé. 
A distância de Macau fez com que esta legislação só viesse a ser aplicada alguns anos depois.
A 2 de Abril de 1762, o Governador da índia, reenvia para Macau o decreto real dando ordem para confiscar o património da Companhia de Jesus em Macau, designadamente o Colégio de S. Paulo, o Seminário de S. José, a Igreja da Madre de Deus e o Cemitério. 
A 5 de Julho desse ano o governo de Macau mandou fechar o Colégio de S. Paulo e o Seminário de S. José, e manda prender os 24 jesuítas destas duas instituições que foram entregues à guarda do Geral da Ordem Dominicana e ao Geral da Ordem Franciscana em Macau. 
A 5 de Novembro partem na nau S. Luís, deportados, rumo a Lisboa onde ficariam presos na Torre de S. Julião da Barra
No final de Dezembro fez-se a entrega dos bens patrimoniais da Companhia de Jesus e foi a leilão parte das mobílias e vestimentas dos jesuítas. O governo de Macau decide ainda que o Colégio de S. Paulo passaria a ser administrado pelo Senado. 
Várias fontes indicam que muito material ficou ao abandono nos edifícios que viriam a arder em 1835.
Estampa publicada na Ilustração Luso-Brasileira em 1858
"Aos vinte e dois dias do mez de Dezembro de mil settecentos sesenta e dois annos n'esta cidade do S. Nome de Deus de Macao na China, no Colégio de S. Paulo da Provincia do Japão estando prezente o Juiz Ordinário e do Fisco Real António de Miranda e Souza e os Adjuntos António José da Costa e João Ribeiro Guimarães comigo Tabel.m adiante nomeado apareceo ali o Rmo. Dr. Provisor Vigário Geral Custodio Fernando Gil aquém o Dr. Juiz fez entrega do do. colégio pelo Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano D. Bartolomeo Manuel Mendes dos Reis, o qual tem em si trinta e dois cubiculos, a saber: sette no corredor do corredor da Livraria, e seis no corredor da parte do Norte. Tem mais dentro dos d.os cubibulos sesenta e oito entrepaineis e estampas e desoito Mapas nos corredores. Tem mais trinta e duas cadeiras de braços antigas. Tem mais em hum cubiculo do Limbo duas Imagens de madeira da estatura de hum homem. Huma de Sto. Ignacio, outra de S. Francisco Savier e na portaria hum Santo Crucifixo. Têm mais nove Lampioens de Vidro verde. Tem mais quinze bancos de assentos compridos. Tem mais na horta da parte do campo cento e oitenta pedras lavradas. 

A Procuratura tem em si tres quartos, seu corredor e huma varanda com Cinco fasquias douradas; huma pouca de madeira velha; hum cubiculosinho, dois gudoens e vinte e oito entrepaineis e estampas. A Casa da dispensa com Sua varanda, e dois painéis. A Casa do Cofre e nove mappas. A casa dos estudos. Huma sala de Hospedes. E outra casa ao pé com o madeiramento velho da Igreja. A casa do Seminário com cinco cubiculos, seu gudão com madeiras velhas. A Casa de escola com seu Altra; tres painéis duas estampas seis bancos de Cúria, e huma banqueta. No cubiculo do Pe. Provincial tem hum crucifixo pequeno de bronze e duas Imagens de madeira pequeras. No Cubiculo quinto do corredor do côro tem hum Crucifixo de marfim, e huma Imagem de N. Senhora. Duas Campas, huma na Portaria, outra que tocava à Communidade. 
A casa do Refeitório tem tres painéis; cinco bancos e cinco taboas de meza seu Púlpito e um banco e uma taboa fóra. 
A Capella da Enfermaria com seu Altar e painel de N. Senhora, uma Sacrário dourado: sua banqueta: cálix e patena de Calaim: galhetas com seus pires, e hum purificador de Calaim: uma Caldeirinha com dois hyssopos de Calaim, duas Caixas de hóstias, doze laminas com seus vidros a saber: duas de Menino Jesus: huma de Santo Cristo, oura de S. José e outra de N. Senhora, e sete dos Stos. Apóstolos: hum registo de N. Senhora com seu vidro quebrado, Cinco paineisinhos da Sagrada Paixão aberta em marfim: quatro Imagens em pedra mármore de Sto. Ignacio, S. Francisco Xavier, S. Luiz Gonzaga e S. Estanislau; hum ramalhete de marfim esculpido e Imagem de N. Senhora da Conceição, seis pés de ramalhete de madeira; quatro pés de Cruz e hum de feitio de carangueijo; três pares de Castiçais de calaim; quatro Crucifixos; dois de marfim, hum de madeira e hum de cobre, uma estante, dois lavabos, huma Caixa de cheirão, que tem dentro huma caixa de Calaim de Santos óleos; huma campainha, duas pedras d'Ara, dois Missaes, um Ritual, duas laminas de cobre, que poem debaixo dos castiçaes, cinco toalhas, três frontaes, duas Casulas, hum Manipulo, três veoes de Cálix, duas bolsas com corporais, huma pala hum amicto, hum cordão, tres toalhas de mãoes, huma sobrepeliz com rendas e hum pano d'Altar. 
A Capela dos Estudantes tem seu Altar com o painel de N. Senhora, tres pares de ramalhetes, tres pares de Castiçaes, hum Crucifixo, hum Menino Deus de marfim, huma Imagem de S. José de pedra mármore com diademas de prata, mais hum par de ramalhetes, sete painéis, quatro registos, sette pés de ramalhetes, duas taboas d'Indulgencias e huma dos dias de Comunhão, hum caixão da Confraria de Sta. Cruz, e dentro tem tres bandeiras, hum Cálix com sua patena de Calaim, huma pedra d'Ara, uma bandeirinha, nove registos com suas fasquias, seis opas de Chumengue, e quatro da ganga e tres de lim, duas sobrepellizes; duas chitas velhas, huma Cruz de pau, duas Caixinhas e quatro mazes em sapecas, e de como todo o referido ficou entregue ao d° Revmo. Dor. Provisor e Vigário Geral, fiz este termo em fé do que se assignou aui e os ditos Juiz e Adjuntos comigo o Tabelião Alexandre Pereira de Campos que o escrevi - Alexandre Pr. de Campos - Custodio Fernado Gil"

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Green Island Cement

No dia 7 de Maio de 1886, celebrou-se um contrato entre o Seminário de S. José e Creasy Evens que estabeleceu, na Ilha Verde, a Green Island Cement Company Limited (falida em 1936). Quatro dias depois é concedida licença ao solicitador judicial de Hong Kong, Creasy Ewens, para o estabelecimento, na Ilha Verde, da referida fábrica.
Em 1889 celebra-se um contrato entre o Governo e a empresa para o aterro do Porto Interior.
Green Island Cement (GIC) is the oldest established cement company in Asia having first commenced business in Macau in May 11, 1886, when His Excellency Tomas de Sousa Rosa, Governor of the Province of Macau and Timor, granted a license to solicitor Creasy Ewens of Hong Kong to establish a cement factory in Ilha Verde, or Green Island.
The factory site was conveniently close to the Inner Harbor where barges brought in limestone from neighboring Kwantung Province and loaded cement for export to China.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Bilhete Postal: 1892

Bilhete Postal destinado a Londres. Enviado de Macau a 27 de Agosto de 1892, dois dias depois passou por Hong Kong tendo chegado ao destino a 5 de Outubro desse ano.

domingo, 23 de agosto de 2020

"Lungshan" e "Heungshan"

Anúncio da década 1920
S.S. Heungshan - 2000 Tons.
Departures from Hong Kong to Macao on week days at about 2.30pm., and on Sundays at about 12:30 pm.
Departures from Macao to Hong Kong daily at about 8.30 am.
During the summer months the times of departure flutuate to suit the tide at Macao. 
See special time-tables issued by the Company. 

S.S. Lungshan - 220 Tons. 
Departures from Canton every Tuesday, Thursday, and Saturday, at about 7.30 am. 
Departures from Macao every Monday, Wednesday, and Friday, at about 7.30 am. 
N. B. Departure are subject to change and postponement. 

Further particulars regarding freight and passage may be obtained at the office of The Hong Kong, Canton & Macao Steamboat Co., Ltd., Hong Kong. 
Or of Mr. A. A. de Mello, Agents, Macao
Or of Messers. Deacon & Co. Agents, Canton



O anuncio refere as embarcações que faziam a ligação entre Macau e Hong Kong (Henungshan) e entre Macau e Cantão (Lungshan).

Foram vários os nomes das embarcações que ao longo dos anos faziam as ligações fluviais entre Macau, Hong Kong e Cantão. Na ligação a Cantão, por exemplo, também existiu nesta época o "Hoi Sang". O Lung Shan esteve activo nesta rota até 1937. O Heungshan esteve activo entre 1890 e 1927.
"Praya Grande S.S. Heungshan laeaving for Hongkong at 7.30 A.M. Macao"

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

"Diu", "Zaire" e outros navios

As notícias são do correspondente em Macau do The Daily News (Kong Kong) publicadas na edição de 2 de Dezembro de 1902. Refere que as canhoneiras "Zaire" e "Diu" estão estacionadas em Macau, bem como outras embarcações de França e Inglaterra.
Por causa da revolta dos boxers, a Zaire esteve bastante tempo na região. Ficou bastante conhecida esta imagem - reproduzida em postais, por exemplo - com parte da tripulação fotografada na Porta do Cerco, em 1900. Em baixo uma imagem da "Diu". Uma e outra tinham uma guarnição de cerca de 100 elementos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Macau na "Chronica Planetária"


A obra "Chronica Planetaria (Viagem à Volta do Mundo)” foi editada em 1903. É da autoria de José Augusto Correa que poucos anos antes fez uma viagem à volta do mundo e passou as memórias para livro. Inclui 240 "photogravuras". 
Partiu de Lisboa a 15 de Março de 1902 e regressou a 19 de Março do mesmo ano. Passou por Macau entre os 20 e 22 de Junho. A "photogravura" de Macau é da baía da Praia Grande.
Excerto:
“20 de Junho – Entre as três próximas cidades: Victoria (Hong Kong), Macau e Cantão, há uma regular carreira de vapores de roda, sem serviço de restaurante. Em três horas de bôa marcha, vence-se as quatro milhas que separam Hong Kong, isto é, a China inglesa, de Macau, a China portugueza.
Foi por uma tarde límpida e formosa que avistei o pharol da Guia, e a linda capellinha contigua, a alvejar por entre a ramaria. Apparece depois o bello quartel mourisco, hoje, hospital de colericos*, a monumental fachada de S. Paulo, os campanarios de S. Lourenço, toda a magnifica edificação da Praia Grande, d´entre a qual sobresahe o palácio do governador, e no extremo oposto o hotel-sanatorio da Boavista, elevado no meio de um caracol maravilhosamente pittoresco. Todo este conjunto impressiona encantadoramente o forasteiro que pela primeira vez aporta à cidade do Santo Nome de Deus de Macau.
O porto, d´este lado da minúscula peninsula, é inacessível a embarcações de alto bordo. É preciso dobrar a ponta da Boavista e ir fundear no porto interior, que defronta o bairro chinez. Este é extenso mas sujo, com exterior apparencia de remota antiguidade.
à noite animan-n'o as casas de tan tan**, onde a jogatina é desenfreada. Esta parte da cidade abunda em pateos, que no Porto têm o nome de ilhas, e no Rio d Janeiro o de cortiços; beccos sem sahida, onde se agglomera e amontôa uma população miservael e infecta. foi aqui que a colera-morbus estabeleceu o seu quartel-general, estendendo as suas devastações ao bairro europeu, onde já tem ceifado muitas vidas, especialmente no elemento estrangeiro. (...)
A cidade, áparte o bairro chinez, é edificado sobre cinco pequenas collinas: Guia (a maior), Penha de França, Mong-ha, D. Maria, S. Francisco e Gruta de Camões, cobertas de abundante arvoredo. (...)"
* referência ao hospital S. Januário
** leia-se fan tan

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Tufão em Setembro de 1738

5 de setembro de 1738:

Neste dia e até á manhã do seguinte soffreu esta cidade e porto de Macau um horroroso tufão que pela grandesa dos estragos e desastres que d elle se contam deve ser considerado talvez o maior que nestas paragens se vio desde que a colonia existe. Houve muitas casas destelhadas e algumas se arrazaram de todo. A Praia Grande, o campo de S Francisco e todo o Bazar se alagaram podendo marcar-se a altura da innundação no frontispicio da igreja de S Domingos. 
Sem fallar das embarcações chinesas que em numero incalculavel se desfizeram pelas praias em lenha e cadaveres, todos os navios que estavam surtos no porto, dez ou doze, foram encalhar em varios pontos da Lapa e de Macau, quebrando-se alguns inteiramente como succedeu ao Bleque Boy na Ponta da rade e ao Corsario em Oitem. Um manuscripto que tenho á vista e que refere por miudo estas desgraças diz que depois e por muitos mezes teve a gente d esta cidade repugnancia a comer peixes porque se lhes encontravam no bucho dedos e pedaços de carne humana.
In Ephemerides commemorativas da historia de Macau (...) de António Marques Pereira

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Visit of the Hong Kong volunteer Corps to Macao: 1865

Entre os dias 19 e 21 de Novembro de 1864 o Corpo de Voluntários de Hong Kong visitou Macau a convite do governador e o território praticamente parou para assistir ao evento amplamente noticiado na imprensa local e até no estrangeiro.

"The Portuguese town of Macao, at the mouth of the Canton River, in China, is distant about forty from the Island of Hong Kong ,and the Governor, Senhor J. R. Coelho do Amaral, by a letter to Admiral Sir Hercules Robinson, Governor of Bong Kong invited the volunteer corps of English settlement to visit Macao as his guests. (...)"
No jornal Hong Kong Evening Mail pode ler-se:
The corps having landed with their guns were marched on to the Praya and formed there under a hot sun. Before the Palace they saluted the Governor and having formed to the right of the Governor's Fort the salute of nine guns given by the San Francisco Fort was answered by 21. Three cheers were then given on either side and the corps was dismissed at the Royal Hotel the Macao band the while playing God save the Queen. Here Mr Reed had prepared every comfort and general cordiality smoothed any little hitch that might have occurred in the generalobustle. In the evening while the Macao band played, a promenade took place in the Praya Grande which always attractive was now enhanced in beauty by the illuminations at the Governor's and the Royal Hotel which latter boasted among other adornments of 2,300 lamps.
At head quarters the dinner was served in relays Colonel Brine presiding over one mess accompanied by the British Consular Agent Mr Lanca. After dinner Colonel Brine proposed The King of Portugal. The toast was drunk with all honours and the national air played by the band Mr Lanca replied and proposed Queen Victoria which was also drunk amid great cheering and God save the Queen by the band.
The Commandant again rose and referring to the pleasure unexpected six months ago of dining at Macao with their own band said he hoped to be able to repay the compliment proposed The Governor and people of Macao. (...)


"Vivão os visitantes" pode ler-se no estandarte incluído na ilustração publicada no jornal The Illustrated London News de 21 Janeiro de 1865. 
Legenda: Visita do Corpo de Voluntários de Hong Kong a Macau: parada frente ao pavilhão
Visit of the Hong-Kong volunteer corps to Macao: the parade in front of the pavilion. 

O Boletim do Governo na edição de 21 de Novembro de 1864 também deu conta do evento dedicando-lhe mais de uma página. Seguem-se alguns excertos:




domingo, 16 de agosto de 2020

Os vapores e o cinema

Macau tornou-se um local popular para os filmes de Hollywood na década de 1950. E as personagens 'chegavam' ao território - como a maioria dos turistas naqueles dias - de embarcação a vapor oriundos de Hong Kong. 
Robert Mitchum e Jane Russell, graças aos efeitos especiais, “chegaram” a bordo do SS Takshing precisamente no filme intitulado "Macao", de 1952.
Em 1959, Ian Fleming, o criador de James Bond, viajou para Macau a bordo do Takshing. No seu diário escreveu: “one of the three famous ferries that do the Macao run every day. These ferries are not the broken-down, smoke-billowing rattletraps engineered by whisky-sodden Scotsmen we see on the films, but commo­dious three-decker steamers run with workmanlike precision”.
Tony Curtis chegou um ano depois também no Takshing, no filme Forbidden, e Susan Hayward também viajou na mesma embarcação no Soldier of Fortune, em 1955. Jennifer Jones fez o percurso inverso mas no SS Fat Shan para Macau no mesmo ano, tal como Han Suyin in Love no filme Love is A Many-Splendored Thing.
Takshing atracado no Porto Interior: década 1950

Os hydrofoils surgiram nos primeiros anos da década de 1960 mas os velhinhos vapores continuaram a operar. Na edição de 1969 do Golden Guide to Hong Kong and Macao são referidos quatro vapores em serviço:  Chung Shan (chamava-se Tai Loy até 1968), o Fat Shan, o Tung Shan e o Macau. 
James Kirkup, poeta e escritor viajante britânico, refere-se assim a estas embarcações no livro Cities of the World (de 1970):
 “the usual way is by Hydrofoil (…) I must admit that I prefer the leisurely, rather old-fashioned ferry steamers like the M.V. Fat Shan (…) They take about three hours, but they are wonderfully comfortable and spacious. They have bars and dining-rooms, as well as a few private state rooms, which are the last word in sybaritic luxury, all pink plush, mirrors and palms”.
Em Agosto de 1971 o Fat Shan naufragou na ilha de Lantau na sequência do tufão Rose morrendo 88 das 92 pessoas a bordo. O "Macau" também sofreu alguns estragos no tufão.
Estes velhinhos vapores deixaram de operar em meados da década de 1980. No Museu Marítimo de Macau podem ver-se modelos à escala destas embarcações (Tung Shan e outros ). Um modelo do Tai Loy, com mais de 1 metro de comprimento, pode ser visto no Museu Marítimo de Macau.
Nota: sobre a maioria dos filmes referidos existem posts autónomos no blogue; basta usar o motor de pesquisa escrevendo o título. 

sábado, 15 de agosto de 2020

The Travelers': Handbook for China

"The Travelers': Handbook for China", da autoria de Carl Crow, foi editado em 1913 em S. Francisco, EUA.
Neste guia turístico do início do século 20 a referência a Macau surge nas páginas 188 a 192. Segue-se o texto...

Distant 35 miles from Hongkong is Macao, equally interesting for its history, for the natural beauty of its location and for the quaint mixture of the Orient with Mediaeval Europe, as seen in its buildings. The steamer trip is made in three hours from Hongkong at a fare of $4 each way and should not be omitted from any tour to Southern China. Macao is the oldest outpost of Europe in its intercourse with China. The Portuguese established themselves here in I557 and by a fortunate circumstance, gained the good will of the Chinese authorities. The coast was menaced by a strong band of pirates, with whom the Chinese officials were unable to deal, and the Portuguese colonists were asked to help. They helped with such success that the pirates were driven away and, out of gratitude, the Chinese asked the colonists to settle on the narrow end of the peninsula, which has since been their home. The land was held at a nominal rental from the Emperor of China at 500 taels a year, but in 1848 Governor Ferreira de Amaral took advantage of other difficulties which engaged the attention of China to refuse further payments and drove out the Chinese customs house, together with all vestige of Chinese authority. It was probably because of this that he was treacherously murdered in August, 1849, and his head taken to Canton. 
The complete sovereignty of Portugal over the place was not fully recognized by China until 1887, when a new treaty was signed. For several centuries Macao was the principal trading point between China and the West, especially in the eighteenth century. The cession of Hongkong to Great Britain created a dangerous competitor and since then Macao has steadily declined as a commercial center. Many of the Macanese have removed to Hongkong, and Macao is now chiefly a pleasure resort for South China. 
The area of Macao is II square miles, and with its dependencies, it has a population of 78,000. Of the original 1000 Portuguese families which settled in the place, little remains but for long inter-marriage with the Chinese has resulted in the domination of the Chinese blood. 
Macao is quite unlike any other city in the Orient. Its blue, red, yellow and brown buildings rise on a hillside overlooking a beautiful crescent shaped bay. The buildings are neither Chinese nor foreign but a strange combination of the two, clearly showing the survival of mediaeval Portuguese iufluence. Standing out high against the sky line is the fine facade of the ruin of the San Paulo cathedral, built in 1594. 
The incorporated name of the city is ''City of the Name of God, Most Loyal of the Colonies", a name accorded it in 1642. It has always lived up to its name, for through the centuries Macao has remained Portuguese, and its history contains many passages telling how the brave Macanese held the place against invading Dutch and Chinese. 
Camoens, the great Portuguese poet, who is known as "The Chaucer of the Portuguese" lived in Macao as a political exile and wrote some of his greatest poems here. The grotto in which he worked may by seen by visitors. The grave of Robert Morrison is here, and it was in Macao that he spent many years of his long and useful life. He was the pioneer missionary and translator of China, and his translation of the bible into Chinese is the corner stone of all the mission work which has since been done in China. In spite of its decline in trade, Macao retains a few factories and carries on a small trade in tea, silk, tobacco and fire crackers. A small village near the city is devoted to the making of firecrackers for sale in the United States."

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

La Pagode des Rochers à Macao

La Pagode des Rochers à Macao - Déssin de Doré d'aprés M. de Trévise.
Ilustração (do templo de A-Ma na Barra) gravada por Charles Maurand tendo por base um desenho de Doré e M. de Trévise. Incluída na obra Le Tour du Monde, nouveau journal des voyages, Vol. 1. 1860
Excertos:
La colonie portugaise de Macao. Le jardin de Camoëns. La pagode des Rochers. Le cimetière des Parsis. Les escadres française et anglaise remontent. (...)
Hong Kong représente l avenir et le mouvement comloyauté mercial Macao est la ville du calme et du passé. Le temps n est plus où les intrépides navigateurs portugais étaient les dominateurs de ces mers. Aujourd hui leurs dégénérés sont réduits pour vivre à cher cher un emploi dans les grandes maisons anglaises ou américaines Le voisinage de Hong Kong ôte à Macao importance de port franc et sa rade s envase jour davantage comme tout le côté droit de la Canton. Les gros navires sont obligés de mouiller à une lieue de terre et les petites canonnières seules peu vent approcher du quai de la Praya Grande. Cependant malgré sa décadence Macao ne manque point d un tain charme le charme des souvenirs.
Cette ville a longtemps l'unique centre de relations des avec la Chine. Saint François Xavier, le Camoëns d'auson tres grands hommes y ont vécu. Ses églises, ses couvents, ses autres monuments publics noircis par le temps atde testent une splendeur dès longtemps évanouie a en outre un autre avantage sur Hong Kong celui du climat.
Tandis que cette dernière ville contre Victoria Hill reçoit difficilement le souffle bien faisant de la mousson du nord est Macao ouvert à brise de mer livre passage au vent du nord. Aussi habitants de Hong Kong viennent ils souvent s y durant les mois de grande chaleur et le français ya t il établi son hôpital militaire dès le de la campagne. (...)
A mesma gravura colorida

Si la mer est belle on peut aller en tanka à la des Rochers et revenir à pied par la route. Ce temple est mal tenu dégradé il n a pas l'aspect riche et impo sant de la grande pagode de Singapore mais sa situa tion est des plus pittoresques. A ses pieds se déroule intérieur avec sa légion de jonques et de tankas son summet s élèvent de gros blocs de granit et des arbres séculaires dont les racines vigoureuses entre les rochers à mi còte s étagent des kiosques et petits oratoires en l honneur des divinités inférieures car le dieu principal reçoit les hommages des fidèles sanctuaire de l entrée. Ce doit être une divinité protec trice des inatelots sur le portique se trouve une vaste peinte en rouge avec une inscription chinoise sur le rocher voisin. 
Le jardin de Camoëns est aujourd hui une propriété particulière Il appartient à un Portugais M Marquès mais l entrée en est ouverte à tous les étrangers Nous nous promenons longtemps sous ces frais ombrages si rares en Chine Nous admirons la grotte de Camoëns et l endroit où ce grand homme aimait à se retirer loin du bruit pour composer ses Lusiades. (...)
Le cimetière des Parsis qui s élève en gradins au dessus de la mer les petits forts portugais bâtis en d'aigle l'ile Verte la campagne chinoise l étroite langue de terre qui réunit Macao au Céleste Empire, sont tour à tour visités par nous: ou bien du haut du balcon de Duddel hôtel, nous contemplons le mouvement de la rade et nous jouissons du plaisir de respirer enfin la brise fraiche du nord. (...)

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Macau nas "Paisagens da China e do Japão": 2ª parte

Amores
Uma impressão de Macau.
O que faria aquelle bando de leprosos, que a policia da colonia surprehendeu e agarrou? O que faria aquelle bando de leprosos, além no meio do rio, sobre um miseravel barco, pela noite velha, tenO que faria aquelle bando de leprosos, que a policia da colonia surprehendeu e agarrou? O que faria aquelle bando de leprosos, além no meio do rio, sobre um miseravel barco, pela noite velha, tenebrosa e fria, ora pairando e deslisando ao grado da corrente, ora remando manso, de margem para margem, em vigia?...
Elles eram uns ossudos filhos das aldeias, dando-nos de longe uma impressão de robustez de musculos, de gente affeita á enxada e á vida de lavoira. Vistos de perto, resaltava horrivelmente o ferrete de peçonha do seu sangue; eram indiscriptiveis seres inuteis, abjectos, quasi sem mãos, quasi sem pés, porque os dedos lhes iam caindo podres aos pedaços; rostos medonhos lavrados pelo mal, sem narizes, com os beiços roidos, com as faces chagadas; ainda mais sinistros pela infamia estampada nas feições e nos olhares, denunciando perversidades de alma de infimo quilate, por certo derivadas da suprema degradação do seu viver. Vestiam farrapos immundos, sem fórma definida e sem côr reconhecivel; e escondiam as frontes, talvez envergonhadas, sob as abas enormes dos chapeus de rota, em uso nas aldeias.
Pescavam? por aquellas horas da noite e n'aquelle paradeiro, não era admissivel esta supposição; nem no misero barco, onde se amontoavam alguns trapos, se deu fé de anzoes ou de outras artes de pescar.
2ª edição: 1938
Mendigavam? menos possivel ainda que assim fosse. A taes horas, dormem todos, incluindos os mendigos. O rio dormia, silencioso, lugubre pelo aspecto das suas aguas negras, dos cascos alterosos das grandes lórchas juntas em magotes, desenhando-se vagamente junto ás margens os barquitos em cardumes, presos ás varas de bambú encravadas no lodo. Apenas de espaço a espaço algum raro tanka atravessava d'um lado para outro, chape-chape, remos movidos lentamente pelas mãos das raparigas somnarentas, fartas da lida do dia,―coisa de ir levar ao seu albergue algum retardatario, de volta do jogo ou das orgias.―Não era dos nocturnos viajeiros, e menos dos pobres tankareiras, que o bando de leprosos lograria um punhado de sapecas, que compensasse o esforço da vigilia. Nem a sua miseria, realmente, era tal, que os levasse a tão duros extremos. É certo que o leproso se encontra excluido dos povoados. Em paragens mais rusticas, matam-n'o á pedrada, se o encontram; em Macau, porém, a brandura dos costumes regeita em regra esta medida, tenha embora o miseravel de viver pelos esteiros, em barcos podres, ou sobre os lodos, escondido das gentes como um bicho peçonhento. No entretanto, o esteiro fornece-lhe peixes vis, e caranguejos, e molluscos, e vermes; os cäes vadios encontram de quando em quando, nos despejos, um punhado de arroz cosido, e o leproso tambem o encontra, como elles. Na altivez da sua pasmosa abjecção, o leproso não vem expôr-se ao asco, ao opprobrio; sorri ao mundo com desdem, acoita-se no antro, come immundicies, bebe agua pôdre; e os fados são-lhe bastante complacentes em geral, para matal-os da molestia antes que arrebentem pela fome... Averiguou-se finalmente o que fazia aquelle bando de leprosos.
Aquelles infimos párias passavam a existencia isoladamente, cioso cada qual do seu covil, dos seus farrapos, devorando sem partilha o que o acaso lhe offerecia nos enxurros. Conheciam-se certamente, pela visinhança dos antros, sobre a mesma vasa que se alastra na margem fronteira á de Macau, e a fatalidade commum estabelecia de direito affinidades, allianças tacitas de tribu, entre elles; mas, como não carecessem uns dos outros para soffrerem, para odiarem a natureza creadora, para jazerem no ninho da trapagem, para morrerem, não se procuravam.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Macau nas "Paisagens da China e do Japão": 1ª parte

"Paisagens da China e do Japão", é um livro da autoria de Wenceslau de Moraes (1854-1929), editado em Lisboa em 1906.
A obra é composta por 17 crónicas literárias e contos, escritos sobre a realidade da China, de Macau, e do Japão, país que Wenceslau de Moraes escolheu para passar o resto da sua vida e onde já estava quando este livro foi publicado. 
O texto é ilustrado com gravuras. Algumas são desenhos originais do próprio outras são seleccionadas por ele.
Para este post seleccionei excertos de três artigos sobre Macau.
O livro é dedicado a duas pessoas que W. de Moraes conheceu em Macau. "Nos baldões da vida bohemia, na confusa successão dos dias e das scenas, acontece que os factos, as coisas, os individuos, invocados pela pobre memoria exhausta, vão perdendo pouco a pouco as suas qualidades intensivas, as suas côres, os seus contornos, a sua feição propria, emancipando-se do real, como uma pagina de aguarella desmerece, solta e perdida no espaço e voando com as brisas; diluindo-se por fim n'uma emoção generica, vaga, indifinivel, - a saudade. A essas duas grandes saudades, Camillo Pessanha e João Vasco, dedico hoje este livro. Kobe, 10 de Abril de 1901. Wenceslau de Moraes.
Excertos:
Ano Novo chinês
Temos festa hoje, aqui. A alma chineza manifesta-se, evidencea-se, domina, hoje; offusca, pela grande maioria dos rabichos, o pallido reflexo da civilisação do Occidente que logrou chegar a este Macau, a este exiguo penedo asiatico, onde Portugal implantou a sua bandeira. Meia noite. Ao meu obscuro albergue, chega, de alem dos bazares, o ruido da bombardada amotinadora dos foguetes, e das mil e mil embarcações fundeadas no porto o clamor ovante das bategas, vibradas pelas mãos rudes das companhas. Que irá lá por esses bazares, a estas horas, santo Deus!... Eu não me arredo do meu canto. Bem sei que a febre das massas suggestiona, contamina todos. Bem sei que não se dorme hoje; que não ha chapéo de côco de amanuense ou kepi de militar, direi mesmo chapelinho de pellucia com laçarotes de setim e seu competente passaro empalhado, de menina, que não vá correr as viellas, perder-se na onda, confundir-se com os rabichos, gosar com elles. Mas está tanto frio, e as bagas de agua zurzem-me tão desapiedadamente os vidros das janellas... E, peor do que isto, é o frio da alma, é a apathia enervante do meu espirito, é o sorriso amargo que me enruga os labios, provocado por esse mesmo jubilo do enxame, que aqui me retêem e me impedem de tambem ir galhofar.
Não, decididamente não serei da festa. Imagino-a d'aqui. Imagino essas ruas lamacentas, coalhadas de povo sujo, com as cabaias negras ensopadas dos chuvascos; e imagino os lumes tremeluzentes das lanternas de papel, accendendo nas poças, pelo reflexo... grandes labaredas ephemeras, ziguezagueando. As lojas estão escancaradas ao publico; fructos, flôres, doces, carniças, bonecos, coisas santas, estendem-se pelos caminhos em prodigiosas theorias, em coloridos quasi estonteantes; e é comprar, e comprar já, porque não tarda em romper o glorioso dia de descanço, o unico na China em que o camponez, o artifice, o vendilhão, todos, cruzam os braços, não trabalham; e nem a peso de ouro se encontraria um linguado, uma caixa de phosphoros, qualquer infimo objecto nos mercados. As espeluncas de jogo, em galas desusadas, offerecem-se, tentam a onda; e até pelas ruas o taboleiro de azar se estende ao passeante. Que pechincha, se se apanha para a festa um accrescimo de peculio não esperado! O china adora o jogo―era preciso que elle adorasse alguma coisa!―mas hoje todos jogam, todos são chinas, e é isto um exemplo interessante da influencia suggestiva das grandes maiorias; a mão mais circumspecta de funccionario, a mão mais mimosa de dama (de nhônha, em dialecto vulgar d'esta colonia) avançam sem pejo, arriscam á sorte varia umas pratinhas...
Quando bate meia noite; quando, junto do altar dos penates, se curvaram em piedosas adorações milhares de cabeças agradecidas, e se queimaram papeis mysticos, e se accenderam pivetes odorificos; quando em plena rua um brado de alleluia os echos acordou; dirige-se então a onda humana para o lar, ]já mercas feitas, já bolsas esvasiadas; e vae surgir um grande dia votado inteiro ao descanço, votado á glorificação dos deuses, cuja magnanima assistencia se exalta pelas graças concedidas e pelas graças que vão esperar-se!... (...)
Para o anno novo, tudo se prepara com antecedencia, em prodigiosa azafama; é para todos uma occupação incessante e desusada, durante as ultimas semanas do anno que vae findar. Lavam-se os covis, lavam-se as podres mobilias. É o pó d'um anno que se sacode, é a lama d'um anno que se deita fóra, é o piolho e é a pulga d'um anno que se afogam na onda das barrelas; porque, durante os labores de cada dia, nunca a idéa de limpeza preoccupou os espiritos durante um só instante. Tudo é providencial neste mundo, ao que parece. Na chafurda typica d'estas povoações chinezas, tão frequentemente visitadas por todas as pragas―cholera, peste, lepra,―embebidas no lodo dos canaes, no ambiente das emanações dos estrumes pachorrentamente acogulados e dos despejos que apodrecem pelas ruas, custa a crêr como a gentalha pollula, e como os consorcios fructificam em ninhadas de garotos; e parece á gente que um sopro qualquer destruidor, de calamidade immensa, irá em breve prostrar esses enxames, sem que deixe de pé um só vivente nos albergues. Puro engano: as povoações eternizam-se. No parecer de alguns investigadores, que taes exotismos interessam, se os miasmas putridos convidam as epidemias a entrar e a vindimar providencialmente as muitas vidas que superabundam, estes mesmos miasmas, sobrecarregados de vapores de ammoniaco, de exhalações corrosivas de fermentos, se encarregam de ferir tambem mortalmente os virus morbidos, poupando o resto do povo. Chegamos ao facecioso paradoxo de ser na China a immundicie o purificador por excellencia, um como que elixir de longa vida, indispensavel a todas as familias, feito da mais estupenda alchimia de dejectos. (...)
Pau-Man-Chen
Scena domestica. Lá está o meu cosinheiro a bater cabeça, como se diz n'este Macau; lá está elle rezando aos seus deuses protectores. Que lhe preste! Acabou de me roubar nas contas, como bom chinez que é, serenamente aggressivo em tudo ao europeu; e passou a entregar-se a esta outra occupação não menos meritoria.
Sendo seus os aposentos inferiores, é ali rei, ou pelo menos mandarim; faz o que quer. Os altares aos deuses anicham-se pelas paredes, aos cantos do sobrado, sobre as mesas; e até junto ao fogão, onde se guisa o meu jantar, se presta culto a supinas divindades. 
Mysteriosos ritos. São papeis encarnados, contendo cabalisticos dizeres; são figuras de horriveis monstros, coloridas pelas tintas mais surprehendentes, nas disposições mais grotescas, despertando quasi o riso, despertando quasi o medo, a quem não vive em graça em tal Olympo. Alli o cosinheiro, em humildes genuflexões de crente, vem depôr suas offertas, minhas offertas, pois sou eu que pago a festa,―offertas de laranjas, de doces, de chá, de porco assado e de outras iguarias.―Alli ardem lumes mysticos; e frequentemente, pela noite, como agora, se queimam pivetes, cirios rubros, rezinas e papeis, de tudo emanando um fumo atróz, que invade em torvelino a casa toda, que chega sem respeito ao sitio onde me encontro, e me soffoca. Paciencia! Paciencia é o unico codigo de conducta para o aventureiro que escolheu para exilio um canto exotico, longe, muito longe do torrão onde nasceu, e no qual a civilisação disparatada, a feição propria das gentes com quem lida, hão-de fatalmente apresentar-se, dominantes.
Os deuses, com quem por assim dizer vivo em contacto, e a cuja sublime protecção, posto que indirectamente, me confio, são muitos, um enxame. É todo o Olympo buddhista e o inteiro mytho primitivo, amalgamados em crendices; legiões de espiritos. Naturalmente, ha uns mais preferidos, que se invocam no lar com mais piedoso amor; n'este numero, segundo informações recentes que colhi, deve contar-se Pau-Man-Chen; e é a sua historia maravilhosa que me proponho narrar, como puder. 
O deus Pau-Man-Chen, venerado em todo o immenso imperio, tem uma face branca e tem uma face preta. Na China não ha effectivamente ninguem que não o adore, que não lhe preste no altar domestico, o culto merecido; a elle, que tudo sabe e tudo pode, que possue a sciencia do bem e a sciencia do mal, que com um olho contempla os ceus e as grandes coisas puras, e com o outro mira O deus Pau-Man-Chen, venerado em todo o immenso imperio, tem uma face branca e tem uma face preta. Na China não ha effectivamente ninguem que não o adore, que não lhe preste no altar domestico, o culto merecido; a elle, que tudo sabe e tudo pode, que possue a sciencia do bem e a sciencia do mal, que com um olho contempla os ceus e as grandes coisas puras, e com o outro mira a terra profunda até aos antros lobregos dos demonios, adevinha-lhes os maleficos designos. O deus Pau-Man-Chen tem uma face branca e tem outra face preta... (...)


terça-feira, 11 de agosto de 2020

Revista "Colonial" Agosto de 1920: 2ª parte

A Gruta de Camões
No mesmo Annuario encontramos notas interessantes firmadas por Humberto de Avellar, relativas ao delicioso retiro em que o nosso épico haverá escrito parte do seu poema immortal. O ajardinamento do terreno em que se encontra a gruta foi feito pelos inglezes, que durante largo tempo tiveram feitoria em Macau, habitando a casa onde hoje está installada a Direcção de Obras Publicas, de que o jardim depende, um agente d'essa feitoria, quando da estada em Macau do embaixador inglez Lord Macactucy, como se vê d'esta passagem do relatório que da viagem do embaixador, feita de 1792 a 1794, escreveu Stameton: «E' certo que Camões residiu muito tempo em Macau. 
A interessante gruta a que se deu o seu nome está situada no jardim de uma casa em que o embaixador e duas pessoas da sua comitiva residiram durante a sua permanência na ilha. Tinham sido convidados a alojar-se ali por um dos agentes da feitoria ingleza, que lá morava quando os seus negocios o não chamavam a Cantão. De Guignes, narrando as suas viagens ao Oriente, escreveu: «Os jardins em Macau são raros e pequenos; só um é grande e guarnecido de árvores: é o da chamada Casa do Horto, há muito tempo occupado por inglezes, que dispuzeram o terreno segundo o gosto do seu paiz. 
Mostra-se n'este jardim um rochedo que se pretende ter servido de retiro ao célebre Camões, quando compunha os seus Lusíadas. Em 1815 já o jardim da gruta pertencia ao conselheiro Manuel Pereira, que o comprára e mandára «branquear o alpendre e enriquecer a respeitada e saudosa lápide de Camões - diz José Ignacio de Andrade - passando depois para seu genro, Lourenço Marques. Foi êste quem collocou na gruta o busto de Camões, de Bordallo Pinheiro, em 1861, para substituir um outro, detestável, tirado em greda, por chinas, do retrato de Camões que serve de frontispício á edição dos Lusíadas do padre Thomaz de Aquino, o qual, por sua vez tinha sido collocado para substituir outro que mãos impias tinham mutilado. O alpendre de que fala Andrade era uma espécie de mirante que o mau gosto dum inglez levára a construir sôbre os rochedos. Este exemplo fructificou quando a gruta passou a propriedade de portuguezes, que lhe fizeram portas e cancellas alterando completamente o aspecto do lugar. 
Em 1885, foi o jardim vendido ao Governo, que destruiu todos os appendices que desfeavam e apoucavam a gruta, restituindo-a, se não á pureza primitiva, pelo menos a uma menor desr iguração. No pedestal de pedra que sustenta o busto estão gravadas, dum lado, as estancias XXIII do canto X, LXXIX e LXXX do canto VII, e do outro as estancias XCV do canto VI. XLII do canto VIII e LXXXI do canto VII. Gravadas no Granito em terno da gruta, lêem-se ainda: os tercetos á gruta Camões de Garrett: cinco quadras em latim de J. F. Davis, escriptas em 1835; um soneto em inglez de D. Bowring, datado de 30 de Julho de 1849; o soneto do Tasso a Vasco da Gama; duas quadras em hespanhol de D. Humberto Garcia de Quevedo, escriptas em 1889: outras duas de Francisco Maria Bordallo, datadas de 1851; e dez disticos de Luiz de Rienzi, de 30 de Março de 1827.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Panchões da "Wang Yick"


Poster da Wang Yick Fireworks Company
A marca "Camel" era a mais conhecida da fábrica de panchões Wang Yick e uma das mais conceituadas do território nas exportações, sobretudo para o mercado norte-americano.
A Wang Yick tinha sede em Macau no nº 19 da Rua Praia do Manduco (junto ao Porto Interior)  e fábrica na Taipa.

domingo, 9 de agosto de 2020

Revista "Colonial" Agosto de 1920: 1ª parte

Na edição de Agosto de 1920 a Revista Colonial (Ano 9, 2ª série, nº 2) publica um artigo sobre Macau - fizera o mesmo em edições anteriores - que na prática é a transcrição de um texto da autoria do tenente-coronel José Luiz Marques publicado no "Annuario de Macau de 1921". Aborda-se a questão das obras do porto de Macau e a Gruta de Camões (próximo post).
O nome de Macáu vem de Amang Ao (deusa ou rainha do Céu): com o decorrer dos annos transformou-se em Macáu. A peninsula tem cerca de 5 kilometros quadrados de superfície e está situada a Sueste da China, no extremo meridional da ilha de Hian-Chan. Esta nossa colonia data de 1557. Vem a proposito a referencia a alguns trechos do artigo (de J. L. Marques) com que abre o Annuario de Macau, de 1921. Macáu, a mais antiga possessão europeia na China, está destinada, pela transformação completa que está soffrendo o seu pôrto, a tornar-se um dos mais prósperos portos da costa da China. A sua posição é magnifica, collocada como fica à entrada do labyrintho de canaes que formam o delta apertado entre o Rio Cantão e o Rio de Oeste.
O Kuangtung, província chineza que envolve Macau, tão populoso como a França inteira, é uma das mais ricas da China. As riquezas mineraes do Kuangtung são notáveis, estando em exploração na sua área jazigos de carvão, de cobre, de ferro, deprata e de ouro. Ás margens dos canaes, a cuja saida fica o pôrto de Macau, ficam cidades das maiores do mundo, como Cantão, e dúzias de outras, algumas d'ellas, como Siac-Ki, Sam-Sui, Kong-Mun, Shuin-Fu, com dezenas e centenas de milhares de habitantes. Todas essas cidades estão ligadas pela navegação fluvial com Macáu, e apezar da situação do velho pôrto portuguêz ter chegado a um estado lastimoso, pelo assoriamento, a sua posição impõe-se de tal maneira, que o commercio marítimo, mesmo nos últimos annos de desoladora decadência, andou entre 25 e 30 milhões de dollars!
A três dias de viagem do Japão, é Macau uma posição magnifica como entreposto do commécio portuguêz com êsse império, que mantêm hoje relações intensas com todas as nações civilisadas excluindo Portugal! E no emtanto como podia ser grande a penetração no Japão das nossas cortiças, das nossas conservas, do cacau de S. Thomé, do café, de tantos productos emfim para os quaes o Japão, e immensa colmeia de 80 milhões de homens, é um mercado aberto. E em troca, as redes de pesca, para as armações, as japonisices, com que os novos ricos e os velhos remediados enchem os salões, aproveitariam os armazéns de Macáu para se nacionalisar e à sombra da pauta protectora entrariam em Portugal beneficiados. E porque não estabelecer no próprio território da província, n'esta região onde a mão de obra é tão fácil de obter e tão barata, algumas d'essas mesmas industrias para o intercâmbio commercial? Sobe a 9 milhões de dollars a quantia que o governo de Macáu vae gastar com a conclusão do porto. Dentro de um anno deve estar concluído o porto interior destinado á pesca, a estaleiros e docas. O porto de navegação oceanica, e cujos trabalhos começaram já, deve estar prompto no p:azo de 18 mezes. Dentro de 2 annos e meio terá todos os elementos para a garnde vida moderna, a velha cidade portugueza no Extremo Oriente. 
Eis o que é o plano d'essas obras nas suas linhas geraes: 1.° Continuar as obras ao norte de Macau - Patane, norte da Ilha Verde e Areia Preta - para abrigos, reparação de juncos e operações industriaes. 2.° No porto interior fazer os melhoramentos, de dragagens e alguns alargamentos marginaes. 3.° Proceder á limpeza sobre o baixo de Malauchau, por forma a facilitar as comunicações com a Taipa. 4.° Na Taipa, melhorar as condições de abrigo dos juncos que frequentam o porto. 5.° Facilitar as communicações interiores entre a Taipa e Coloane. 6.° Construir o porto artificial na Rada, para navios, estabelecendo-se possibilidades de seu aproveitamento por juncos e vapores de carreira, em acostagens. 
As obras da Rada são: Dois grandes molhes, um do lado do Este partindo da altura de Macau-Siac e outro do lado Sul, partindo da Ponta da Barra, com aberturas diversas, protegendo toda a faxa do SE da Peninsula até ao Canal norte da Rada. O acesso principal a esta região que assim fica abrigada é feito por um canal, a abrir na direcção de SE, com cerca de 4 kilometros de extensão e 100 metros de largura, a partir da boca principal, entre os extremos dos dois grandes molhes em frente do pharol da Guia. Por dentro dos molhes deve ser conquistada uma larga faxa de terrenos, com productos das dragagens exteriores para armazenagem, bairros industriaes e commercíaes, para gare do projectado camino de -ferro docagens, abastecimento de carvão, etc. Vindo de fóra para dentro há a considerar principalmente, o fundeadouro e acostagem'dos navios maiores, a doca para vapores de carreira e juncos, a dóca de abrigo da Praia Grande e installações para o serviço de hydroplanos. O porto, inicialmente, deve dar accesso diário, em preamar, a navios com calado de 23 pés e mais, até 25 pés na maior parte dos preamares de cada mez, podendo comportar, desde o começo 3 navios fundeados e 2 atracados. (continua)

sábado, 8 de agosto de 2020

"Portugal: diccionario historico, chorographico, heraldico, biographico, bibliographico, numismatico e artistico": 2ª parte

"Cidade de Macao" Ilustração ca. 1884. (não incluída no dicionário)
O aspecto da cidade, vista do porto, é muito formoso e pittoresco. Está edificada em amphitheatro sobre uma extensa bahia, defendida por três fortes, sendo o principal denominado de S. Thiago da Barra. Para o lado de terra, mas dominando egualmente o mar, defendem a cidade outras tres fortalezas. A mais importante é a de S. Paulo do Monte. Divide-se a cidade em duas partes distinctas, uma habitada pelos portuguezes e estrangeiros  europeus, a outra em que reside a população chineza. As parochias são tres: Sé, a mais populosa, S. Lourenço, e Santo Antonio. A cathedral é um bom templo. Foi fundada per D. Belchior Carneiro. Os outros edifícios religiosos são: a Misericórdia, com um recolhimento annexo para donzellas pobres, o convento de Santa Clara, de freiras franciscanas, duas ermidas, sendo uma da invocação de Nossa Senhora da Penha, outr’ora fortaleza, e os extinctos conventos de S. Francisco e de S. Domingos, dos eremitas de Santo Agostinho. Os jesuitas tiveram em Macau um sumptuoso collegio, da invocação de S. Paulo, edificado em 1662 no mesmo sitio, onde tinham um hospicio fundado em 1565 e Incendiado annos depois. Pela extinção da Companhia de Jesus ficou pertencendo o edificio ao senado da cidade. Em 26 de janeiro 1834, servindo de quartel militar, foi destruido por um violento incendio. No recinto da egreja incendiada, fez-se depois 0 cemiterio publico. O palacio do governador, na Praia Grande, em frente do bello caes, a alfandega, a casa do senado, a casa da companhia ingleza das índias, o paço episcopal, os quartéis, seminário de S. José, lyceu, hospital de S. Januario, são edificios e instituições que opuleiitam a cidade. O paço episcopal ocupa o convento de N. Sra. da Guia, situado dentro da fortaleza do mesmo nome, que se ergue sobre uma montanha alcantilada, dominando a cidade e a bahia. Os arrabaldes da cidade são muito limitados, por não os permittir maiores a exiguidade do território. 
Há em Macau uma curiosidade natural, e ao mesmo tempo sitio historico de grande apreço. É a gruta de Camões, onde o grande epico compoz alguns dos cantos dos Luziadas. É formada esta gruta por grandes rochedos, com duas entradas divididas por um penedo de figura cônica, no qual descança a parte superior da rocha. Achava se esta gruta n’um quintal particular, mas passou depois para o governo, que ali fez um parque. O antigo proprietário, Lourenço Marques, mandou collocar na gruta em 1840 um busto do poeta em bronze, fundido em Lisboa e que foi substituido por outro em 1866. 
Jardim de S. Francisco (imagem não incluída no dicionário)
Jornaes: Teem-se publicado em Macau os seguintes: Abelha da China, 12 setembro 1822 a 27 dezembro 1823, o primeiro jornal que se publicou em Macau, seguido da Gazeta de Macau, Aurora Macaista, 14 janeiro 1843 a 1844; Boletim official do governo de Macau e Timor, setembro 1838 a janeiro 1839, foi seu antecessor Macaista Imparcial, e foi continuado pela Gazeta de Macau; Boletim da Provincia de Macau e Timor, 8 janeiro 1816, em publicação, tem tido muitas variantes no seu título; Chronica de Macau, 12 outubro 1834 a 18 novembro 1836; succedeu á Gazeta de Macau, Commercial (O), 1838 a 1842; Correio O, 1890; Correio de Macau (O), 15 outubro 1882 a 5 outubro 1883; Correio Macaense, outubro 1838 a março 1839; Correio Macaense (O), 2 setembro, 1883, findou em 1890; Echo Macaense, 1893: Farol Macaense (O), 23 julho, 1841 a 1842; Gazeta de Macau, 1 janeiro 1824 a 30 dezembro 1826, proveiu da Abelha da China e succedeu-lhe a Chronica de Macau; Gazeta de Macau, 17 janeiro a 29 agosto 1839, em 1 seguimento do Boletim Official do Governo de Macau e da Chronica de Macau; Gazeta de Macau e Timor, 20 setembro 1872 a 20 março 1874; Imparcial, 1 abril, Independente (O), 1867 a 18 junho 1869; Independente (O), 29 maio 1873 Jornal de Macau, 1 abril, 1875 a 8 março 1876; Liberdade, julho 1890; Lusitano (O), 28 agosto 1898; Macaista Imparcial (O), 2 julho 1836  a 4 julho 1838; antecessor do Boletim Official do Governo de Macau; Macaense (O), 28 fevereiro 1882 a 23 outubro 1883; Noticiário Macaense, 1869 a 1870; Oriente (O), 10 outubro a 18 janeiro 1872; Oriente Portuguez (O), 26 abril 1892; Portuguez na China (O), setembro, 1839 a 1843; Procurador dos Macaistas, 1841 a 1845; Solitário Macaense (O), 1845; Ta-Tssi-Yang Kuo, 8 outubro 1863 a 26 abril 1866; Verdadeiro Patriota, 1839; Voz do Crente (A), 1 janeiro 1887. 
Além d’estes jornaes publicou-se mais o numero único seguinte: Jornal Unico, 18 maio, 1898.
Bibliographia: 
-Tentativa para uma Memória sobre a soberania e posse dos portuguezes em Macau por J. Augusto da Graça Barreto; 
- Memória sobre Macau, por José de Aquino Guimarães e Freitas; Coimbra, 1828. 
- Memória sobre a destruição dos piratas na China, etc. por José Ignacio Andrade, Lisboa, 1824 
- As alfandegas chinezas de Macau por A. Marques Pereira; Macau, 1890. 
- Ephemerides commemorativas da historia de Macau e das relações da China com os povos christãos, por A. Marques Pereira; Macau, 1868. 
- Meteorologia de Macau, relatorio official de Adolpho Talone da Costa e Silva; Macau, 1888. 
- O commercio e a industria do chá de Macau, por J. A. Côrte Real; Macau, 1879. 
- Macau e os seus habitantes, relações com Timor por Bento da França; Lisboa, 1897. 
- Subsídios para a historia de Macau, por Bento da França; Lisboa, 1898. 
- Macau, nº 183 da Bibliotheca do Povo e das Escolas; Lisboa, 1891. 
- Apontamentos para a historia de Macau, por J. Gabriel B. Fernandes; Lisboa, 1883 .
- Relação dos bispos de Macau, por J. Gabriel B. Fernandes; Lisboa, 1884. 
- Historia de Macau, recopilada de autores nacionaes e extrangeiros, etc., por José Manuel de Carvalho e Sousa; Macau, 18 
- Memória sobre o estabelecimento de Macau, Lisboa, 1879. 
- Memória sobre a franquia do porto de Macau, por José António Maia, Lisboa, 1842. 
- O porto de Macau, ante-projecto para o seu melhoramento, por Adolpho Ferreira Loureiro; Coimbra, 1834.