sexta-feira, 25 de abril de 2025

Testemunho sobre o 25 de Abril

Testemunho de Manuel Tomé
"Estava eu em Macau. Era estudante no Liceu Nacional Infante D. Henrique e trabalhava em part-time como locutor na Radiodifusão de Macau. Prestes a sair de serviço, ouvi tocarem as campainhas - sinal de notícias importantes - dos faxes da Reuters e France Press. Em língua inglesa e francesa, noticiavam ambas as agências, que se dera um "coup-de-état" em Portugal. Tanto uma como outra das agências noticiosas, usavam a terminologia francesa.
Surpreso, liguei para casa do Sr. Alecrim - pai da Hortense Alecrim -, dando conhecimento. E pela manhã, estava eu e o Sr. Alecrim no Palácio do Governo e perante o Governador de Macau. Fui apresentado como a pessoa que tinha alertado para o facto. Após cerca de meia-hora de reunião, determinou o General Nobre de Carvalho, que devíamos, ambos, ficar calados sobre a notícia.
Mas foi impossível, manter tal estado de coisas - quanto mais não fosse por que de Hong Kong e através das rádios locais e televisão, não se falava de outro assunto. Todavia e em Macau, só três dias depois, tal facto, passou (oficialmente) a ser de conhecimento público. Não tinha eu, 16 anos de idade e fazia - com muito orgulho - parte da história de Portugal em Macau. E isso, não vou nunca esquecer - até por toda emoção que vivi."
Campo dos  Operários, Hotel Lisboa, Liceu, Estátua gov. Ferreira do Amaral e padrão henriquino frente ao liceu (canto inferior direito). A Ponte Macau-Taipa/Nobre de Carvalho foi inaugurada em Outubro de 1974


A este propósito recordo um excerto de uma notícia da agência Lusa de 2024:
"Quando há 50 anos Portugal saiu à rua para celebrar o fim da ditadura, foi um músico do regime que revelou a novidade em Macau, onde o alcance do Estado Novo não se sentia da mesma forma.
Rui de Mascarenhas atuava no Mermaid, um clube noturno no Hotel Lisboa, em Macau, quando a Revolução dos Cravos derrubou a ditadura a mais de dez mil quilómetros. E foi através deste “cantor do regime”, nascido em Moçambique, que a notícia chegou ao centro do poder do território, conta à Lusa o investigador da história de Macau João Guedes.
Mascarenhas deu a novidade ao então diretor da Emissora de Radiodifusão de Macau (atual Rádio Macau) Alberto Alecrim, que a transmitiu ao governador José Nobre de Carvalho. Só mais tarde a informação da liberdade chegou a todos, através de um noticiário da rádio britânica BBC, “retransmitido pelas estações de rádio de Hong Kong”.
Esta é a “história corrente” de como abril de 1974 alcançou Macau. Mas e como é que a notícia foi comunicada a Mascarenhas?
“Eu só vejo uma hipótese que é a seguinte: ninguém tinha telefones para ligar para Lisboa, a não ser a tropa. Terá ido aos correios telefonar para alguém?”, sugere.
Nobre de Carvalho abandonou o posto nesse mesmo ano, mas não imediatamente após Abril, “ao contrário dos outros governadores das colónias”, provavelmente pelo caráter “não extremista” e por não ter sido “ostensivamente defensor de Salazar”, analisa o investigador. (...)"
Rua 25 de Abril em Macau - perto da Praça do Lago Sai Van
Foto (recente) de Luís Almeida Pinto

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Na véspera de Abril de 1974

Através de uma leitura breve por várias edições do jornal Notícias de Macau - "visado pela censura" - aqui ficam alguns elementos sobre o território na véspera do 25 de Abril de 1974. O jornal custava na altura 40 avos.
Entre os anunciantes assíduos nas páginas do jornal estavam o Hotel Central, o restaurante Fat Siu Lau, a Farmácia Popular (Largo do Senado como tel. 3739), a Tai Fong - cambistas, ourives e joalheiros (Av. Almeida Ribeiro) e o Banco do Oriente, na altura ainda com sede provisória no 1º andar do Hotel Lisboa.
Uma visita às "inolvidáveis ilhas da Taipa e Coloane" ou uma ida ao cinema - Império, Nam Van ou Apollo" eram algumas das possibilidades para ocupar os tempos livres.
Os ferrys Chung Shan, Nam Shan, Wah Shan e Tai Shan, da empresa Shun Tack, asseguravam as ligação marítimas entre Macau e Hong Kong, atracando no Porto Interior. O Porto Exterior era utilizado pelos hidroplanadores Guia, Penha, Taipa, Patane, Cacilhas, etc... Efectuavam cerca de 20 viagens diárias entre as duas cidades, apenas durante o dia.
No início de Macau anunciava-se a realização entre 16 e 17 de Novembro de 1974 de mais uma edição do Grande Prémio de Macau.
O Hotel Lisboa, na altura com apenas 4 anos de existência, proporcionava várias ofertas de entretenimento. Para além do clube nocturno Mermaid, entre 1 e 7 de Março, a artista Jezabel dava um espectáculo no restaurante "Portas do Sol", um dos vários restaurante do hotel.
A STDM era proprietária do Hotel Lisboa e também do Estoril (o primeiro), os dois com casino. O hotel Sintra estava prestes a ser inaugurado. Tinha ainda o casino flutuante "Macau Palace" no Porto Interior.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Procissão fúnebre junto ao templo de A-Ma

Esta fotografia não tem a melhor qualidade para permitir uma análise 100% correcta. Após algum tempo de análise conclui que no canto inferior esquerdo está timbrada a expressão "Po Man Lau Macao". Provavelmente da década 1930/40 mostra uma procissão fúnebre no largo frente à entrada do Templo de A-Ma, na Barra. 
Entre os vários elementos que permitem esta conclusão estão as "lanternas funerárias" (em 1º plano) usadas nestes cortejos. Incluí uma fotografia do mesmo local como prova praticamente inequívoca que se trata do local mencionado. A Po Man Lau era uma papelaria/livraria que teve morada na rua de S. domingos e no Largo do Senado na primeira metade do século 20. Também se dedicava à fotografia vendendo rolos e fazendo a revelação dos filmes. Tinha também uma tipografia e editada pequenos livros e postais ilustrados.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Grémio Militar na década 1920

Há 100 anos... o Grémio Militar continuava localizado junto à água...
... tal como quando foi inaugurado em 1870. A pintura acima é de cerca de 1875.

Anúncio no jornal A Pátria em 1926
Soirée de ano novo

Passou a designar-se Clube Militar na década 1940
Postal da década 1920. O nº 101 de uma colecção da livraria Po Man Lau

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Baixo-Relevo em granito da antiga igreja da SCM

No topo da parede do patamar da escadaria principal do antigo edifício do Leal Senado (actual IACM) está um baixo-relevo feito em granito que fazia parte da fachada principal da antiga igreja da Misericórdia (da Santa Casa, logo ali ao lado no Largo do Senado) demolida parcialmente em 1883.
Tudo indica que o baixo-relevo datado do século 17 tenha sido feito em Macau. Representa a Virgem Mãe da Misericórdia, cujo manto protector e acolhedor dos crentes é assegurado em cada lado por um querubim. À sua direita pode ver-se Jorge da Costa, o cardial de Alpedrinha (1406-1508)* e o Papa Alexandre VI (1431-1503); à sua esquerda, a rainha D. Leonor (1458-1525), D. Martinho da Costa (1434-1521) 9º arcebispo de Lisboa e o frade Miguel Contreiras**. Atrás está o rei D. Manuel (1469-1521).
*Cardeal português, foi ainda arcebispo de Braga e de Lisboa. Em Roma ocupou o lugar cardinalíssimo de São Lourenço em Lucina. Chegou a ser eleito papa no Conclave do Outono de 1503 (após a morte de Alexandre VI) mas não aceitou o lugar.
** Tido como o fundador da Misericórdia de Lisboa, em 1498, a par da rainha D. Leonor, investigações históricas recentes indicam que o frade espanhol - confessor da rainha D. Leonor - poderá não ter existido já que não existem provas documentais.
PS: O baixo relevo não foi a única peça a ser retirada da antiga igreja, assunto a abordar num futuro post.

domingo, 20 de abril de 2025

Uma foto rara do Hospital Militar S. Januário

Década 1920. Ao fundo a ilha da Taipa
Clicar na imagem para ver em tamanho maior
 Inaugurado em 1874 recebeu o nome do Santo Januário em homenagem ao santo padroeiro do então governador Januário Correia de Almeida. Foi demolido em 1952 sendo construído outro no mesmo local e inaugurado em 1954. Este último durante até 1987 quando também foi demolido para dar lugar ao actual.
A fotografia acima foi tirada após o tufão de Setembro de 1874; assinalei a localização do hospital no colina de S. Jerónimo. foi o primeiro hospital construído de raiz. Antes, o hospital militar (que sucedeu à enfermaria militar) esteve alojado em vários edifícios como o convento de Santo Agostinho.



sábado, 19 de abril de 2025

"Areia Preta" em vez de "Praya Grande"

Neste postal publicado nos primeiros anos do século 20 a legenda está errada. A fotografia não mostra a "Praya Grande" mas sim a zona da Areia Preta, 'estância balnear" frequentada pela elite da sociedade macaense. Também há uma versão a cores (pintadas). 


Na edição de 23 de Junho de 1926 o jornal A Pátria refere que "tem estado cada vez mais concorrida a praia de banhos da Areia Preta, achando-se já ali construídas várias barracas de vários clubes e de famílias particulares, vendo-se todas as manhãs e tardes cavalheiros e senhoras praticando o bom exercício de natação. Informam-nos que com isto muito vêm a perder as mesas do predilecto jogo de ma-cheok". (mah-jong)

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Igreja de Nossa Senhora das Dores (Ká-Hó)

A Igreja de Nossa Senhora das Dores foi construída em 1966, durante o bispado de D. Paulo José Tavares, para servir as necessidades religiosas de Ká-Hó, onde, naquela época, viviam as famílias de leprosos curados e alguns doentes novos. Tem um grande crucifixo de bronze sobre o frontispício. Na antiga leprosaria foi feita uma pequena capela em 1934.

Projectada pelo escultor italiano Oseo Acconci, tem uma estrutura de betão armado, nave em forma triangular e uma torre sineira no alçado norte. As duas primeiras imagens são postais ilustrados da década 1970. A fotografia abaixo é do início do século 21.

Numa visita em 2024 - há precisamente um ano - tive direito a visita guiada a este espaço que é de facto magnífico, incluindo o cenário envolvente e o silêncio que impera. A precisar de algumas obras de restauro, nomeadamente nas estátuas no exterior. É nos dias de hoje um local onde impera o silêncio



quinta-feira, 17 de abril de 2025

"Portos do Mar da China"

 Colecção de 6 postais editados pelo Museu Marítimo de Macau na década 1990

Os postais ilustrados reproduzem pinturas da segunda metade do século 19 - propriedade da Marinha Portuguesa - de Macau (2), Hong Kong (1), Cantão (1), Boca Tigre (1) e Xangai (1).
Porto Interior (em cima) e baía da Praia Grande (em baixo)
As pinturas fazem parte do vasto espólio do Museu de Marinha (Portugal)

terça-feira, 15 de abril de 2025

Incêndio no Sui Tai em Agosto de 1928

O "Sui Tai" ancorado em Hong Kong. Desde o final do século 19 e até Agosto de 1928 fez a ligação marítima entre Macau e Hong Kong.
The China Mail (Hong Kong) 24.8.1928
A Verdade (Macau) 25.8.1928

domingo, 13 de abril de 2025

Jean François Régis Gervaix (1873-1940): missionário

Há 100 anos partia de Macau para Pequim, onde foi leccionar francês e literatura francesa na universidade local, o padre Jean François Régis Gervaix (1873-1940) missionário francês da Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris ordenado em 1898. Nesse ano ano partiu para a China sendo colocado em Cantão de onde partiu em 1916 para Macau como membro do Padroado Português. Esteve ao serviço da Diocese de Macau até 1925, sendo professor de francês no Seminário de S. José. 
Muito activo na vida cultural da cidade é da sua autoria o "Resumo da história de Macau" publicado em 1927 sob o pseudónimo Eudore de Colomban em "colaboração com o capitão de artilharia Jacinto José do Nascimento Moura", que também foi o editor da obra.

Trata-se de uma síntese da História de Macau que resulta de um concurso promovido em Abril de 1923, pelo então governador Rodrigo José Rodrigues (1879-1963) empossado nesse ano. O objectivo era a elaboração de um manual de história para ser ministrado nas escolas do território. O concurso teve a duração de quatro meses e apenas um trabalho foi apresentado.
Na portaria nº 67, publicada no Boletim Oficial do Governo da Província de Macau a 21 de Abril de 1923 pode ler-se:
"Tendo reconhecido quanto, entre a mocidade das escolas oficiais da Província é quase completo o desconhecimento da história da colónia, notável precisamente pelos feitos que aqui ocorreram e a enobrecem. Considerando o valor deste conhecimento na educação e formação da consciência cívica da juventude, o Governador da Província de Macau determina o seguinte: Está aberto o concurso, perante o Inspector da Instrução Pública, pelo prazo de 120 dias, a contar da data desta portaria, para uma história de Macau destinada ao ensino nas escolas; obra vazada nos moldes das histórias de Portugal adoptadas nas escolas da metrópole, nomeadamente as de J. Seguier, Fortunato de Almeida e outras. A obra deve ligar e relacionar continuamente a história de Macau com a história pátria, deve ter em atenção os leitores a que se destina, a sua idade, o seu vocabulário e não empregar palavras ou forma de linguagem que estejam fora da sua compreensão. Deve ser sucinta, clara e grandemente ilustrada com fotogravuras e imagens educativas, evitando-se composições fantasiosas".
Anúncio - jornal A Pátria 1928

Colomban/Gervaix escreve no livro: "Bem merece Macau recolher os frutos que semeou com tanto trabalho, e compete a todos os portugueses, metropolitanos e macaenses, unirem-se e redobrar de esforços e iniciativas, para que o nome português seja hoje, como foi outrora, no País dos Amarelos, sinónimo de diplomacia e iniciativa nos seus governadores, de bravura nos seus soldados, de fé nos seus missionários, de patriotismo, trabalho, honestidade e altruísmo em todos os seus habitantes."
Amigo do padre, seria o capitão Jacinto Moura a empenhar-se na publicação da obra - o governador voltara logo em 1924 para Portugal - quatro  anos depois de ficar pronta: 
"Como português e amigo de Colomban, não podia conformar-me com a perda do seu pequeno trabalho, que, se não era perfeito, representava, além do seu valor intrínseco, um alto exemplo de apreço por assuntos, que a nós, portugueses, mais que a ele, deviam interessar. Solicitei-lhe, portanto, insistentemente a publicação do seu trabalho. Colomban acedeu, por fim, sendo-me, porém impostas as condições de o aperfeiçoar e de lhe dar o meu nome, sem fazer a mais leve referência ao seu. Se a primeira delas era quase insuportável, a segunda era-me absolutamente impossível aceitar. Colomban, vencido pela amizade, consentiu por fim, que o seu nome ocupasse o devido lugar, cabendo-me a mim não só refundir e aumentar o seu trabalho como todos os encargos e direitos... Assim, e apenas com os obséquios e conselhos de alguns amigos, a quem fico muito reconhecido, surgiu o presente livro."
O padre Gervaix foi um dos fundadores do "Instituto de Macau" em Junho 1920. Numa conhecida foto de grupo - imagem acima - numa homenagem a Camões na gruta com o mesmo nome, podem ver-se da esquerda para a direita: Eng. Eugénio Dias de Amorim, Camilo Pessanha, D. José da Costa Nunes, Com. Correia da Silva (Paço d'Arcos), Humberto S. de Avelar,, Alm. Hugo de Lacerda Castelo Branco, Dr. José António F. de Morais Palha, Padre Régis Gervais (é o quinto da direita para a esquerda), José Vicente Jorge, Dr. Manuel da Silva Mendes, Dr. Telo de Azevedo Gomes e Ten. Francisco Peixoto Chedas.

No ano em que chegou a Macau Gervaix publicou no jornal O Progresso (16.7.1916) um poema em francês de homenagem a Camilo Pessanha:
"Je ne sais que ton nom, j’ignore ton visage,
Qu’on dit celui d’un sage,
D’un poete, sacré par le choix merité
De la posterité…
Car ton nom passera lumineaux d’âge en âge,
Comme un feu qui surnage
A l ‘horizon qui fuit sur l’abîme agité
De l’immortalité…"

Em 1936 Gervaix parte de Macau para Hong Kong onde fica até 1938. Regressa então a França onde morre a 4 de Novembro de 1940, com 67 anos. O padre/monsenhor Manuel Teixeira, seu aluno, considerou-o "o grande historiador francês de Macau" 
Na edição da RC nº 19 (português e inglês) Abril/Junho 1994, monsenhor Manuel Teixeira escreve que "O seu mau génio acompanhou-o sempre e quando embirrava com um aluno, este era reprovado no fim do ano. - 'Messieur Sousá apanhará uma raposá; Messieur Pirés apanhará uma raposá", dizia ele. E assim sucedeu: tanto o Sousa como o Pires, meus companheiros, apanharam raposa no fim do ano. Como dedicava todo o seu tempo à história, não dava temas ou exercícios nem os corrigia. Fazia o ditado da sua cabeça sobre qualquer acontecimento local. No fim, um de nós ia ao quadro e escrevia o seu ditado; havendo qualquer erro, ele corrigia-o e os outros corrigiam os seus ditados pelo quadro preto."
Deixou inúmeros artigos sobre a história da presença portuguesa e da Igreja no Oriente.  Uma fonte também importante são as dezenas de cartas que enviou da China e foram publicadas na revista Missions Catholiques (Paris). Foi membro de várias instituições internacionais, v. g. a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia. Grande Colar e Sócio da Academia Portuguesa de História.

Curiosidades:
- Em 1925 publicou no Boletim Eclesiástico da Diocese "Histoire populaire de Macao".
- Assinou ainda textos na imprensa macaense sob o pseudónimo Gervásio.
- Em 1928 Colomban viria a editar o seu texto, mas em francês, na cidade de Pequim sob o título "Histoire Abregee de Macau" em dois volumes. 
- Em 1980 a obra (em português) foi reeditada. 

sábado, 12 de abril de 2025

"O grande templo de Macau — a maior maravilha que já vi"

Óleo sobre tela (38x46cm) da autoria de Auguste Borget (1808-1877), assinado pelo autor no canto inferior direito.
De 1836 a 1840, Auguste Borget embarcou em uma viagem à volta do mundo que o levou às Américas, ao Oriente, ao Extremo Oriente e à Oceania. Chegou à China em 1838, onde permaneceu cerca de ano e meio, incluindo oito meses em Macau, entre Outubro de 1838 e o final de Maio de 1839. Foi a estadia mais prolongada de toda a viagem, onde desenhou/pintou a lápis, óleo ou aguarela paisagens, edifícios e cenas da vida quotidiana.
Em Macau Borget tornou-se amigo do pintor britânico George Chinnery, residente em Macau desde 1825, que lhe deu aulas de pintura, permitindo-lhe dominar a pintura a óleo e a cor. O templo de A-Ma, que Borget descreveu como "o Grande Templo de Macau" foi o local que mais o fascinou sendo motivo de inúmeras obras. No sopé da encosta ocidental da Colina da Barra/Penha é composto pelo Pavilhão do Portão, o Arco Memorial, o Salão de Orações, o Salão da Benevolência, o Salão Guanyin e o Zhengjiao Chanlin (pavilhão budista), cada um formando uma parte de um complexo bem organizado em perfeita harmonia com o ambiente natural. A variedade de pavilhões dedicados à adoração de diferentes divindades dentro de um único complexo torna o Templo de A-Má uma representação exemplar da cultura chinesa, inspirada no confucionismo, no taoismo, no budismo e numa série de crenças populares.
Nesta pintura Borget retrata uma cena junto à entrada do templo. Ao pé da escadaria, uma pequena multidão agita-se em torno de um escrivão/escritor, alguém que dominava a escrita chinesa (os caracteres) e que, por exemplo, escrevia as 'preces aos deuses' para quem não sabia escrever. Pode ainda ver-se um barbeiro, meninos jogando dados e vendedores de legumes e chá. Toda a cena ilustra uma azáfama típica do local na época sendo o foco principal a figura do escrivão/escritor. O enquadramento é feito pelo muro que circunda o templo e as árvores centenárias.
No seu diário, Borget escreve a 2 de Maio de 1839 sobre "o grande templo de Macau — a maior maravilha que já vi":
"Quase diariamente visito este templo - cujo nome chinês, Neang-ma-ko, significa o Antigo Templo da Senhora - seja pela manhã, quando tudo é sombra, seja ao final da tarde, quando cada pedra, árvore e telhado reflectem o sol, ou ao meio-dia, quando o calor extremo me obriga a buscar a sua sombra grata. A cada hora e sob todos os aspectos, a vista do templo é impressionante e, embora longe de ser imponente pela sua magnitude, atrai pela delicadeza das suas proporções e, especialmente, pelo seu carácter eminentemente chinês. Nunca o visito sem observar algumas cenas interessantes, alguns detalhes novos que antes me escaparam. Tenho a certeza de sempre encontrar algum ponto de vista atraente e pitoresco e, de facto, poderia fazer um álbum muito curioso, apenas a partir do recinto do templo e da esplanada em que se ergue."

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Exacta & accurata delineatio cum orarum maritimarum (...)

Em baixo assinalei as duas localizações de "Macao" neste mapa de 1596: "Exacta & Accurata Delineatio cum Orarum Maritimarum tum etjam locorum terrestrium quae in Regionibus China, Cauchinchina, Camboja sive Champa, Syao, Malacca, Arracan & Pegu (...)"
O documento - também conhecido por Itinerário - foi desenhado por Arnold Floris van Langren e gravado pelo seu irmão Hendrik. Faz parte da obra de Jan Huygen van Linschoten, "Voyage ofte Schipvaert naer Oost ofte Portugaels Indien (...)" publicado em Amsterdão por C. Claesz em 1595-96.
Linschoten regista "Macao", no norte da foz do Rio Cantão, ao sul de "Lampacao" e "Bonna Ventura."
Texto de Günter Schilder (2003) - tradução/adaptação:
Este mapa cobre todo o Extremo Oriente, de Java ao Japão. Uma escala de graus é fornecida ao longo das bordas superior e inferior, indicando a latitude em intervalos de 5°. Um cartucho no canto superior direito contém um título bilingue resumindo os territórios aqui representados: 'A representação ou ilustração verdadeira de todas as costas e terras da China, Cochinchina, Camboja, Sião, Malaca, Arracan e Pegu, bem como de todas as ilhas adjacentes, grandes e pequenas, juntamente com os penhascos, recifes, areias, partes secas e baixios; tudo retirado das cartas marítimas e rotas marítimas mais precisas em uso pelos navegadores portugueses actualmente'. 
Um cartucho no meio, ao longo da borda superior, contém barras de escala em milhas holandesas e espanholas e, abaixo delas, o nome do gravador com o ano e a data do desenho. Os mares contêm desenhos de navios e monstros marinhos, bem como duas rosas dos ventos totalmente desenhadas.
Este mapa de 1595 é um dos primeiros mapas gravados que apresentam o conhecimento português deste área com bastante precisão. A metade esquerda do mapa das Molucas de Petrus Plancius, de 1592, serviu de modelo para a representação das Filipinas, grande parte do atual arquipélago indonésio e as ilhas situadas entre elas até ao Trópico de Câncer. Ao compor o mapa, Plancius utilizou mapas manuscritos do cosmógrafo e cartógrafo português Bartolomeu Lasso. Assim como o mapa do Itinerário, Lasso também mostra toda a ilha de Sumatra e uma parte maior do continente, desde a Baía de Bengala até à costa da China, a uma latitude de 27°N
Assim, o mapa no Itinerário estende-se mais para oeste, mas alcança muito menos para leste do que o mapa de Plancius. Ele não mostra os numerosos grupos de ilhas no Oceano Pacífico. (...)
Hendrik Floris van Langren fez uma representação do Japão, que se tornou obsoleta nesse mesmo ano já que um novo mapa do Japão foi publicado em 1595 no Theatrum Orbis Terrarum. Luis Teixera disponibilizou o desenho original a Abraham Ortelius em 1591 ou no início de 1592. O mapa no Itinerário também mostra uma parte maior do interior chinês do que a mostrada no mapa impresso das Molucas por Plancius. Podemos supor aqui que essa extensão foi baseada no exemplo do mapa da China de Ortelius de 1584. Esse mapa foi composto com a ajuda de informações de Jorge de Barbuda, um português a serviço de Filipe II da Espanha."

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Viagem do Lovisa Ulrica em 1748/50

Um dos 38 navios da Svenska OstIndiska Compagnie (SOIC), a Companhia Sueca das Índias Orientais - fundada em 1731 e encerrada em 1813 - recebeu o nome da princesa Louisa Ulrica da Prússia (1720-1782), rainha da Suécia de 1751 a 1771.
Com uma tripulação de 140 homens e 24 canhões a bordo esteve várias vezes em Macau. A viagem começava no porto de Gotemburgo e durava cerca de dois anos no percurso de ida e volta.
Uma dessas viagens teve início a 27 de Dezembro de 1748. Chegaram à China oito meses depois, em Agosto. Os negócios, descargas e cargas, decorreram durante 4 meses. A partida da China decorreu em Dezembro e o regresso à Suécia deu-se a 5 de Julho de 1750. O comandante era o capitão Erik Moreen. A bordo seguiam 4 supercargos (negociantes): Peter Teodor König, Christian Tham, Charles Bratt e Elias Hilleström. Um deles, Christian Tham, escreveu um livro sobre as oito viagens que fez à China. Sobre esta escreveu:
"A 27 de Dezembro de 1748, fui novamente de Gotemburgo para Siös com o navio Lovisa Ulrica como segundo supercargo e, a 26 de Janeiro de 1749, chegámos a Cádis, partimos de lá a 1 de Março, passámos o Cabo a 17 de Maio, entrámos no Estreito de Sunda a 3 de Julho, a 6 de Agosto para Macau e a 11 para Cantão, de onde partimos depois de terminar o carregamento em 22 de Dezembro do mesmo ano. No dia 16 de Janeiro, partimos da Ilha dos Príncipes e passámos pelo Cabo no dia 11 de Março, e no dia 1 de Abril pela ilha de Assention, onde capturámos 45 tartarugas. A 20 de Maio, chegámos em segurança à ilha do Faial (Açores), partimos de lá a 4 de Junho e chegámos em segurança a Gotemburgo a 5 de Julho de 1750."

Nesta aguarela do diário do Capitão Erik Moréen pode ver-se o Lovisa Ulrica ao meio-dia de 27 de Dezembro de 1748 - dia da partida - quando passou pela pequena ilha de Vinga, junto a Gotemburgo.
A feitoria sueca em Cantão ficava ao lado da portuguesa, junto ao rio. Ferro, madeira e prata eram os principais produtos vendidos à China. No regresso traziam sobretudo seda, porcelana e chá, que depois eram revendidos para outros países europeus.

terça-feira, 8 de abril de 2025

O vapor "Fei Seen"

"The Steamer Feiseen, in future, after the arrival of the Calcutta steamers, from each monthly Opium Sale, will run daily for a week between this and Macao, leaving at 2 p.m. and 8 a.m. respectively"

Hong Kong Daily Press 30.5.1864

O Fei Seen pertencia a D. Ruttunjee, de Hong Kong, No início era comandado por R. Carrol.  A viagem entre Macau e Hong Kong durava cerca de 5 horas.

domingo, 6 de abril de 2025

Divers voyages et missions du P. Alexandre de Rhodes en la Chine et autres royaumes de l'Orient

Continuando o post de ontem, aqui ficam alguns excertos do livro de Alexandre de Rhodes (1591-1660), publicado em Paris em 1653 - que inclui o mapa referido ontem: "Divers voyages et missions du P. Alexandre de Rhodes en la Chine et autres royaumes de l'Orient, avec son retour en Europe par la Perse et l'Arménie"
Rhodes chega a Macau a 29 de Maio de 1623 (partirá em Dezembro de 1624 com destino à região do actual Vietname) e segundo escreve no livro já sabia da derrota holandesa em Junho do ano anterior.
"(...) enfin le 29 May de l'année 1623 nous arriuâmes au port de Macao en la Chine, quatre ans & demy apres mon départ d Europe. (...)
O capítulo 14 (pág. 57) intitula-se "A minha estadia de um ano em Macau, cidade da China controlada pelos portugueses".
Tradução/Adaptação de alguns excertos que incluem, por exemplo, referências ao colégio de S. Paulo e à igreja Mater Dei:
"Tendo chegado a este belo Reino, a minha primeira estadia foi em Macau, onde fiquei retido durante um ano, durante o qual usei todas as minhas forças para me familiarizar com a língua japonesa, para onde esperava ir o mais rapidamente possível. Macau é um porto e uma cidade na China onde os portugueses construíram e fortificaram com a autorização do Rei da China a quem pagam todos os anos vinte e duas mil coroas de tributo. Há cerca de cem anos, desde que esta permissão lhes foi dada, um dos principais Fundadores foi o valente Pierre Veillo que pela sua caridade mereceu que São Francisco Xavier lhe prometesse que teria o coração da sua morte. Era uma faixa de terra perto do mar onde existiam piratas atacando toda a província do Cantão, a mais próxima do mar.
Os chineses, para se libertarem destes brigantes, chamaram os portugueses em seu auxílio e permitiram-lhes ocupar este posto se conseguissem expulsar estes maus vizinhos. Os portugueses, que não tiveram outra alternativa senão pôr os pés na China, foram armados contra esta tropa de ladrões, afugentaram-nos facilmente, começaram a construir como os chineses lhes tinham permitido, no entanto, pelo tratado não podiam construir fortificações e fizeram-no.
Ergueram aqui um lugar muito bom onde colocaram duzentas peças de canhão e desde então vivem em sigilo. A cidade não é grande, mas é bonita e construída à maneira europeia, melhor do que na China, onde todas as casas têm apenas um andar. O tráfego comercial em Macau era muito grande e os portugueses enriqueceram em pouco tempo, mas desde as perseguições no Japão e a ruptura com os espanhóis que controlam as Filipinas, tudo diminuiu porque foi o comércio destas duas ilhas que lhes deu tudo de melhor que tinham.
A nossa companhia possui aqui um grande colégio que pode ser comparado aos mais belos da Europa, pelo menos a Igreja é uma das mais magníficas que já vi em toda a Itália na época de São Pedro de Roma. Aprendemos lá todas as ciências que ensinamos em todas as nossas grandes academias. É lá que se formam esses grandes trabalhadores que enchem todo o Oriente com as luzes do Evangelho. De lá vieram tantos mártires que coroam a nossa província, eu a chamo de muito feliz por causa do que ela tem essa glória que só no Japão conta 97 gloriosos confessores do Santo Nome de Jesus Cristo que sentiram com seu sangue a fidelidade que haviam prometido ao seu querido mestre."
Mapa incluído no livro de 1651:
"Histoire du royaume de Tunquin, et des grands progrez que la prédication de l'Evangile y a faits en la conversion des Infidelles. Depuis l'année 1627 jusques à l'année 1646"

Expulso do Vietname em 1630, Rhodes regressaria a Macau e em 1645 iniciou a viagem de regresso a Roma onde chegou em 1649. Estará na origem da criação em 1659 da Sociedade para as Missões Estrangeiras de Paris. No ano seguinte foi enviado à Pérsia onde viria a morrer.