terça-feira, 31 de março de 2015

Chá Gordo da Páscoa na Casa de Macau em Lisboa

Se está por Portugal e tem saudades da comida macaense, fica a sugestão para participar no Chá Gordo da Páscoa, um evento organizado pela Casa de Macau (Lisboa) no sábado, 11 de Abril a partir das 18 horas.
O chá gordo é um lanche ajantarado que inclui dezenas de iguarias da gastronomia macaense e que pode incluir pratos como: minchi, tacho, capela, arroz carregado, lou pak kou, camarões panados, casquinha de caranguejo, chilicotes de carne picada, apa-bico, pãezinhos recheados, bebinca de leite, bolo menino, sanrasurável, marcazote, celicário, sola de anjo, fula-fula, ladu, doce de camalenga, chacha bicho-bicho e ginetes, entre outros.
O evento está aberto a sócios e não sócios. As inscrições/pagamentos terão de ser feitas até ao próximo dia 6 junto da secretaria pelos métodos habituais: pessoalmente ou por correio (Av. Alm. Gago Coutinho, nº 142, em Lisboa), por telefone (nºs 21 845 11 67/21 849 53 42) ou por e-mail: casademacau@mail.telepac.pt.
Preços: €12 por pessoa para Sócios, cônjuges e filhos a cargo (estudantes até aos 25 anos, inclusive) e €20 para não Sócios. Crianças até aos 12 anos inclusive, beneficiam do desconto de 50%. 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Crenças de A-Ma e Na Tcha: património cultural imaterial

As crenças de A-Ma, a deusa a quem é dedicado o templo da Barra e as crença de Na Tcha, o templo junto às Ruínas de São Paulo, local de culto com uma área de apenas 8,4 metros de comprimento por 4,51 metros de largura construído no final do século XIX foram reconhecidos pela China em Dezembro de 2014 como "património cultural imaterial nacional". Macau passa assim a ter oito itens na lista do património imaterial da China. A saber: as canções narrativas Naamyam, a música ritual taoista, a celebração popular do festival do dragão embriagado, a ópera cantonense, a chá de ervas e a escultura de ídolos sagrados, além dos cultos de A-Ma e Na Tcha. Seguem-se textos e imagens da autoria do ICM 
A-Ma - Costumes e crenças
Localizado na margem ocidental do Delta do Rio das Pérolas, Macau foi, há várias centenas de anos, um porto de pesca, conhecido como “A-Ma-Gau” na dinastia Ming. No séc. XVI, os portugueses desembarcaram no costa junto ao Templo de A-Ma; assim, o nome português “Macau” está também relacionado com as crenças e costumes de A-Ma.
O Templo de A-Ma foi construído durante a dinastia Ming, revelando que os costumes e crenças de A-Ma estavam já enraizadas na comunidade de Macau há mais de quatrocentos anos. A população indígena de Macau era constituída principalmente por pescadores e estes veneravam Mazu – nascida com o nome de Lin Moniang em Putian, Província de Fujian – como sua deusa. De acordo com a lenda, esta abençoava os pescadores quando estes se aventuravam no mar para pescar, concedendo paz e sorte, tornando-se assim a protectora e deusa de navegadores e pescadores. Mais tarde, os pescadores de Fujian levaram o culto de Mazu para a costa da Província de Guangdong, sendo endeusada pela comunidade e sendo-lhe concedidos títulos por vários imperadores de diferentes dinastias. A sua influência está entrincheirada na costa sudoeste da China e em Taiwan.
Os costumes e crenças de Mazu em Macau adoptam a sua própria lenda única. Mazu é a divindade mais importante para os residentes locais, semelhante aos seus antepassados e assim reverenciada como “A-Ma” (Avó). O Festival de A-Ma (Festival de Tin Hau) realiza-se no 23º dia do 3.o mês do calendário lunar, durante o qual os pescadores e os residentes espontaneamente prestam culto, fazem ofertas e angariam fundos. Em frente do templo de A-Ma, decoram a zona com lanternas coloridas, veneram a deusa, fazem jogos e leilões. São também levadas à cena óperas chinesas dedicadas à deusa num teatro construído em bambu propositadamente para o efeito, o que deu origem à Associação de Ópera Chinesa de Moradores Terrestres e Marítimos da Barra.
Entre os sons de gongos e tambores, a Deusa é convidada a assistir à ópera chinesa – facto conhecido como “A-Ma assistindo às óperas” – o que significava entretenimento para as pessoas e para a Deusa. A seguir ao espectáculo, a Deusa é escoltada de volta ao templo a fim de os crentes mostrarem o seu devido respeito e honra. As pessoas imploram-lhe por segurança no mar e na terra, pela prosperidade dos negócios e pela protecção dos filhos.
No 16º ano do reinado do Imperador Qianlong da dinastia Qing (1751), a primeira monografia sistemática sobre Macau em toda a história chinesa – Breve Monografia de Macau, da autoria de Yin Guangren e Zhang Rulin – descreve a lenda de A-Ma. O livro História Antiga de Macau, do historiador sueco Anders Ljungstedt, bem como numerosas obras literárias e documentos ocidentais fornecem também descrições detalhadas sobre A-Ma. As descrições estendem-se também à pintura, de que é exemplo um quadro de 1863, do pintor alemão Eduard Hildebrandt, de uma ópera chinesa representada sob telheiros de bambu, em frente ao Templo de A-Ma, por ocasião do festival dedicado à deusa.
A cultura da Deusa A-Ma está enraizada em Macau há centenas de anos, tendo um impacto no território. Os paus de incenso nunca param de arder no interior do Templo de A-Ma, retendo-se a integridade dos costumes e crenças tradicionais de A-Ma até ao presente. O templo é inundado de devotos de vários cantos do mundo na véspera do Ano Novo Lunar e durante o Festival de A-Ma, intensificando-se o cheiro do incenso e o ambiente de harmonia. Os costumes e crenças de A-Ma de Macau constituem uma importante parte do culto de Mazu em território chinês, caracterizando-se pela sua longa história, pelas raízes na comunidade, pela continuidade e imutabilidade ao longo das épocas e pelas suas influências tanto no país como no estrangeiro. É um festival popular crucial em Macau e de grande impacto.
Na Tcha - Costumes e Crenças 
Uma personagem dos mitos e lendas chineses, Na Tcha é retratado nos romances Fengshen Bang (AInvestidura dos Deuses) de Xu Zhonglin e Lu Xixing (séc. XVI) e Xi Lu Ji (Viagem ao Ocidente) de Wu Cheng’en (séc. XVI) com poderes mágicos que eliminam os demónios. É frequentemente representado como uma criança montada nas Rodas de Fogo de Vento com poderes omnipotentes para afastar os demónios e os desastres na terra. Devido aos seus poderes, sempre que havia uma praga, crianças doentes ou a necessidade de realizar exorcismos ou afastar maus espíritos da cidade, as pessoas pediam ajuda a Na Tcha, tornando-se este, com o tempo, parte das crenças populares e patrono das crianças.
Segundo a lenda, durante a dinastia Qing, um rapaz usando um dudou, ou peitilho chinês, com o cabelo enrolado a formar dois puxos, era visto frequentemente a brincar com outras crianças, subindo para cima de rochas e liderando as outras crianças. Embora a encosta fosse íngreme, nunca houve nenhum acidente. Como o seu aspecto era muito similar ao da figura lendária de Na Tcha, as pessoas acreditavam que Na Tcha se tinha feito representar por esta criança. Um templo foi então construído nessa encosta em sua honra.
A crença em Na Tcha em Macau remonta há mais de 300 anos, honrando e advogando “Na Tcha Príncipe em 33 dias”. Este facto não se combina apenas com os mitos populares, mas combina-se também com os costumes e a cultura locais, desenvolvendo o seu estilo único; lendas, aniversários ou rituais apresentam todos diferenças muito significativas em relação às regiões vizinhas. A sua cerimónia de adoração é muito tradicional e merecedora de estudo. Embora Macau tenha suspendido a realização de festivais relacionados com Na Tcha durante cerca de três décadas devido a factores políticos, as pessoas que conheciam os rituais deste culto subsistiram, retendo e preservando assim esta tradição. Para além da construção de altares, outras actividades populares incluem desfiles, carros alegóricos, o fabrico de amuletos da sorte, uma corrida de panchões, a distribuição de arroz da paz e ópera chinesa executada para a divindade.
Além disso, em resposta à política nacional em relação ao Património Cultural Imaterial, dois templos dedicados a Na Tcha que tinham tido pouca comunicação nos últimos cem anos iniciaram recentemente uma colaboração e discussão, candidatando-se à inclusão na Lista de Património Cultural Imaterial de Macau. Os seus esforços conjuntos são uma tomada de consciência da necessidade de harmonia e comunhão na preservação da cultura tradicional local.

sábado, 28 de março de 2015

Minchi: receita e um pouco de história

Respondendo à solicitação de vários leitores para que publicasse mais receitas da gastronomia macaense, escolhi para hoje o “Minchi”, um dos pratos mais conhecidos/populares.
O nome terá tido origem na expressão inglesa "to mince" (picar) ou "mince" (picado) sendo por isso muito provável que tenha sido 'importado' da comunidade macaense residente em Hong Kong e que para ali foi nos primórdios da então colónia britânica. Começou por ser um prato muito apreciados pelos mais novos.
Existem inúmeras variedades de receitas - a Confraria da Gastronomia Macaense tem registadas 17 - mas que no essencial assentam nos seguintes ingredientes (para 4 pessoas):
750 gr. de carne de vaca/porco ou mistura das duas; 1 cebola picada; 1 cebola seca picada
1 dente de alho picado; 2 colheres de sopa de azeite; 3 colheres de sopa de molho de soja;
batata cortada em cubos pequenos; pimenta e sal q.b.; 1 folha de louro; água q.b.; 125 gr. chouriço de carne (opcional); arroz branco q.b.; 1 ovo estrelado.
Modo de preparação:
Pica-se a carne, juntamente com o chouriço, no caso de ser só de vaca. Refogam-se, em azeite, as cebolas picadas e o alho esmagado e acrescenta-se o louro. Assim que a cebola começar a estalar, adiciona-se a carne, tempera-se com sal, tapa-se o tacho deixando refogar em calor brando, e mexendo de vez em quando. Logo que a carne estiver cozinhada, polvilha-se com pimenta e junta-se o molho de soja, continuando a refogar sempre tapada.
Quando começar a secar, cobre-se com água, torna-se a tapar e deixa-se acabar de cozer, sempre em lume brando, devendo ficar com pouco molho mas apurado. Por fim, juntam-se pequenos cubos de batata fritas. Acompanha com arroz branco e um ovo estrelado no topo.
A Gastronomia Macaense foi inscrita na Lista do Património Cultural Imaterial de Macau em 2012. As imagens são de uma colecção de 12 postais editadas pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau em 1984. Bom fim de semana e bom apetite!
Minchi is a traditional dish from Macau. There are several versions of minchi, using different ingredients. This recipe is one of the most common. Please use the translation button.

sexta-feira, 27 de março de 2015

A Reserva Naval em Macau 1968/70

Na década de 1960 começaram os primeiros destacamentos para comissões de serviço no Ultramar. Acontecimento singular foi o facto - único na História da Reserva Naval - de um oficial ter sido enviado para Macau. Foi o então 2º TEN AN RN, António Francisco Oliveira Miranda da Rocha. Ali permaneceu durante dois anos, legando ao Museu da AORN – Associação dos Oficiais da Reserva Naval, um valioso espólio histórico, constituído por dezenas de documentos e fotografias que relatam fielmente, em muitos domínios, o que foi a vida naquele território entre os anos de 1968 e 1970, incluindo a visita da Fragata “Comandante João Belo”, comandada pelo CFR Leonel Cardoso, por ocasião dos incidentes da revolução, na República Popular da China, encetada pelos guardas vermelhos.
 
Fotografia da sessão comemorativa do Centenário do Almirante Gago Coutinho em Macau, (da esq. para a dir.): CFR Manuel de Sousa Barbosa, Comandante da Defesa Marítima, Dr. Alberto Eduardo da Silva, Secretário Geral de Macau, General Nobre de Carvalho, Governador de Macau, Juíz Dr. Leal de Carvalho, Chefe dos Serviços Judiciais, o historiador/jornalista Luís Gonzaga Gomes e Miranda da Rocha proferindo a sua palestra. 
Miranda da Rocha, único Oficial da Reserva Naval que prestou serviço em Macau, (então 2º Tenente) publicou recentemente (2013) um livro intitulado "A Reserva Naval em Macau - 1968/1970", uma edição da AORN – Associação dos Oficiais da Reserva Naval, que contou com o apoio da Marinha, da Fundação Jorge Álvares e do Instituto Internacional de Macau 
Durante esse período Miranda da Rocha desempenhou funções no Comando da Defesa Marítima, foi adjunto comercial nas Oficinas Navais, pertenceu à Comissão Consultiva para os Assuntos Económicos, foi professor no Liceu Nacional Infante D. Henrique, presidente da direcção do Núcleo Recreativo de Marinha e membro do Conselho Fiscal do Clube Militar. 
Nas primeiras página do livro o autor explica o que o levou a escrever: 
"A primeira e única vez que a Marinha de Guerra Portuguesa destacou em comissão de serviço para a Província Ultramarina de Macau um seu oficial da Reserva Naval…Ocorreu entre 1968 e 1970. Volvidos tantos anos, saudosas memórias de enriquecedoras experiências levaram-me – correspondendo s incentivos amigos – a este testemunho. Recordações da obra e dos homens que, ao serviço da Armada, viveram em Macau num contexto de muitas e variadas dificuldades.Que do meu empenho nesta retrospectiva possam resultar gratas evocações para muitos intervenientes. (...) A Armada tem sido considerada como serviço silencioso, porque actua, geralmente, em horizontes longínquos, muitas vezes em missões de que apenas há notícia nos arquivos reservados da Marinha. Existe, por assim dizer, uma verdadeira névoa que oculta as acções do homem do mar, ficando por este modo e, em grande parte, no esquecimento os seus trabalhos, as suas fadigas, sacrifícios e sofrimentos. 
Até mesmo nas comissões mais ‘presas’ à terra, a projecção exterior daquilo que os homens do mar fazem sofre a influência da zona de silêncio em que normalmente trabalham. Não me parece, por isso, despropositado revelar o que registei sobre os Oficiais da Armada mencionados neste trabalho: hábeis profissionais de excepcionais faculdades de trabalho que, pela extensão dos seus conhecimentos e pelos seus dotes intelectuais, souberam valorizar, em contexto de graves dificuldades, a Marinha em Macau. E o enriquecimento da minha formação – que resultou do facto de ter sido inserido neste Quadro de Oficiais da Armada, num território onde coexistiam as civilizações ocidental e oriental – é motivo de inexprimível gratidão à Marinha de Guerra Portuguesa.”

quinta-feira, 26 de março de 2015

Antes e Depois: publicidade na Rua do Campo

 Troço da Rua do Campo no acesso à Rua Formosa 
Década 1950 versus década 1980 
Este tipo de anúncios pintados em fachadas de prédios foi durante décadas uma 'imagem' característica do território. Entre os que ainda pude testemunhar na década de 1980 recordo, por exemplo, os que ficavam junto às ruínas de S. Paulo e os da marginal do Porto Interior.

quarta-feira, 25 de março de 2015

As festividades de T'ou Tei, o Deus da Terra

Por estes dias celebra-se em Macau a festividade do Tou Tei, o Deus da Terra, também conhecido por Tu Di Gong (2º dia do 2º mês lunar). Para além dos espectáculos de ópera Yueju (cantonense), ocorrem também danças do leão pelas ruas para pedir boas colheitas. Tal como noutras festividades chinesas é habitual a queima de incenso nos templos. À mesa não pode faltar o leitão assado.
Ópera cantonense junto ao mercado da Horta da Mitra (2015). Foto de Carlos Dias.
Em Macau um dos vários templos dedicados a Tou Tei fica na Rua da Ribeira do Patane (T'ou Tei Miu), numa encosta e numa das zonas mais antigas do território. A construção data de meados do século 18 (dinastia Ming). Nele destacam-se as inscrições de caracteres chineses nas pedras. O templo é composto por três pavilhões: um dedicado a T'ou Tei, outro a Kum Iam, a deusa da Misericórdia, e um outro dedicado a Buda.
Reza a lenda que a sua construção se deve aos moradores do Patane que se juntaram para prestar homenagem a Lam Seng. Seu pai, acusado da prática de um crime, foi preso, e a mãe, com o desgosto, morreu e Lam Seng decidiu enforcar-se. Três vezes tentou e três vezes a corda partiu. Foi então que aconselhado por um amigo, Lam Seng foi jogar para angariar dinheiro e pagar a libertação do pai. Lam Seng saiu vitorioso e os moradores de Patane elegeram-no Deus local do Bairro do Patane e mandaram construir este templo no Largo do Pagode de Patane que fica no sopé do montículo do Patane sobre o qual floresce o Jardim da Gruta de Camões.
Aspectos das festividades deste ano fotografadas por Bessa Almeida

terça-feira, 24 de março de 2015

A pequena grande Torre de Macau

Situada no cimo do Jardim de S. Francisco, ao lado do antigo Quartel com o mesmo nome e para quem suba as escadas, vindo dos lados do Clube Militar, depara-se com esta pequena Torre de um andar, uma “pérola” do nosso Património, que não passa despercebida aos transeuntes que por aquele local deambulam ou se dirigem ao Hospital de S. Januário, que fica no topo desta colina.
Este Jardim que dá pelo nome de Jardim dos Combatentes da I Grande Guerra Mundial (1914 – 1918), conforme está bem patente ao público, na placa em cobre, junto à entrada principal desta mini-Torre de uma beleza, que quanto a nós tem tanto de simples como de extravagante.
Outro símbolo que ainda permanece intocado é o belíssimo logo da Associação dedicada a esses combatentes, onde sobressaem o escudo, os castelos e as cinco quinas da nossa bandeira, bem no centro e que deve ter sido descerrada, de certeza, com toda a pompa e circunstância em tempos idos. Uma homenagem aos militares que se bateram arduamente nos campos de batalha da Flandres e em La Lys, em particular, nesse conflito mundial de que Portugal fez parte, enviando um corpo expedicionário de muitos milhares de soldados, a maioria dos quais por lá ficaram para sempre, dizimados pelo inimigo, as tropas alemãs ou pelas intempéries: frio e fome.
Esta pequena Torre de Macau foi, a partir de 28 de Fevereiro de 1963 e até Outubro de 1974, altura em que foi extinto este serviço, utilizada como a Estação Postal Militar de 3° Classe, uma vez que com o eclodir da Guerra Colonial e a deslocação de milhares de militares para as colónias, houve a necessidade de se voltar a ter um serviço postal militar eficiente, o que já tinha acontecido nos tempos da I Guerra, nos anos de 17 e 18, em França, com a criação do serviço postal militar.
E como em tempo de guerra se tratava foi criado um sistema de códigos para o envio da correspondência entre os militares e os seus familiares ou amigos. Nasce também o Aerograma, um exclusivo do Movimento Nacional Feminino, que em breves palavras se tratava de uma folha de papel com dobras exactas e que no seu exterior no canto superior direito, continha as palavras: –“ Correio Aéreo – Isento de porte e sobretaxa…”, e do outro: “O transporte deste Aerograma é uma oferta da TAP aos soldados de Portugal”.
Um sistema de correspondência muito prático e quase sem custos, utilizado por todos os militares e familiares incluindo, está claro, os que se encontravam por cá a prestar o serviço militar obrigatório, nesse período referido.
À memória veio-me ainda um dos seus últimos responsáveis, nos anos 70, um homem maravilhoso, de estatura média, franzino, mas cheio de humor e que fazia deste serviço o seu “Império do Meio”!
Muitos amigos, devem ainda lembrar-se do famoso “Capitão Noites” como era bem conhecido pelas “tropas” assim como pelo seu maravilhoso carro descapotável que enfrentava todas as intempéries, pois como ele não se cansava de repetir o chavão que era aplicado à letra na sua viatura: “Carro de militar não se molha com a chuva civil”! Um bólide que só se deslocava de noite, fizesse bom ou mau tempo, e com a particularidade de saber sempre o caminho de regresso para o Jardim dos Combatentes da I Grande Guerra, como se um piloto automático tivesse sido instalado no seu comando para esse fim.
Agora qual o uso que esta “pequena grande” Torre terá neste preciso momento é uma verdadeira incógnita para nós, mas a verdade é que poderia e deveria ser mais um local para o são convívio dos residentes. Não nos restam dúvidas, que sim!
Artigo da autoria de Luis Machado publicado no JTM de 13-7-2011
Nota: a sede da Liga dos Combatentes (cujo grande impulsionador foi Lara Reis) passou a funcionar neste local a partir de 1938; durante a guerra do Pacífico no local os mais carenciados podiam aceder a roupas e calçado que eram remendados/concertados pelos militares e voluntários entre os refugiados e a população local; o tema já foi abordado noutros post's.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Carta de 1898 para a Alfândega de Pequim

Esta carta de Abril de 1898 é uma peça rara a vários níveis. Primeiro porque se trata de correio registado. Tem o registo nº 1404 dos Correios de Macau. Depois porque tem um selo de 1898. E ainda inclui carimbos dos locais por onde passou antes de chegar ao destino: Hong Kong, Shangai e Pequim. Era dirigida a Emílio d'Encarnação, do "Inspectorate General of Customs Peking (Serviços de Alfândega em Pequim). No envelope, note-se ainda que quem o enviou tinha alguma pressa e escreveu "per first steamer", ou seja, a carta deveria seguir no primeiro navio a vapor. Como se os correios não tivessem tal prática...  
PS: registe-se ainda o facto de ter sido lacrada garantindo assim a inviolabilidade da correspondência; não se conhece o remetente. Sir Robert Ho Tung trabalhou nessa alfândega (1878-1880).
Depois da Guerra do Ópio (Tratado de Nanquim, 1842), a China teve de se abrir ao comércio e tráfico de Ópio com os países ocidentais. Em breve as forças britânicas adquiriram o monopólio de metade do comércio externo da China.  O serviço da Alfândega marítima passou então para mãos estrangeiras
O Tratado de Nanquim foi firmado entre a China da Dinastia Manchu e a Grã-Bretanha em Agosto de 1842. É considerado o primeiro dos "Tratados Desiguais" ou "Tratados Iníquos", assinados entre a China Qing, o Japão Tokugawa e a Coreia Chosun com as potências industrializadas ocidentais, entre meados do século XIX e o início do século XX.
O diploma continha doze artigos, entre os quais destacam-se: Artigo 2º - Determinava a abertura de cinco cidades chinesas - Cantão, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Xangai - para a moradia de súbditos britânicos, além da abertura de tratados nessas mesmas cidades. Artigo 3º - A possessão de Hong Kong por tempo indeterminado pela rainha Vitória e seus sucessores. Artigo 6º - Indemnização pelos custos da guerra num valor de 21 milhões de dólares.

sábado, 21 de março de 2015

"O Templo de T'in Hau na Barra" por Manuel da Silva Mendes

“O templo de T’in Hau na Barra é um encanto”. (...) “Pitoresco, belo, é o sítio. Árvores seculares o ensombram; veredas o sulcam como que traçadas a gosto de dragão; graníticos rochedos ostentam, gravados, pensamentos de poetas e rasgos de caligráfico génio”. (...) O templo ao fundo do pitoresco recanto, com os anexos de habitação a dizer com a humildade bhúdica, é a ideal residência de todo aquele que às divinas deseje associar as naturais belezas". (...)
“A fachada é abundantemente ornamentada e magnificiente o telhado que a cobre. Ao centro rasga-a uma enorme janela circular, de uma só peça de granito. Por toda a parte, no exterior como no interior, figuras representando cenas da vida chinesa, animais fabulosos, máximas budistas decoram o edifício, casando-se todos os detalhes, harmoniosamente, uns com outros.” (...) é um encanto. (...)
“É a residência ideal de todo aquele que aspire a viver com a natureza, com a poesia, com os deuses – horas a contemplar o mar, as águas correntes do rio e da ribeira fronteiriça; horas a ler os rochedos inspirados, a escutar as árvores musicais, a percorrer as veredas de dragão; horas a extasiar-se com os budas e a elevar-se com eles às regiões infinitas da paz; horas a roncar nas profundezas do não-ser… e, em vindo a morte, voar nos braços de Kun Yam para o Paraíso d”Oeste e florir no nosso lótus, na glória de Ó Mi Tó”. 
Excerto de artigo da autoria de Manuel da Silva Mendes (1867-1931) - viveu em Macau entre 1901 e 1931 - publicado na edição de 11.6.1929 do "Jornal de Macau". MSM explica ainda que embora muitas vezes surgissem referências ao termo "pagode" (t'ap/chin-ti) no caso tratava-se de um "templo" (miu). Aiás, o da Barra é conhecido por Ma Kok Miu (ou templo de A-Ma, explicação para a origem do nome Macau), construídos pelos pescadores primeiros habitantes do território em honra da deusa Tin-Hau, rainha do Céu e protectora dos pescadores e marinheiros, também conhecida por Matsu. É adorada por centenas de milhões de devotos em todo o mundo, principalmente no sudeste da China, Hong Kong e Taiwan. Em Macau vários existem vários templos e pagodes em sua homenagem.
A primeira imagem é de ca. 1900 com uma perspectiva do templo a partir de um terreiro em frente usado pelos pescadores para secar as redes (e o peixe). A segunda imagem é um detalhe de uma nota de 5 patacas emitida em 1981. Por fim, a 3ª imagem é uma ilustração de meados do século XIX

sexta-feira, 20 de março de 2015

“A Cozinha de Macau da Casa do Meu Avô” - versão trilingue

A fim de promover e transmitir a gastronomia macaense, item do património cultural intangível, o Instituto Cultural lança uma edição revisada de “A Cozinha de Macau da Casa do Meu Avô” em versão chinesa e em versão bilingue português-inglês, permitindo a um leque mais alargado de leitores ficarem a conhecer as técnicas gastronómicas únicas de Macau.
No início do séc. XVI, durante os Descobrimentos, os portugueses viajaram desde a Europa até ao Oriente, combinando pouco a pouco modos de vida, hábitos e cozinha de diferentes regiões da África e Ásia, de diferentes povos e de diferentes culturas, desenvolvendo a cozinha de cada sítio e enriquecendo grandemente a sua gastronomia original. 
A cozinha macaense tornou-se numa importante cultura gastronómica ao longo de centenas de anos, sendo igualmente um produto histórico da cultura marítima dos portugueses. As técnicas da gastronomia macaense foram inscritas na Lista do Património Cultural Intangível de Macau em 2012.
Graça Pacheco Jorge, a autora do livro, pertencente a uma antiga família macaense, não tem poupado esforços para promover a gastronomia macaense, continuando a organizar e divulgar actividades relacionadas com a mesma, incluindo palestras, workshops e cursos de formação, e participando ainda em documentários sobre a gastronomia local realizados em Portugal, Japão e Hong Kong. Em 1992, o então Instituto Cultural de Macau lançou uma edição portuguesa de “A Cozinha de Macau da Casa do Meu Avô”. 
Passados mais de vinte anos, Graça Pacheco Jorge reviu as receitas originais e adicionou novos pratos. De modo a permitir a ainda mais leitores estrangeiros compreenderem a cultura macaense única bem como os seus hábitos de vida através da sua gastronomia, o Instituto Cultural encomendou a tradução do livro, publicando agora uma versão em chinês e uma versão bilingue português-inglês.
Nota: Comunicado do ICM de 12.3.2015; o livro será apresentado ao público muito em breve em Portugal.

quinta-feira, 19 de março de 2015

"Vendilhões": Fotografias de Carlos Alberto dos Santos Nunes (2ª parte)

(...) Não faltam os vendedores dos diversos lèong-tch´á (chás refrigerantes e diuréticos), dos tái-tch´ói-kou (gelatinas), uns encarnados feitos com essências de rosas outros amarelados feitos com açucar-cândi, todos triangularmente cortados.
Porém, para o gosto dos Chineses, nada rivaliza ao seu lèong-fán, de cor negra e que se apresenta em grande bloco por ter tomado o feitio do alguidar em que foi preparado. (...)
Como a população duma cidade não necessita somente de comestíveis, circulam também pelas ruas da cidade os mái-fá-pou com vários cortes de fazendas e de garridos estampados, nos seus enormes e chatos cestos; os mái-tch´áu que levam ao ombro grandes fardos de vários rolos de seda, embrulhados em forte pano cru; as bibliotecas volantes com esfarrapadas novelas e livros de canções, para alugar, etc.
Entretanto, porque as donas de casa precisam sempre de adquirir peças isoladas de baixela que, por serem feitas de frágil porcelana, se partem constantemente, à hora certa, passará pelas suas portas o pó-lêi-pui com completo sortimento de copinhos, taças de porcelana, pires, colherinhas e tudo quanto é possível fazer-se em cerâmica.
Em Macau, porém, chamam impropriamente de pó-lêi-pui aos homens que vendem botões, linhas de coser, sabonetes, rede para o cabelo, molas para a roupa, baralhos de cartas, naftalinas e a mais disparatada mistura de objectos (...).
Temos assim, os vendedores de fogões e de panelas de barro; os homens dos iáu-tchi-sin (leques de papel oleado) e k´uâi-sin (leques feitos de folhas de palmeira, isto é, se for no Verão); os im-máu-lou (castradores de gatos); os vendedores de ovos; de galinhas, com os papos cheios de areia para ganharem mais peso; de achares e de diversas gulodices.
No entanto, os pregões mais familiares são dos que vociferam incomodamente sáu-tchêng t´áng-i (consertam-se cadeiras de verga) e (...) sâu-tchên-kuâi-só, tchên-t´óng-kau (consertam-se fechos e arranjam-se visagras de cobre); pôu-uók (remendam-se caçarolas); mó káu tchín (amolam-se tesouras e facas); hón-t´ông, hón-sèak (soldam-se objectos de cobre), etc. (...)
Os tin-tins passam, então, a toda a hora, batendo desalmadamente com um prego os discos de metal (...).
Juntam-se a estes pregoeiros, os cegos que agitam «slacslacqueando» várias varetas, num cilindro de bambu, e que por insignificante quantia, se prestam a revelar, por meio da sua rabdomântica ciência, os segredos daqueles que vivem inquietos com o futuro.
De vez em quando aparece também quem venda o môk-sât-kuân (pauzinhos para percevejos), (...) ao anoitecer, aparecem diversos vendilhões com as suas canastras carregadas de ostras, camarões, caranguejos frescos e peixes para os gatos, bem como os que vendem petróleo e azeite. 
Mas o pregão mais característico é sem dúvida o do siu-áp-lou (homem que vende pato assado) (...).
As mulheres chinesas não desgostam de se entreter jogando o má-tchèok (...) e, como este passatempo costuma estender-se até altas horas da noite, lá aparece o homem de mou-ü tch´á kai-Tán (chá mou-ü com ovo cozido); háng ián-tch´á (chá de amêndoas) e os empregados das casas de pasto a apregoarem a ementa da noite para receberem as encomendas da ceia.
Os residentes mais modestos satisfazem-se com o uán-t ´ân-min, a conhecida sopa de fitas, cujo segredo de preparação Marco Polo não descurou de levar para a Europa (...), foi assim que o min veio originar os macarrões (...). Os uán-t´ân, ou sejam os camarões embrulhados com a mesma massa do min, gozaram também de grande popularidade em Veneza e, com o tempo, foram transformados nos deliciosos ravióis. 
in Chinesices de Luís Gonzaga Gomes

quarta-feira, 18 de março de 2015

"Vendilhões": Fotografias de Carlos Alberto dos Santos Nunes (1ª parte)

Em 1996 o ICM editou duas colecções de postais (24 no total) a que deu o título "Vendilhões de Macau". São postais feitos a partir de fotografias de Carlos Alberto dos Santos Nunes. Inclui os vendedores ambulantes de: fruta, chá, louça, legumes, peixe, livros, fósforos, roupa, comida, guloseimas, etc...
Desde tempos imemoriais que nas cidades chinesas se instituiu o hábito de os negociantes levarem às residências dos particulares as mercadorias que lhes são mais necessárias e tal costume devia ter sido motivado pelo facto de ser inibida às mulheres a frequência das lojas, por ser considerada um procedimento altamente escandaloso a sua ausência do lar. Daí a praga de vendilhões ambulantes que, a fim de conseguirem angariar a indispensável malgazinha de arroz para o seu quotidiano sustento e o da sua família se vêem obrigados a valerem-se de todos os meios destinados a atrair o interesse do público para as suas mercadorias. 
Criou-se, então, um sistema tradicional de reclamo com o intuito de vencer a resistência do comprador, sistema este cuja evolução se foi aperfeiçoando com o tempo e integrando-se no progresso urbanístico de cada cidade de forma a constituir um elemento imprescindível da vida social chinesa. Assim, uns exploram todas as possibilidades das suas cordas vocais para que as suas estentóreas vozes possam atingir com sucesso os mais recônditos recantos das casas; outros usam de engenhosos instrumentos sonoros, como as charmelas de palhetas reforçadas (...).
Em Macau, como em todas as cidades da China, não faltam vendilhões ambulantes, devendo mesmo existir alguns milhares e, assim, logo pela manhã, os pacatos burgueses são sacudidos para fora das suas mornas camas, pela vibrante gritaria dos garotos dos jornais que, com invejável fôlego, disparam, em rápida sucessão, os títulos das notícias, dos acontecimentos mundiais, excedendo-se cada um na forma de impressionar melhor o público e causando-lhe tal sensação que o sucesso da venda é alcançado num instante. (...)
Nisto, surgia a voz do I-T´ái e como a clientela chinesa o interessava pouco, apregoava em português, merenda! merenda! (...) o bom do I-T´ái entrava em casa e pousava no chão da entrada, os seus dois enormes cestos, envernizados a castanho. Enquanto encostava a pinga, ou seja, a vara de que se servia para os transportar aos ombros, I-T´ái ia dispondo à sua volta os diversos ternos e enunciando, em voz fanhosa e cantada, todo o seu conteúdo. Eram natas; bolinhos de chocolate; bolos-meninos; bolos estrelas; pãezinhos recheados; coqueiras; tijelinhas do conde; chilicotes de massa de coco; em folhados; ou de rábano e envoltos em folhas de bananeira; pastelinhos diversos; muchis cobertos de pó de feijão torrado; mamas-de-freiras; barquinhos de coco revestidos com cabelos de noiva; diversas variedades de bebincas; e, nas proximidades do Natal, não faltavam aluares, pinhões, fartes, coscorões, empadinhas, etc. Nos últimos ternos estavam guardados os pães de casa, uns simples, outros com recheio de carne picada, e um suculento recipiente de madeira cheio de indigestos seák-tchók, ou sejam, os afamados apa-bicos, nome por que são conhecidos localmente. (...)
Assim, é à esquina das travessas, ponto estratégico de alta importància, porque é daí que se pode acorrer às chamadas dos fregueses de várias vias adjacentes, que se encontram diversas cozinhas ambulantes, onde se servem as tchü-iôk-tchôk e as pák-kuó-tchôk, maravilhosas canjas de porco e de ginco, que se ingerem acompanhadas das indispensáveis iâu-tchâ´kuâi (fruturas). (...)
À medida que o dia vai avançando, vão-se animando as ruas da cidade com uma infinidade de pregões. São os vendilhões de frutas que gritam, uns t´im-lâu-tch´áng-a, iâu tchèng t´im-lâu-tch´ áng mái-a (laranjas doces, há laranjas autenticamente doces à venda) outros; tch´iu-tchâu-kâm, tai-kó tch´iu-tchâu mât-kâm-á (tangerinas de Tch´iu-Tchâu, grandes tangerinas de Tch´iu-Tchâu, doces como o mel); outros (...).
No Verão, logo depois do meio-dia, lá aparecem os homens dos süt-kou (sorvetes), com os seus baldes, um com um cilindro de folha-de-flandres onde se conserva o sorvete, cilindro que é isolado do contacto da madeira do balde por uma camada de bocados de gelo misturados com salitre; outro, com água e copinhos de vidro para servir avulsamente os transeuntes sequiosos e atormentados pelo calor.
Não há muitos anos que a população não chinesa aguardava pacientemente a noite, pois era só nessa ocasião que aparecia o A-Loi, sem dúvida o melhor preparador dos sorvetes de chocolate, de café e de manga, antes de ser moda em Macau o servirem-se nos restaurantes. (continua)
in "Chinesices" de Luis Gonzaga Gomes

terça-feira, 17 de março de 2015

Journey to the East: The Jesuit Mission to China, 1579-1724

Journey to the East: The Jesuit Mission to China, 1579-1724, da autoria de Liam Brockey, foi primeiro editado em 2007 e agora foi traduzido para chinês.
A agência Lusa registou a apresentação em Macau desta nova versão há poucos dias (12 Março) num texto assinado por FV e VM.
O académico Liam Matthew Brockery defendeu hoje em Macau que a "maneira de contar a história" da missão jesuíta na China "beneficiou italianos, franceses e alemães", mas que o encontro entre ocidente e oriente foi sobretudo desenvolvido por missionários portugueses.
"Houve uma maneira de contar a história que beneficiava os italianos, os franceses, os alemães, e o que estamos a fazer é voltar às fontes originais. (...) Não vamos negar que aqueles jesuítas também fizeram parte deste encontro entre o oriente e o ocidente, mas a esmagadora maioria dos seus pares eram portugueses missionários. (...) A história mais vasta é assente na presença portuguesa do oriente", disse Liam Matthew Brockery.(...)
O livro, publicado em inglês, em 2007, pela Harvard University Press, "trata da obra dos jesuítas na China (...) e traça uma história que tem o seu ponto de partida e o seu ponto final em Macau", adiantou. Liam Matthew Brockery considera que "é possível" haver uma maior divulgação do papel dos missionários portugueses nas missões jesuítas na China, mas que para isso "é preciso que mais gente se interesse por ler português para confrontar as fontes originais, que são documentos que estão escritos em português".
"É preciso ter domínio da língua portuguesa para (...) ser capaz de ler as fontes originais e não depender de traduções que muitas vezes são mal feitas, porque o português não é muito estudado", sublinhou. A investigação do autor norte-americano começa no final do século XVI e abrange mais de 100 anos de "encontro cultural e religioso (...) estabelecendo os alicerces do que são hoje as relações internacionais com a China, sobretudo das culturas europeias, e com a presença do catolicismo que é vigente na China desde esta altura".Ao contrário de vários investigadores que já abordaram a mesma temática, Liam Matthew Brockery, professor do Departamento de História da Universidade do Estado de Michigan e membro da Academia Portuguesa de História, optou por centrar-se nas fontes portuguesas.
"Os grandes nomes que são associados à missionação da China (são estrangeiros) -- o Matteo Ricci, por exemplo, era italiano --, daí que é como se a presença portuguesa fosse esquecida, embora o Ricci tenha escrito muitas cartas em português, que era a língua franca", salientou. Para escrever "Journey to the East" Liam Matthew Brockery consultou vários registos em português, incluindo "os documentos que eram copiados no século XVIII, nos arquivos dos jesuítas em Macau, e que estão na biblioteca da Ajuda em Lisboa" e outros "em Roma, nos arquivos centrais dos jesuítas".
Assim, em vez de nomes como Matteo Ricci, na obra de Liam Matthew Brockery são figuras centrais portugueses como "João Rodrigues, que foi o grande intérprete dos xoguns (comandantes do exército) japoneses, e que passou o fim da vida em Macau, cidade de que foi embaixador na corte chinesa", afirmou, ao destacar ainda outros missionários como Francisco Furtado, Gabriel de Magalhães e Manuel Mendes.
Sinopse do livro (edição em inglês):
It was one of the great encounters of world history: highly educated European priests confronting Chinese culture for the first time in the modern era. This “journey to the East” is explored by Liam Brockey as he retraces the path of the Jesuit missionaries who sailed from Portugal to China, believing that, with little more than firm conviction and divine assistance, they could convert the Chinese to Christianity. Moving beyond the image of Jesuits as cultural emissaries, his book shows how these priests, in the first concerted European effort to engage with Chinese language and thought, translated Roman Catholicism into the Chinese cultural frame and eventually claimed two hundred thousand converts.
The first narrative history of the Jesuits’ mission from 1579 until the proscription of Christianity in China in 1724, this study is also the first to use extensive documentation of the enterprise found in Lisbon and Rome. The peril of travel in the premodern world, the danger of entering a foreign land alone and unarmed, and the challenge of understanding a radically different culture result in episodes of high drama set against such backdrops as the imperial court of Peking, the villages of Shanxi Province, and the bustling cities of the Yangzi Delta region. Further scenes show how the Jesuits claimed conversions and molded their Christian communities into outposts of Baroque Catholicism in the vastness of China. In the retelling, this story reaches across continents and centuries to reveal the deep political, cultural, scientific, linguistic, and religious complexities of a true early engagement between East and West.

sábado, 14 de março de 2015

“Ich bin ein macaense... di alma e coraçom"

"Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão) é uma citação de um discurso feito a 26 de Junho de 1963 pelo presidente dos EUA, John F. Kennedy, em Berlim Ocidental. Kennedy enfatizava assim o apoio dos EUA à Alemanha Ocidental, 22 meses depois do Estado comunista da Alemanha Oriental, aliado da União Soviética, ter erguido o Muro de Berlim como forma de impedir qualquer movimento entre as regiões orientais e ocidentais da cidade.
Por mim diria, “ich bin ein macaense” porque, embora nascido em Portugal, vivi em Macau cerca de uma década e sinto-me macaense, de alma e coração. Uma das primeiras palavras que aprendi de cantonense quando vivi no território foi "ho lok". Uma expressão 'estranha' para uma bebida muito apreciada pelos jovens, como eu na altura.
Vem tudo isto a propósito da recente campanha de marketing e publicidade com a palavra "macanese" inscrita nas latas da mundialmente conhecida bebida. Mas já antes existiram edições especiais feitas localmente. Na década de 1990 surgiu uma embalagem específica para a época do Natal. E já neste século (XXI) seriam assinalados os 60 anos de presença da marca no território (1949-2009), os Jogos Asiáticos, e a 50ª edição do Grande Prémio (2003), entre outras.
"Primeiro estranha-se. Depois entranha-se", a frase é atribuída a Fernando Pessoa e foi feita quando a Coca-Cola entrou no mercado português na década de 1920. Pessoa era amigo de Manuel Martins da Hora, o homem que levou a bebida para Portugal e escreveu o slogan quando trabalhava para a J. Walter Thompson, a primeira agência de publicidade em Portugal. Num anúncio de 1927 publicado em Portugal pode ler-se "Coca-Cola: o refresco americano. No primeiro dia estranha-se. No quinto dia entranha-se". Curiosamente, na época o slogan serviu de pouco. O director de Saúde da Região de Lisboa (Dr. Ricardo Jorge) mandou apreender todas as garrafas. Alegava-se que a bebida era feita de "coca" (cocaína), um estupefaciente que cria habituação. A Coca-Cola só se instalaria definitivamente em Portugal após o 25 de Abril de 1974.
O xarope criado em 1886 por John S. Pemberton, na farmácia Jacob’s, de Atlanta, Estados Unidos, está actualmente presente em 200 países e vende quase dois mil milhões de latas por dia. Macau também tem a sua quota-parte na história desta marca centenária que quando ‘chegou’ ao território já existia uma outra marca de refrigerantes, a "Gasosas da Ásia" cuja fábrica ficava no Porto Interior.
A chamada "água suja do capitalismo" chegou a Macau em Setembro de 1948, um ano antes da subida ao poder dos comunistas na China e da criação da República Popular, pelas mãos de um norte-americano, a partir de Hong Kong e com a ajuda de um português radicado no território. No dia 19 de Setembro de 1948 "Anker B." engarrafador autorizado da marca em Hong Kong "tem o prazer de anunciar que uma sucursal acaba de ser estabelecida em Macau - Av.Almeida Ribeiro, 1 J". O escritório fica na principal artéria da cidade com o nº de telefone 2442. O anúncio dirige-se essencialmente aos revendedores a quem se informa "o preço por grosso do conteúdo de cada garrafa 0,25" e se recomenda que o preço de venda ao público seja de 0,40 "por cada garrafa de coca-cola gelado.
Início década 1980: Liceu (esq.), hotel Sintra e Ed. Rainha D. Leonor (em frente) e o campo dos operários (dta)
Em Agosto de 1949 é publicado um anúncio de página inteira no jornal "Notícias de Macau" com a frase "Símbolo da Amizade". A ilustração é uma garrafa tendo como fundo um globo terrestre. O anúncio é da Hong Kong Bottlers Federal Inc., onde a bebida erra engarrafada. Num anúncio publicado em 1950 no "Notícias de Macau" lê-se: "O descanso do homem atarefado. Bebam Coca-Cola. Engarrafador autorizado Hanker B. Henningsen. Sucursal em Macau". A fábrica da marca surgiria em 1951 na Estrada Marginal da Ilha Verde. A empresa começou por por se denominar "Macau Industrial Ltda", primeiro como "distribuidora autorizada" e depois como "engarrafadora autorizada". Actualmente dá pelo nome de "Macau Coca-Cola Beverage Co., Ltd". No final da década de 1960 a imagem da marca também acabaria por ficar 'associada', ainda que de forma indirecta, às manifestações do denominado "1,2,3" evidenciando-se nas fotografias das manifestações na avenida Almeida Ribeiro junto ao Leal Senado.
Em chinês o nome da bebida significa algo como "beba e sinta-se feliz". Nos primeiros anos de presença no território a marca espalhou-se um pouco por toda a cidade existindo diversas máquinas de venda automática da bebida. Nessa altura foram pintados (literalmente) vários anúncios em fachadas de edifícios. Existiam por exemplo junto às ruínas de S. Paulo, na Rua das Estalagens, Rua dos Mercadores e na rua do Campo, perto do jardim de S. Francisco.
É aí que se encontram estes caracteres:
可 口 可 樂 – mandarim pinyin: kè Kou Kè lè; cantonense jyutping: ho hau ho lok. Tradução literal: capacidade /possibilidade para a boca; poder /possibilidade de alegria.
美 味 怡 神 – mandarim pinyin: mèi wèi yi shén; cantonense jyutping: mei mei ji san. Tradução literal: sabor agradável, alegria dos deuses/espírito
Nas décadas de 1950/1960 foram instalados painéis publicitários nas fachadas de edifícios no Largo do Senado (antigo cinema Apollo e junto à fonte). Mais ou menos por essa altura começaram a ser espalhadas pelo território umas garrafas de cerca de 2 metros de altura feitas em cimento. Existiam, por exemplo, junto à Fortaleza do Monte, na baía da Praia Grande e nas ilhas. Aliás, estes exemplares ainda podem ser vistos na Taipa e Coloane, por exemplo. Luís Machado recorda-se disso na década de 1960/70. "Digamos que não seriam geniais mas que nos levavam a beber com mais frequência, geladinhas, tiradas do fundo das geleiras, que não passavam de enormes baús de alumínio ou latão, repletos com blocos de gelo, que descongelavam, vindos directamente da fábrica de gelo do Porto Interior!" O formato da garrafa, um ícone da época e um case study do design foi, curiosamente, criado por um sueco.
A marca ficaria ainda associada ao Grande Prémio com uma das curvas do circuito da Guia (junto ao Reservatório) a ser baptizada de “curva coca-cola”…
Texto da autoria de João Botas inserido na edição de Fevereiro de 2015 da newsletter "A Voz "da ADM Associação dos Macaenses 澳門土生協會 (em memória do meu amigo macaense José Francisco)

sexta-feira, 13 de março de 2015

Ambassador (Hong Kong) vs Sintra (Macau)

Qualquer semelhança entre as imagens de cima e as de baixo não é pura coincidência. Num futuro post conto a história das semelhanças deste dois hotéis...
O hotel The Ambassador (Hong Kong), foi inaugurado em 1962. Já o hotel Sintra só seria inaugurado em 1974, o terceiro da STDM (depois do Estoril e do Lisboa)


quinta-feira, 12 de março de 2015

A propósito da edição de "Os Lusíadas" (12 Março 1572)


Excerto de um artigo da autoria de A. A. Bispo, intitulado "A Gruta de Camões como Sábio por Excelência e Confúcio do Ocidente em paisagens sino-inglesas e em transfigurações românticas. Da Literatura à Filosofia intercultural nos estudos de relações China/Ocidente." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/6 (2012:3).
"A gruta de Camões já possuia, no século XVIII, um pavilhão chinês no seu cimo, do qual se descortinava amplo panorama e que constituia elemento de significado na configuração do conjunto tanto nas suas relações com a tradição chinesa como com a de "pagodes" chineses no paisagismo ocidental. A sua demolição para a construção do projetado monumento a Camões teria roubado do local importante elemento simbólico de relações do Ocidente com a tradição chinesa. A inscrição concebida por Rienzi contribuiu para que Camões surgisse para os chineses como um Sábio e um Confúcio do Ocidente.
Os chineses não podiam ter deixado de registrar que na sua esfera encontrava-se um memorial respeitado e procurado por pessoas de cultura e autoridades não só de Portugal como por representantes e eruditos das mais diferentes nações. A extraordinária posição concedida à erudição na tradição confuciana da organização da sociedade e de Estado dirigiu necessariamente a atenção chinesa a um local que surgia como de peregrinação de intelectuais e de pessoas cultas, sobretudo por não ser explicitamente religioso, não de missão, mas sim dirigido a um vulto da literatura, da história do pensamento e do conhecimento.
Neste contexto, o nome chinês recordado no estudo aqui considerado foi o do estadista Ki-ing (Ki-ying). Vice-Rei de Cantão, delegado e alto comissário imperial nos dois Kuangs, o significado de Ki-ing manifestou-se no privilégio que lhe foi concedido pelo Imperador de suicidar-se quando condenado à morte à época das negociações com inglses e franceses, em 1858. Esse dignatário, quando na sua qualidade de Vice-Rei esteve em Macau em 1845, visitou várias vezes a gruta de Camões, ali realizando atos de homenagem.
O Vice-Rei ali podia ler, em letras chinesas, os dizeres "O Sabio por excelência" e, nas pilastras laterais do pórtico construído perante a gruta, também em caracteres chineses, as frases: "As qualidades do espírito, e do coração o elevaram acima da maior parte dos homens. Os literatos sábios o honraram e veneraram; mas a inveja o reduzio à miséria. Seus sublimes versos estão espalhados por todo o mundo. Este monumento foi erigido para transmitir a sua memória à posteridade."
Essa referência no próprio estudo que defendia a remodelação da gruta, afastando as edificações de Lourenço Marques indica que estas correspondiam de forma muito mais adequada às dimensões simbólicas sino-europeias do local do que a projetada estátua."

quarta-feira, 11 de março de 2015

O Pelourinho do Largo do Senado: mais dados

Já aqui tinha feito uma referência a um pelourinho que existiu no Largo do Senado. Desta vez apresento duas imagens: uma de Chinnery (em cima) e outra de Prinsep (em baixo) de meados do século XIX.
Em baixo uma imagem do antigo Largo do Rossio do Rio de Janeiro (actual Praça Tiradentes) com o pelourinho ainda de pé. Ao fundo, o Real Teatro de São João (Debret, 1834). Muitas semelhanças entre pelourinhos 'portugueses' da mesma época mas de diferentes latitudes
O Pelourinho era uma coluna de pedra, pilastra erguida no meio da praça pública, com pendentes de ferro ou de bronze, onde eram amarrados os condenados (criminosos e/ou escravos) a açoites públicos, expostos à execração e ao suplício. Os mais primitivos eram feitos de madeira. Geralmente eram colocados nas praças/largos frente aos edifícios dos Paços Municipais estando a sua construção associada, por essa via, à autonomia administrativa da vila.

terça-feira, 10 de março de 2015

As cartas de Rebecca Kinsman: 2ª parte

Excerto de uma carta enviada por Rebecca Kinsman à família que vivia nos EUA (Salem).
Macau, 4 de Novembro de 1843
Amanhã chega de Cantão o navio "Ann-Mckim" a caminho de Nova Iorque. Mandarei o meu diário por meio de Wm. Wetmore. (...) Ficámos hospedados em casa de R. Lejee (...) A casa é nova e uma das melhores de Macau, espaçosa e arejada, e agradavelmente situada na Praia Grande, que é uma larga rua marginal ao longo da praia-mar. É rodeada dum alto muro que cerca um lindo jardim e tem dois andares como é estilo aqui: o primeiro para os criados, o segundo para a família. Da minha janela vejo as árvores do jardim e, mais além, a baía, onde estão sempre ancorados um ou mais navios: neste momento há lá dois navios de guerra franceses e um holandês além de vários mercantes e ainda ontem saiu de cá uma navio inglês. À esquerda a terra descreve uma curva graciosa formando uma baía semi-circular. Na ponta extrema da terra ergue-se uma igreja católica e um convento e um forte português (referência à igreja, convento e forte de S. Francisco) no qual tremula a bandeira nacional, ao passo que a cruz indica o edifício sagrado. Ao longo da curva estendem-se belas moradias, circundadas de árvores e arbustos e numa alta colina atrás delas, que parece quase inacessível, levanta-se outra igreja e outro forte (ermida e forte da Guia). Há aqui muitas e grandes igrejas e algumas delas com sinos de sonoros repiques. Gostamos muitos deles, pois nos recordam a nossa terra.

Nos dias Santos que ocorrem frequentemente, eles repicam quase sem cessar mas não nos incomodam, visto não haver nenhum perto de nós, sobretudo na véspera de Natal, pode ouvir-se muito boa música na velha igreja de S. josé, que nós pensamos visitar. (...) Os meus filhos vão todas as tardes para o campo, lugar aberto fora das muralhas da cidade, ou para outros lados; lá se misturam com outras crianças e há aqui crianças muito lindas, superiores em beleza aquelas que nós nos podemos orgulhar. São filhos de ingleses e americanos que aqui residem e algumas raparigas e rapazes portugueses são muito lindos. (...) 
Depois de jantar vamos passear. Os cules seguem-nos com a cadeira e se nos sentimos cansados, metemo-nos nela e eles transportam-nos. (...) o clima é muito saudável para as crianças - a febre escarlatina, o sarampo e outros flagelos da juventude, comuns entre nós, são aqui desconhecidos; e a tosse convulsa, se acaso aparece, vem dum modo tão brando que quase não se reconhece. (...) A sociedade aqui é limitada, mas agradável. (...) A cidade de Macau é maior e mais agradável do que eu esperava. O cenário nos arredores da cidade é pitoresco e romântico e proporciona-nos passeios agradáveis. (...) Nos nossos passeios encontramos grande variedade de gente: judeus, parses, malaios, bengaleses, lascars, cafres, escravos dos portugueses, para não falar dos europeus: ingleses, escoceses, franceses, alemães, suecos, etc. que apenas se distinguem por pequenas diferenças de feições e compleição.

segunda-feira, 9 de março de 2015

As cartas de Rebecca Kinsman - 1ª parte


Já aqui referi por várias vezes os diários de Harriet Low. Nesses registos ela refere uma outra personagem que viveu em Macau em meados do século XIX (1843-1847), Rebecca Kinsman. Também ela registou nas suas cartas - porventura até melhor do que Harriet -  como era Macau na época. Acontece que as suas cartas nunca foram publicadas na íntegra tendo ela também escrito diários.
Vista da Praia Grande a partir da casa de Rebecca Kinsman num quadro
da autoria do pintor chinês Lam Qua (discípulo de G. Chinnery) ca. 1843
O boletim do Essex Institute of Historical Collections publicou pela primeira vez em 1950, ao longo de várias edições, algumas das suas cartas  e passagens dos diários sob o título “Letters and Diary of Rebecca Kinsman of Salem", no âmbito da série de artigos "The American Mission to China". Em 1981, o Padre Manuel Teixeira, pouco depois de ter recebido em Macau duas irmãs, descendentes de Harriet, publicou um livro intitulado "Macau no século XIX visto por uma jovem americana" (referindo-se a H. Low) e nele deu a conhecer três cartas de Kinsman.
Rebecca Chase Kinsman (1810-1882) era mulher de Nathaniel Kinsman (1798-1847). Nathaniel, capitão e mercador, natural de Salem, Massachusetts, foi colocado em Cantão na firma “Trading house of Wetmore and Company” e morreu em Macau a 1 de Maio de 1847, com 48 anos, sendo sepultado no cemitério protestante do território. Rebecca acompanhou o marido (e dois filhos) em 5 de Julho de 1843 para Macau e depois Cantão. Regressou a Macau após a morte do marido tendo casado em 1865 com Joseph Grinnell (1788-1885).
Em 2002, Cecília Jorge publicou um artigo - “Rebecca Chase: an American in Macau” - na Revista Macau.

Ao lado, retrato de Rebecca num quadro pintado por Lamqua, pintor chinês discípulo de G. Chinnery.
A seguir reproduzo um artigo da autoria de Kimberly Alexander, doutorado em História pela Universidade do New Hampshire, sobre esta personagem de Macau de meados do século XIX.
How plainly I can see those dear County Street parlors as thee describes them, and oh! How inexpressible are my longings to look in upon them and their dear inmates . . . the ties that bind us to home, are very strong and not easily severed."- Rebecca to “My best beloved Friend,” Macao, Thursday, 7 March 1844
In July 1843, Rebecca Chase Kinsman (1810–1882) departed her home port of Salem, Massachusetts for Macao and Canton, China, with her husband, Nathaniel Kinsman (1798–1847), and two of their three children, Nattie and Ecca. Nathaniel was taking up a position in Canton with the trading house of Wetmore and Company, and the couple had made the decision—unusual in antebellum America—to travel together to what was then an exotic and strange world. Indeed, the diaries and letters shared between the couple offer a rare glimpse into an early American household that challenges conventional interpretations.
The written record for the Kinsman family is particularly strong. Not only have a decade of letters between husband and wife and their respective families survived, but also household receipts, diaries, and Nathaniel’s ship logs are among the rich collection housed at the Phillips Library at the Peabody Essex Museum, the Schlesinger Library, the Smith College Library and in private hands. However, in order to place the family’s personal and professional lives in a larger antebellum New England context, this article will focus on Rebecca’s diary entries, in contrast to her letters, providing a special opportunity to investigate the issue of the domestic lives of early American women travelers and expatriates.
Rebecca used her diary in a number of ways and was clearly cognizant that her travel to China marked an important episode in her life: indeed, after her return to the United States, it is exceedingly difficult to unearth any subsequent information about her. She used her diary to record her experiences in Macao, Canton and Manila, and on her voyages to and from China; as a day book tracking household expenses; as a place to record her detailed observations and her daily frustrations with not only the management of a household staff whose language she did not understand, but also a medium to vent the longing for her “dear absent hubby;” a place where she recorded what she was currently reading, what letters and packages have been received (or not) from home and her thoughts on the local denizens: dress, habits and so on, as well as her reactions to sermons and visits, social events, and walks. When compared to her letters home (detailed and chatty, but also reflecting homesickness and concern over the current divisive nature of Quaker meeting, local politics, and health of absent friends) or her letters to Nathaniel (she was more open in these regarding daily struggles and concerns for his health and well-being of their children), her diary operates in a middle arena. It is sporadic commentary which “spikes” for important events and trails off when life is “routine” in Macao or Canton.
The letters and diaries shared between Rebecca and Nathaniel offer a rare glimpse into an early American household that challenges conventional interpretations. They reveal Nathaniel as a sensitive, romantic figure, who was ill at ease in the public sphere of business and who sought solace in the private sphere of family, while Rebecca, on the other hand, was the stronger partner, supervising a household of Chinese servants, arranging travel, and even organizing a reception for visiting Plenipotentiary Caleb Cushing in 1844 for the signing of the first trade treaty between China and America.