No sabbado 31 d'outubro festejou-se com muita pompa o anniversario natalicio de S. M. El-Rei o Sr D Luiz 1º. O cortejo, que principiou ao meio dia, esteve bastante concorrido e além do corpo consular e das corporações militares e civis, compareceram neste acto alguns cavalheiros estrangeiros e cidadăos residentes, incluindo nestes alguns naturalisados. Na sala do docel, formavam parede á real effigie, do lado direito S. Exa. o Governador e seu Estado maior, e o Conselho do Governo, do lado opposto, o Leal Senado de Macao, com a Bandeira da Camara.
Um guarda de capitão achava-se no largo do palacio fasendo honra a este acto solemne e salvaram, ao correrem-se as cortinas do retrato de S. M., o fortim de S. Pedro e Fortalesa do Monte. À noite quase expontaneamente se illuminou quasi toda a linha da praia grande que dava a este poetico lugar uma vista deslumbrante. O Palacio estava bem illuminado e o portico da entrada ao gosto china ellegantemente revestido. A escada interior estava vistosa, bizarra e de muito bom gôsto, e os salões abertos ao baile bem illuminados e ornados d'um effeito magnifico.
A entrada do baile foi ás 9 horas principiando o serviço do chá pelas 10 horas e a dança cerca das onze. A ceia servio-se com frugalidade depois das duas horas da madrugada, terminando a festa com o romper da aurora. No salão da ceia a respectiva mesa estava disposta, não só com symetria, mas com muito gosto. Por occasião de começar-se o baile, a quadrilha de honra, no salão do docel, de 20 pares, reunia distinctas senhoras de Macao, e estrangeiras, e os principaes cavalheiros.
O baile correu animado e vivo desde o seu começo até ao seu fim dançando se com muitos pares. Eram 42 as damas reunidas com caprixosas e chistosas toilettes e excediam a 150 os cavalheiros. O Mandarim da Casa Branca, e dois chins negociantes com suas vestes de gala, compareceram satisfeitos a esta festa como por primeira vez gosavam tão alegremente. À ceia a primeira saude quando a mesa se achava guarnecida pelas damas, proposta por S Exa o Governador, a S. M. El-Rei acolhida com enthusiasmo extrordinario.
Quando os cavalheiros substituiram as senhoras, um funcionario publico respeitavel, de Hongkong, Mr. Ball, propoz uma saude a S Exa o Governador e sua Esposa, brinde que foi acceito com muito praser e affeição por todos circunstantes. S. Exa. agradeceu brindando os cavalheiros distinctos estrangeiros que se achavam presentes e que honraram o baile. A ultima saude foi a S. M. a Rainha e à família Real Portuguesa. Ao começar o baile na occasião em que as senhôras chegavam, a serenidade do ceo e do mar, a bonança que não encomodava a multidão de luzes que enfeitava a maior parte das casas da praia grande, o concurso de pôvo em redor do centro destes regosijos, era um expectaculo encantador, que poucas vezes o temos visto, nesta bella, terra tão deslumbrante.
in O Boletim do Governo de Macao, 2.11.1863
Este foi o ano da 'abertura' da rua da Praia Grande. Começava na Rua do Campo e terminava junto à Fortaleza do Bom Parto (a ligação ao Porto Interior seria feita só no final do século 19). Mais tarde passou a denominar-se Avenida da Praia Grande.
Quanto ao Palácio do Governo referido não era o actual, pois nessa altura ainda pertencia ao Barão do Cercal e só em 1883 foi comprado pelo governo local.
O palácio referido era o edifício que viria a ficar conhecido como Palácio do Governo/Repartições (na ilustração acima e na foto abaixo), demolido na década de 1940 para ali ser construído o edifício que ainda hoje existe denominado antigo Tribunal (frente à estátua de Jorge Álvares).
De acordo com relatos da época:
"Comprehende o palacio dois pavimentos, no inferior, lado direito, são as repartições da secretaria do governo e, lado esquerdo, alojamentos dos oficiaes às ordens e adjudantes dos governadores. Nos fundos, arrecadações e quartos de ordenanças.No primeiro pavimento à frente, salas de entrada e na primeira, à direita, mais duas sendo a do topo a do docel; à esquerda, de visitas ou dos retratos dos governadores, reservada, a gabinete particular do governador ou seu escriptorio.”
Tal como o relato do baile também esta descrição está feita em português da época. O 'docel' referido escreve-se actualmente 'dossel" e significa "armação de ornamento que encima peças de mobiliário como tronos, altares, liteiras ou camas". No caso seria algo muito semelhante, porventura em menor escala, ao dossel que existe na chamada Sala do Senado do parlamento português e que curiosamente também teve um quadro/retrato de D Luís I.
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